Afinal, “qual é” a do sonho americano?

Leonardo e Kate tentam nos mostrar

(Sobre o filme "Foi Apenas Um Sonho")

A musa do meu querido e falecido poeta Mário Quintana era a atriz Bruna Lombardi. Eu não sei se tenho uma atriz assim pra mim, e acho isso meio piração. Mas caso eu tenha, ela é a Kate Winslet. Dizem os fofoqueiros que ela nutriria uma paixão por Leonardo Di Caprio, desde os tempos de Titanic. Pois bem. Vi na minha TV a cabo – atrasado como sempre, já que raramente vejo lançamentos no cinema – Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road), do diretor Sam Mendes (leia-se Beleza Americana, um dos mais chocantes filmes norte-americanos sobre amor, paixão, sexo, e sobre os norte-americanos). Não sei se é relevante dizer, mas Sam Mendes é marido de Kate Winslet. Ah, esse pessoal de cinema... O cara me chama justamente Di Caprio pra contracenar com sua esposa. Dizem as más línguas (não menos malvadas que a minha neste meu momento TV Fama) que as filmagens de Foi Apenas um Sonho teriam sido o estopim de uma crise entre o casal de diretor e atriz. Meu deus do céu... o que eu estou escrevendo aqui? Um artigo para a imprensa marrom? Não. Não se trata disso, não. É que arte e vida se misturam de uma forma especial em se tratando de cinema. Por exemplo, é sabido que Tom Cruise e Nicole Kidman separam-se depois das filmagens de De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut), último e altamente recomendável filme do finado Stanley Kubrick. Já Brad Pitt e Angelina Jolie casaram-se depois de filmarem Sr. & Sra. Smith. Pô, gente... para muitas pessoas vida e arte são uma coisa só. É como dizer que vida e trabalho para certas pessoas são, em mesma medida, uma coisa só. O girar do globo faz misturar as coisas. Vida e arte, vida e trabalho, sexo e trabalho... Não haveria arte e nem mesmo trabalho criativo sem Eros. Eros está solto, apesar da incômoda e eterna oposição de Tânatos. Não haveria vida sem Eros. O mundo das coisas vivas é o mundo das misturas. Algumas misturas viram saborosas tortas de limão, outras nitroglicerina.

Torta de limão e nitroglicerina são coisas bem americanas. E Sam Mendes parece estar se especializando – como um Woody Allen da tragédia – em tratar do caso americano. Foi Apenas um Sonho, seu último trabalho – caso eu não esteja desatualizado –, é um filme que fala, entre outras coisas, sobre o grande fracasso do americam way of life. Ambientado no mais que próspero momento pós-Segunda Guerra Mundial, o filme conta a história de um casal típico americano: por mais que os personagens do filme sintam-se atípicos. Vejamos então “qual é” a do casal do filme. Ele, ex-combatente em Paris, agora um executivo (um “figurão”) de uma empresa que trabalha com um novo negócio chamado computador. Um cara bem sucedido profissionalmente, mas com um enorme senso de não-realização pessoal, já que nada mais se vê fazendo na vida além de seguir os passos do pai já morto, que trabalhara na mesma firma – pai este que não era objeto de sua admiração. Ela, uma ex-atriz, agora dona de casa, mãe de dois filhos que quase não aparecem no filme, já que estes não fazem a menor diferença para a trama e tampouco para o casal de infelizes personagens: as crianças são mais um empecilho necessário imposto pela avassaladora cultura baby boom do que um prêmio ao provável amor dos cônjuges. Dona de casa... E que bela casa aquela em que reside o belo casal... Casa grande, de madeira, dois andares – claro –, linda, linda, do tipo que faria um expectador chinês ou de Bangladesh ficar se perguntando o porquê de tanta tristeza na vida dos moradores. Ou um expectador brasileiro. Se bem que os brasileiros – moradores de um país que está no topo da pirâmide do desequilíbrio de renda – parecem achar muito natural a riqueza dos Estados Unidos. Talvez o mundo ache. Talvez os pobres do mundo ainda se sintam culpados por serem pobres. Mas, em algum momento, algum pobre mortal “e pobre” possa se perguntar: “do que essa gente linda, com essa casa linda, com esses filhos lindos e saudáveis, com essa renda mais que suficiente, tanto reclama?”. É... O buraco negro freudiano da vã cultura material parece ser mais em baixo. O rolo expõe seus nós quando ela, a linda e frustrada dona de casa, sugere ao marido uma mudança radical de vida, propondo que abandonem tudo e se mudem para Paris. A realização do novo ideal do jovem casal – o primeiro projeto ousado em suas vidas – dependerá de muito mais do que um estalar de dedos, com grandes chances de não dar certo.

Sam Mendes vai na ferida com seu dedão. Isso me faz amar Hollywood: de vez em quando a grande indústria do cinema americano filma uma crítica aos valores capitalistas americanos como as próprias cinematografias de outros países “concorrentes” não conseguem fazer. Foi Apenas um Sonho é dotado de um senso de autocrítica avassalador. O filme é muito bom. Di Caprio está muito convincente. E kate, que venceu o Globo de Ouro pelo papel... Kate está... hipnótica. O casal de atores deita e rola com seus personagens tristes. E batem um bolão: há pelo menos três cenas de brigas do casal dignas de figurarem entre as melhores cenas de briga conjugal do cinema (categoria que acabei de inventar, agora). Um personagem também digno de nota é o “louco” que visita, junto aos pais, a moradia do casal, e diz, a cada visita, “grandes verdades”, dessas que só os loucos sentem-se no direito de dizer, deixando as coisas bem tensas, como se fosse ele a representação da consciência do autor da história – e não me perguntem o nome do ator que o interpreta. Eu também não poderia deixar de mencionar a beleza única de Miss Winslet. Beleza que permanece, mesmo com as novas marcas de expressão visíveis em seu rosto. Seja então feliz Mr. Sam Mendes com sua poderosa esposa e com seu poderoso cinema. Hollywood dá sinais de vida inteligente: até mais inteligente que o próprio império que a abriga, o insólito império do american way of life.

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