“A Estrada” (The Road)
“A Estrada” (The Road)
Vai marcar presença entre adolescentes, pós adolescentes e cinéfilos.
A única maneira do cinéfilo obter êxito (e exultamento) na estrada da adicção de filmes é manter a mente aberta. Como um adolescente.
Pelo desempenho acumulado o nome Viggo Mortensen na capa beira o funcionamento de um atestado, a descoberta de um irreconhecível Robert Duvall, perdido no Vale dos Perdidos, beira o perímetro da confirmação, Guy Pearce também aparece, mas a certidão ganha o reconhecimento definitivo não no argumento, há léguas do argumento, porém antes na maneira ímpar de tratar o argumento. Se eu te contasse qual é, você não assistiria o filme. Nem eu assistiria.
O tema pós apocalipse aqui é tratado com uma lente de aumento na forma individual, mais ou menos como se um morador de rua dos dias de hoje relatasse as minúcias, os pormenores do seu cotidiano.
Viggo e o filho puxam um carrinho de supermercado, suas vestes e fisionomias são as mesmas daqueles que puxam carrinho, hoje, e que fingimos não existir.
A edição da obra, ou o que está aonde e porque melhora o todo - são pequenos conjuntos, mini resumos do quebra cabeça.
Viggo e o filho numa relação antônima do saudável numa realidade antônima da realidade.
Seja lá o que quer que tenha acontecido com o nosso planeta, “A Estrada” coloca a situação catástrofe depois de filmes catástrofes, “2012”, por exemplo, mas pode subir duas oitavas naquilo que se diz comprometimento. Enquanto “2012”, o filme, diverte na primeira parte e aborrece na segunda, “A Estrada” foca a vida no ponto final e se compromete com isso.
Cormac McCarthy, escritor, levou o Pulitzer de 2007 e os críticos consideram o presente trabalho como sendo sua obra prima.
Nada está parado no cosmo, e o ponto final descrito por McCarthy nada mais é do que o movimento resultante do movimento anterior. A reflexão que não está sequer subentendida na tela, embora seja de lá que ela sai, ganha a seguinte forma em palavras e linhas: o dia a dia real do planeta Terra hoje, excetuando as raríssimas e isoladíssimas exceções, sequer cogita um cotidiano baseado em aperfeiçoamento do caráter e valores espirituais vindo antes das satisfações materiais. Vive-se exatamente ao contrário dessas premissas. Esse é o movimento. Assim, enquanto desejos materiais, que deveriam significar meios para viver e não objetivo de vida, norteiam tudo e todos, o enredo de McCarthy desperta a seguinte pergunta: o que aconteceria se acabasse toda a matéria a ser consumida?
Viggo e o filho estão esquálidos e famélicos. Canibalismo tornou-se uma praxe.
Uma coisa é ter a idéia desse conceito, inda assim considerando que a idéia em si não é nenhum “Ovo de Colombo”. Outra é adequá-la no contexto. Artistas estão aí para isso mesmo.
Seja lá o que quer que tenha acontecido, Viggo e a mulher ficaram entre 4 paredes durante um par de anos ou mais. Parece que muita gente ficou assim. Pessoas se suicidam. A mulher (Charlize Theron), pensa nisso como você pensa se val calçar sapatos pretos ou brancos. Charlize ainda tem a fortuna de parir depois do fim do mundo.
Viggo e o filho estão na estrada, ora se escondendo, ora puxando o carrinho, o filho indaga: nós somos os mocinhos, certo? Não comemos pessoas, certo? Nem mesmo se precisássemos...
Onde adolescentes, pós e cinéfilos encontram um ponto de intersecção, a despeito de suas consciências e bagagens milimétricas não serem compatíveis, são em cenas que tiram o fôlego, como a da mansão, onde pai e filho adentram inadvertidamente. Poucos filmes revelam surpresas tão intensas.
John Hillcoat nasceu na Austrália, e vem trabalhando com roteiros e direção de filmes desde os 90. Esse é o seu quarto longa metragem, talvez seu primeiro grande acerto.
“A Estrada” não traz nenhuma nova metáfora sobre valores ligados a um viver edificante, sobre esperança ou mesmo conduta. Traz situações de cinema, isso sim, fortes como um aríete, que em dados trechos te jogam para fora da sala de projeção particular e te levam a pensar, seja em valores ligados a um viver edificante, esperança ou mesmo conduta.
O que não é pouca coisa.