“Ao Mestre, com Carinho” (To Sir, with Love)

“Ao Mestre, com Carinho” (To Sir, with Love)

Sidney Poitier, tsk, tsk, quebraram o molde há muito tempo. Finesse e uma interpretação que vem de não sei onde, além de vir de dentro.

Londres, 1967, subúrbio, um conjunto de crenças que parecia temeroso e hoje pode ser encarado como bala de hortelã. O mundo reclamava de barriga cheia.

A trilha, com suas canções maneirosas, suas intervenções, mais a canção título, permanecem um filme à parte.

James Clavell (roteirizou, produziu e dirigiu), e enxertou a canção “To Sir, with Love” 4 vezes ao longo do filme. Na abertura, na ida ao museu, no baile de formatura, no encerramento. É isso aí. Clavell estava arqui-ciente de que a canção não cansa.

Para os que assistiram na época, e depois, e um tanto depois, e recentemente, ao ouvir os primeiros versos, penso eu, ainda é possível sentir uma leve alfinetada no lado esquerdo do peito.

Lulu cantava muito, isso sim. Há uns anos atrás ela fez uma ponta no clipe em cima da hora dos noruegueses Kings of Convenience, com o mesmo layout usado no saudoso “Ao mestre...”.

Datado? Depende. O Demoiselle de Santos Dumont é datado? Um aviãozinho que lembra uma asa delta motorizada, concebido quando as galinhas botavam ovos coloridos e, vou te dizer, tem gente hoje voando de Demoiselle no interior de São Paulo, e achando o maior barato.

Não me espantaria se a adaptação da obra de E.R. Braithwaite ainda contasse com uma modesta embora firme legião de fãs. Seu primeiro fã foi o diretor de cinema e também escritor, James Clavell. Cidadão do mundo em quatro modalidades, sangue australiano, inclinações à Irlanda e aos USA, tendo passado boa parte da vida dividindo seus lares entre Califórnia e Londres, quatro modalidades de língua inglesa, porém, o que o tornou mundialmente conhecido foi sua experiência com os que falam japonês.

Há um chavão muito interessante que assim se expressa: se a sua meta não for o seu destino, você sempre nadará contra a corrente. Descubra qual o seu destino e o rio o conduzirá.

À serviço das tropas de Sua Majestade, o australiano educado na Inglaterra James Clavell foi capturado em Java, durante a Segunda Guerra Mundial. Seu período como prisioneiro de guerra no campo de Changi viria a influenciar sua futura obra, onde se destacam “Xógum” e “Gai-jin”. E pra não especular que um rio sem ondulações perde o charme, James embarcou nessa aventura de um professor negro no olho do mundo caucasiano enfrentando alunos indisciplinados. Em plena era da juventude transviada. Incrível como se aventam clichês proféticos.

Começa com Sidney Poitier no inerente – porque aquele ônibus foi inventado para se tornar acessório inerente da cultura londrina - começa com Sidney entrando no ônibus, (dois anos depois ele viria a estelar “Adivinhe quem vem para jantar?”, master piece do teatro americano), enfim, começa com Sidney no ônibus vermelho e duas senhoras ao lado dele conversam, crentes de que ele desconhece a língua.

Dizem elas: hum, que gato, levaria para casa. Ora, pare com isso, diz a outra, você é viúva há tanto tempo, que esqueceu como se faz. Imagine, retruca a primeira, essas coisas a gente não esquece. Ah é, triplica a primeira, então vou te mandar o meu marido, só que ele bebe um pouco. Melhor ainda se estiver bêbado, arremata a viúva.

Elas riem. Tudo é dito de um modo muito doce, com um frescor juvenil, embora elas aparentem uma curva além da meia idade. Sidney sorri do diálogo sem se manifestar. Ele é o mestre. Seu personagem nasceu na Guiana Inglesa e se virou nos trinta na Califórnia. Subentende-se que a quantidade de empregos que ele teve até se tornar engenheiro eletrônico, deu-se na Califórnia. Esse é, ou foi, um dos lados A da América – passar pelo sistema sem ser dilacerado por ele. Assim, torna-se absolutamente permissível conceber que um sujeito com aquela classe tenha sido lavador de pratos, zelador de prédios, etc., até conseguir um diploma e arranjar emprego como professor nos arrabaldes de Londres.

Sua chegada na instituição e os diálogos iniciais com outros professores mostram a era Vitoriana ainda dando coices do além túmulo na Bretanha dos Beatles e Roling Stones. O corpo docente se queixa que a escola não impõe punições físicas aos alunos.

Poitier tenta ensinar para os jovens um pouco das coisas ortodoxas que se ensinam em colégios, tais como ler sem catar milho e adicionar uma dezena à outra dezena. Desiste. E passa a ensinar-lhes os rudimentos do antigo vocabulário referente a respeito, cordialidade, dignidade, controle emocional, convicções.

Se você colocar o olhar critico do presente sobre esse átomo rodeado desses elétrons, a palavra infantilidade surgirá em sua mente, já que no nosso inenarrável presente alunos metralham professores por um punhado de crack. As aparências mudam, mas o vocabulário que o mestre tenta instalar nas mentes foi feito para resistir ao tempo.

Poitier os ensina como se faz uma salada, a levar flores para uma defunta, a questionarem com um pingo de raciocínio, a terem noção de que dentro em breve, questão de meses, irão sair do ninho para crescerem e se multiplicarem, ouvindo iê-iê-iê.

Lulu canta muito, além de personificar uma das alunas problema, a banda que a acompanha chama-se The Mindbenders e o autor da música título, Marc London. Turma de artistas dando o melhor de si, em 1967, que mal há em creditá-los agora?

Poitier, sem igual, sobretudo nas cenas em que ele tenta manter a calma face a baderneiros, cuja ficha na polícia devia-se a janelas quebradas e pichação de muros. Sim, o mundo já foi um quintal.

O final é o que se espera, todos esperamos uma vida assim, com a certeza de que no desfecho as coisas se encaixem, sob a luz que existe no fim do arco-íris.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 12/07/2010
Reeditado em 17/10/2012
Código do texto: T2373163
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