“O Mensageiro” (The Messenger)
“O Mensageiro” (The Messenger)
Se para cada um de nós, ou de nossos sobreviventes, houvesse um par de oficiais batendo na porta e dizendo: seu filho foi abatido, o secretário de Estado expressa os pêsames, mas o protocolo nos impede de confortá-lo, nos impede até de dizer: sentimos muito, ou, força aí, meu camarada...Quiçá o desumano se travestisse de humano, nem que fosse para um frugal momento de condolências.
Domingo retrasado na TV Cultura, através da sabedoria de um filósofo, ficamos sabendo que são 40.000 homicídios com intenção prévia, em território nacional. Diferente do assassinato por descuido, alteração de ânimos, “pequenos” excessos impensados, etc., a raiz e sua estratificação numérica chamam a atenção das cabeças pensantes a soldo de nada senão da ética. Estamos falando da morte com intenção de, exatamente como numa guerra.
O exército americano mantém de prontidão oficiais por todo o país, a fim de notificarem em primeira instância os familiares dos lutadores de além mar. Esses oficiais andam em duplas e devem seguir à risca um cabuloso protocolo. Comportam-se como autômatos designados para uma tarefa espinhosa e nessa curva do caminho entram as indicações ao prêmio mais cobiçado do cinema, referente ao certame 2010: Melhor Roteiro Original, Melhor Ator Coadjuvante (Woody Harrelson).
Woody, insofismavelmente, na linguagem do amanhã, “mandou muito”. Expressão inferior a “mandou bem”.
Oren Moverman estréia na direção com a cautela dos estreantes - nada pode dar errado e assim todos os planos estão fechados, ele pára no sinal vermelho e pensa duas vezes antes de dar o pisca. Todo mundo já foi estreante, pelo menos uma vez. Oren foi um dos roteiristas da produção norteamericana/alemã “Não Estou Lá”.
“The Messenger”, enquanto dinamismo cinematográfico, parece mover-se dentro de um gesso. Saltam à vista, contudo, as atuações e as entrelinhas do roteiro. Essas entrelinhas equivalem a
ausência de nuances do protocolo - espelho escarrado e ainda não assimilado do mundo em que vivemos.
Ben Foster contracena com Woody, quem assistiu “Alphadog” não tem como esquecer a atuação da figura central, tatuada e hiper ativa.
Eles batem de porta em porta, aguardam o bipe em qualquer horário das 24 horas, sua missão consiste em levar a notícia do falecimento antes que os parentes o saibam via TV e outros.
Curiosa mesura do Estado, querendo se adiantar em espalhar a nova, como se fosse um alento ou remédio para o pai, mãe, noiva ou esposa que ficou em casa.
Ben Foster atua de igual para igual mas há um que na performance de Woody que dá a luz que falta numa história de adjetivos fugidios.
Woody Harrelson atua como o oficial graduado que norteia o pupilo na jornada pelos lares e reações inusitadas. As reflexões dele sobre o que antigamente conhecíamos por Moral e Cívica nos mostram que a surrealidade tem mais peso do que sonha nossa vã filosofia.
Nalgum ponto os autômatos jogam por terra o código e sua moldura, mas com uma coerência digna de nota, mostrando que cada um é fruto de suas próprias repetições.
“O Mensageiro” pode não ser uma Brastemp mas também não recheia o círculo dos descartáveis. Cinema ainda retém estranhos mistérios. Talvez porque esses personagens representem um pouco de nós mesmos, rígidos nas crenças até a hora do “momentum”, pois ou bem estamos batendo na porta de outros, ou outros estão batendo à nossa.
Com boas e más noticias.