“Faces da Verdade” (Nothing but the truth)
“Faces da Verdade” (Nothing but the truth)
Pode tirar a pipoca da biblioteca e preparar seus instrumentos de medição sobre Liberdades Civis porque aí vem letras, ou, melhor dizendo, conteúdo. Pode também se acostumar com o que se espera que seja o primeiro de uma série, “um thriller de tirar o fôlego” apregoa a caixinha, até porque não deixa de ser um novo conceito de thriller.
Nada de corredores escuros e agentes arfando nos cantos. Tudo com a luz fria de cortes improvisadas, isso sim.
Em tempo, a enxurrada de filmes L (lixo), respaldada por gabaritados astros/atrizes ganhou uma pausa nessa produção lançada recentemente, escrita e dirigida por Rod Lurie.
“Nothing but the truth” discute questões interessantes para qualquer país que aspire a democracia, seja na teoria ou na manutenção da tênue prática.
Inspirado em fatos reais e atuais e tendo o devido cuidado de trocar os nomes – algo extremamente justificado face a história em questão, estrelado por Kate Beckinsale, Matt Dillon, Angela Basset, Vera Farmiga e Alan Alda, entre outros, “Nothing...” é mais um dos sinais de alerta sobre o poder do Estado sobre seus cidadãos, especialmente se o primeiro se leva muito à sério e o segundo acredita em princípios.
Kate Beckinsale interpreta a jornalista do Sun Times que publica uma matéria bombástica, candidata ao Pulitzer, que nas suas entranhas finda por revelar a identidade de uma agente da CIA na comunidade.
Para a América pós 2001 (uma odisséia no Oriente Médio...), todo xerife que profere os “dígitos” Segurança Nacional, vê-se na hora ungido pela Síndrome de Torquemada e Constituição é uma expressão esconjurada do seu dicionário. Direitos Humanos, idem.
Dillon representa o xerife, dito Promotor Especial do caso, e quando o departamento jurídico do jornal se depara com essa patente, toma ciência de que, seja lá o que for, é motivo de apreensão.
Nos USA, em 49 estados o jornalista é protegido por lei – Primeira Emenda - e portanto desobrigado de revelar suas fontes. Pós 2001, entretanto, o Ovo da Serpente foi se infiltrando no legislativo.
O que realmente estarrece está na quebra de todos os protocolos e seus respectivos andamentos, que para os integrantes do Sun equivale a um universo totalmente desconhecido. Todos estavam cientes de que uma nova lei havia sido feita para proibir a divulgação da identidade de agentes da CIA por funcionários do governo. Até aí Kate é uma jornalista e segura de sua fonte, com a informação corroborada dentro do próprio governo.
A partir do momento em que a matéria é publicada, a sensação transmitida surge no espectador com os dizeres “isso não pode ser verdade”, já que a história é inspirada em eventos reais.
- “Vamos sair daqui em 5 minutos - garante o experiente advogado Alan Alda, que ainda complementa – daí poderemos discutir como proteger você, a Constituição e a democracia nas próximas gerações”.
Alan praticamente co-protagoniza o show, e sua expressão aparvalhada diante do juiz é o retrato do decano que depois de décadas de luta percebe que ainda não viu nada. Quantos desses retratos a história não registrou, pelos 4 cantos do globo?
Com esse papel, mister Alda tornou-se candidato ao arquétipo.
Kate seria presa em 5 minutos. Jornalista, formada, mãe de família, voluntária na escola, tudo por água abaixo. Pela manhã, ela havia sido apresentada ao Grande Júri, à tarde, perante o juiz, ou seja, no mesmo dia, algo completamente em desalinho com qualquer parâmetro, sua intimação viera na madrugada anterior e horas antes fora entre aspas seqüestrada na porta da escola do filho, por agentes do FBI e levada para uma prévia amigável com o xerife Dillon. Ali ele esclarece, com toda a amabilidade, que se ela não revelar sua fonte, será presa por desacato.
A tradução desse trâmite equivale a um oficial de justiça bater na sua porta às 8 da manhã, ao meio dia você ser escoltado até a delegacia, daí ao fórum às 14 horas e, ao entardecer, xadrez.
A habilidade de Lurie mostra um dos prováveis porques de tantas prisões mundo à fora. Kate vai presa por uma hesitação, por alguns segundos de hesitação. Há a chance de sair dali para pensar mas o inacreditável pasma, e o pasmo dança. Quando o juiz desfere: “há alguém desafiando a minha corte...”, ela não havia aberto a boca e seu advogado executava o protocolo correto e aceito em mais de 40 anos de profissão. Kate vai para uma espécie de Centro de Detenção Provisório, onde se espera que sua estada não exceda duas semanas. Pode colocar na conta 370 dias.
Galhos caem dessa árvore para todos os lados. Seu marido pula fora do casamento por não entender os princípios em jogo. A agente da CIA é abatida no quintal de casa por um extremista, já que seu CEP estava escancarado e ela mesma, demitida da agência. Vera Farmiga fez jus a cada centavo ganho pelo papel.
Nem por um segundo o filme atola nos tribunais, na prisão, na redação ou nos lares. Ele se move por essas atmosferas com uma eficaz amarração de diálogos, que ora tira da cartola os fundamentos de uma sociedade que prega soberania e liberdade de imprensa, ora sobre o raso da lei que finge, a passos largos, que o ser humano deixou de ser o ápice da organização atômica para se converter numa
pataca a ser triturada pelo trator burocrático.
Valem as cenas - e a oratória - de Alan Alda na Suprema Corte, vale o todo da denúncia descrita com primazia pelo cineasta Rod Lurie, vale imensamente a surpresa que se tem sobre quem é a fonte da jornalista, que ela não revela de modo algum. Até porque, ao se deparar com essa informação, um novo filme surge na mente.