“Os Bons Companheiros” (GoodFellas)
“Os Bons Companheiros” (GoodFellas)
Se pegar uma fita métrica para medir quanto de filme tem narração em off e quanto a câmera mostra as palavras esvaindo pela boca dos atores, vai ficar embatucado.
Os clássicos de ontem estão nas prateleiras dos museus, boa parte deles. Os clássicos de hoje foram paridos há 20 anos (boa parte deles) e são os clássicos de hoje. Grande parte da narração em off vem de Ray Liotta, uma parte um tanto menor (para medir um tanto, precisa da fita métrica) vem na voz de Lorrane Bracco, esposa de Liotta durante a jornada.
Adaptado para as telas por Martin Scorsese e Nicholas Pilleggi, autor do livro (Wiseguy) e dirigido por Martin Scorsese, autor do espetáculo.
“Os Bons Companheiros” é um filme que diz respeito a força, mas não a força enfocada por Darth Vader e os companheiros Jedis, um lance mais mental, digamos. A história verdadeira (true history) filmada por Scorsese trata da força igual porrada mesmo, se você quer alguma coisa, pegue-a, wiseguy é sinônimo de gangster. Scorsese viria a repetir a fórmula da narração em off mais que presente no “Cassino” com os narradores se alternando. “Cassino” funciona. De Niro esteve nos dois. Joe Pesci idem. Como dizia a canção, “ COMPAÑEROS, tchacananga, tchacananga, siempre fuimos compañeros...”.
Os companheiros de “Os Bons Companheiros” são zero melódicos. A melodia maior, porém, está nos longos travellings, (alguns se comportam como num desenho animado) e na trucada condensação do tempo – a história começa em 1955 e termina em 1987, os anos passam ao fundo enquanto a narração anda superposta, na camada de cima, pura Comunicação Mágica. Durante os primeiros 18 minutos de filme, praticamente o que se assiste é um desfiar de cenas corroboradas pela voz de Ray Liotta.
Poucos gênios do cinema cometeriam tal atrevimento. Quem pode faz.
Rodado em NY, nos locais onde se deram infância e juventude dos personagens, De Niro, Pesci e Liotta movimentaram o riacho das propinas para autoridades, Jimi Conway (De Niro), era chamado “O Salteador Cavalheiro”, em 1963, enquanto o aeroporto mais próximo movimentava 30 bilhões de dólares em mercadorias, os Companheiros não assaltavam à mão armada – era tudo na conversa com caminhoneiros, agentes aduaneiros, policiais.
A trinca contava com um mentor, alguém na estrutura hierárquica acima deles, chamado Paulie (interpretado por Paul Sorvino) e descrito como um sujeito que parecia “meio devagar, pois não tinha necessidade de se mexer para ninguém”. Poucas vezes poucas palavras descreveram tanto. Sorvino veste a carapuça das coisas que são mesmo tangíveis.
O diretor Michael Mann afirma que cada diretor tem seu próprio riscado, e que ele mesmo nunca entrou no set de ninguém para ver como é que se faz. Em “Colateral”, ele criou o personagem de Tom Cruise a partir de elementos que não aparecem no filme. Mostrou para o ator a casa onde o personagem nasceu, os lares adotivos e outros detalhes para que Vicent, o matador, emergisse para a câmera imbuído daquele passado e assim realizasse a performance no presente. Em “Os Bons Companheiros”, a trajetória de suas vidas, suas raízes e costumes são apresentadas desde o início.
Scorsese disse que GoodFellas veio para tirar os mitos sobre o que quer que seja a máfia exposta em seriados de TV e ou..., “a vida de um gangster consiste em ganhar dinheiro e não matar pessoas. O problema é que alguns saem da linha...”.
O trio principal, com a ajuda de alguns coadjuvantes, (Samuel L. Jackson entre eles), realizou o maior roubo em dinheiro da história dos EUA, o chamado Lufthansa Heist.
Tubarões menores sendo devorados com ou sem sutileza pelos maiores, todos invariavelmente com sapatos lustrosos e brilhantina nos cabelos, já que toda infantaria tem sua farda, e a história vai fluindo e mostrando que quem planta arroz não colhe morangos, a ida para a cadeia de Paulie e sua turma é um quase um míni filme dentro do filme e, a seguir, o que se vê é o extrato dos comportamentos abrutalhados de 1955 se tornando próximos da degradação.
A loucura quadro a quadro de Pesci, maviosamente mostrada em “JFK”, aqui ganhou um tom acentuado de rompantes explosivos com pólvora mesmo, e lhe valeu o Oscar de melhor ator coadjuvante.
Permanece um clássico.