“Julie&Julia” (Julie&Julia)
“Julie&Julia” (Julie&Julia)
O que seria do objeto sem o observador(?), eis uma das grandes questões filosóficas de todos os tempos.
E ela fica maior ainda quando o observador vê dois objetos e consegue entrelaçá-los. Esse foi o toucheé da excelente diretora Nora Ephron (“Sintonia do Amor”) e autora desse roteiro baseado em duas história reais, ou se preferir, duas autobiografias de sucesso.
A história de Julia Child, a esposa que precisava de uma atividade em fins dos anos 40, quando se mudou com o marido para Paris e a história de outra esposa, Julie Powell, quando se mudou com o marido para o bairro de Queens, em NY, logo após o atentado das Torres Siamesas.
Julia Child = Merryl Streep
Julie Powell = Amy Adams
Pela triste óptica de um jornalista da grande mídia, esse foi mais um Oscar que a Merryl Streep perdeu. Nas contas dele, ela perdeu 12 Oscar. É a tal cantilena: meio copo d‘água é meio copo vazio ou meio copo cheio?
Em cada trabalho, Merryl dá a impressão de ser um copo transbordante. Pelas mãos de Nora, ela chega na Paris do pós guerra como uma americana grandalhona e destrambelhada, dona de uma tal energia e sabedora de que é preciso fazer alguma coisa a respeito, que se põe a procurar sem lamúrias. O mundo é feito de buscadores. Stanley Tucci faz o marido impecável, funcionário da embaixada americana na Cidade Luz e um braço direito onírico para a mulher que viria a revolucionar a cozinha norte americana.
Do outro lado do Atlântico e meio século depois – embora graças a magia da arte você assiste dois períodos em um, Julie Powell lamenta uma novela inacabada e a falta de uma editora, seu marido (Chris Messina) tem uma paciência de Jó e uma generosidade na contramão de escolas tipo BBB e novela das oito, considera-a uma genuína escritora, ela trabalha num serviço do governo que atende reclamações dos parentes de vítimas pós 9/11 e de noite cozinha. Ao cozinhar, reconhece ser esta a única hora em que as coisas saem como planejado. Sua grande inspiração é Julia Child.
Escritoras e cozinheiras...já vi isso em algum lugar.
Nora Ephron joga com os dois tempos com a leveza que um maestro coreografa com a batuta. Paris e Queens, mais os eventos pertinentes a ambos, se intercalam respeitando a atmosfera das locações e o correr do tempo, diferente para cada uma delas no que tange às suas aspirações.
A personagem de Merryl vale uma estatueta para cada risada que ela dá, mais uma voz mezzo fanhosa mezzo estridente e uns trejeitos de quem vai ter um infarto a qualquer momento. O filme nos conta que ela era virgem até os 40 anos, que não sabia cozinhar um ovo e quando sua busca começa, ela ingressa num curso de culinária somente integrado por homens, pracinhas americanos já sabedores que um gourmet, em 1949, poderia vir a ser um meio de vida.
Enquanto isso, no Queens, em 2002, Julie fala para o marido que não suporta mais a monotonia do emprego, que a cozinha tem se tornado sua paixão, no que ele concorda e o próprio espectador saliva, e, na última madrugada diz que teve a seguinte idéia: fazer um blog com as 514 receitas do livro de Julia Child, “My Life in France”, durante 365 dias. A partir de amanhã.
Começa a maratona.
Voltamos para Paris, pois lá existem percalços e Merryl/Child passa a descobrir que misteriosos e insondáveis sãos os caminhos do Incriado e todo buscador, para chegar ao pote no fim do arco-íris, tem de dar sua cota de esforço na Grande Tarefa. Quase uma década se passou entre sua primeira aula de culinária e a publicação do livro, cuja proposta era ensinar culinária francesa para americanas sem empregadas. Está na quadragésima nona edição.
Em meados de 2003 Julie Powell encerrou seu projeto no blog, fez todas as 514 receitas, e várias editoras bateram em sua porta.
Seu livro se transformou em filme, como diz a própria Nora Ephron no final.