“Ilha do Medo” (Shutter Island)
“Ilha do Medo” (Shutter Island)
Seria temerário supor uma ilha como ratoeira, sobretudo depois de semestres e semestres do bombardeio “Lost”. Seria, não fosse o sexteto em ação: Martin Scorsese, Dennis Lehane, Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Max von Sydow e seguem mais 16 nomes no elenco, ainda não tão estelares, mas empenhados em rechear a empada que em primeira e última instância cumpre a missão do entreter.
Martin Scorsese dirige o que Dennis Lehane (“Sobre Meninos e Lobos”) colocou no papel.
“Ilha...” começa com DiCaprio e Ruffalo confabulando numa balsa, a caminho de uma instituição psiquiátrica cravejada num rochedo, cercado de água por todos os lados. DiCaprio e Ruffalo trabalham para o governo e usam distintivos. Do tipo que vem acompanhado de um revolver.
Nos primeiros 15 minutos a trilha coercitiva, a fotografia exata e o motivo da visita – uma paciente perigosa havia fugido – são os primeiros ingredientes de mensagem, ou se preferir iscas, para prender vossa atenção e fluem naturalmente para preparar os próximos 15 e assim por diante.
A ação se passa nos anos 50, com figurinos e penteados pertinentes, bem como as memórias da Segunda Guerra (DiCaprio é um ex-combatente, que voltou condecorado e se tornou US Marshall).
Ben Kingsley veste o jaleco do psiquiatra chefe com o ar maquiavélico dominador. Balelas e teorias conspiratórias sobre o poder do Estado e a repressão psiquiátrica desfilam entre os detetives e o médico, mais os enxertos de tratamentos inovadores para 1954, tais como os ancestrais do diazepan e a lobotomia. DiCaprio suspeita de que há algo de muito errado naquela instituição.
O acerto da fotografia e o asseio da ambientação criam a atmosfera perfeita para os flash-backs do detetive, vide sua chegada em Dachau e os corpos dos prisioneiros congelados. DiCaprio é viúvo, as instalações do instituto tem cercas eletrificadas, sua estada por lá, entre interrogatórios sobre a paciente foragida, especulações clínicas e trâmites burocráticos é entremeada pelas peças que sua memória lhe prega.
Scorsese recorre com a intenção do arista que sabe exatamente qual artifício está invocando para a sessão. Tudo é dado ao espectador como a historinha de João e Maria – os pedacinhos de pão vão sendo cuidadosamente colocados para que ninguém se perca na trilha de volta. Engenhoso. Feito de um jeito que parece um compêndio de clichês, mas cujo intuito visa passar uma elegante rasteira naqueles que buscam entretenimento nível A.
Ademais, é o que se espera do cinema, educa-me ou divirta-me. Ou ambos, ou uma das alternativas já se faz suficiente. O importante é que funcione. DiCaprio sabe vender o peixe, Scorsese há muito se tornou mestre na arte da embalagem, Mark Ruffalo vem subindo de filme em filme, Max von Sydow já habita o topo, que ele gentilmente divide com o “Mahatma” Ben Kingsley.
No título original, a título de informação, shutter significa: aquele ou aquilo que fecha.
Descontando o título pátrio comercial, e vencidos aproximadamente 2/3 de projeção, surge a pergunta: quando um grande cineasta comete, repetidamente, uma sucessão de pequenos erros, pode-se aventar que esteja perdendo o apuro? Logo após surge a resposta: ao invés de perder o apuro, o cineasta apura-se, e Leonardo encarna um complexo ser humano, que há um bom tempo entrou no labirinto e fechou a persiana.
Será próximo do final da projeção que o espectador perceberá os erros não como derrapagem do cineasta e sim oriundos da percepção do(a) personagem. E o final reserva uma pergunta arrebatadora.
Shutter também significa persiana.