“Bastardos Inglórios” (Inglourious Basterds)
“Bastardos Inglórios” (Inglourious Basterds)
Detalhe: Christoph Waltz, como o Caçador de Judeus, levantou polêmica entre a crítica ortodoxa, já que por um lado seu personagem cresce geometricamente, por outro, aquilo que ele representa, não fica encolhido num canto e por isso mesmo incomoda cabeças pensantes.
O que existe entre o sortilégio e o virtual?
A transformação da realidade pelo aprimoramento da consciência. Como a realidade é transformada?
Aqui, através da projeção cinematográfica. O que ocorre na consciência durante a projeção, por força do roteiro, é o vislumbre da alteração do(s) conteúdo(s) de várias reservas de imagens.
Com 70 anos de atraso, veio o troco. O troco é fruto do plano mental, expresso em cinema, pelas mãos de Quentin Tarantino.
Caçadores de nazistas que agem à moda apache (não deixam rastros e retiram escalpos), com praticidade americana, criam em plena Segunda Guerra uma reserva de imagem que difunde terror entre os nazistas.
Extraído do texto:
Brad Pitt indaga para o soldado alemão: o que você vai fazer com o uniforme, depois da guerra? O soldado responde: vou queimá-lo. Pitt retruca: não, você tem que manter o uniforme, senão, como vamos reconhecê-lo?
Estamos tratando de uma impossibilidade histórica nas mentes de 70 anos atrás – o império do medo estabelecido pelos nazistas, com toda aquela vastidão de símbolos de caveira, quepes escuros, insígnias, gritos, saudações, estava acontecendo na prática com os guetos e os campos, mas o tamanho da encrenca era segredo de estado. Vide a história do juiz em Lisboa, falando para um refugiado que aquilo (os campos) não poderia ser verdade. Vide a chegada dos cinegrafistas americanos em Auschwuitz. Todos profissionais de cinema em Hollywood, estavam servindo empunhando câmeras, e a consternação diante da realidade de um campo de extermínio foi inenarrável, segundo eles.
A ação se passa na França ocupada - e mais essa reserva de imagem foi derrubada – a distância entre o invasor e o nativo. Por mais que houvesse, por assim dizer, uma confraternização com os nativos, o sangue derramado dia a dia nos campos ia fazendo sua conta visível/invisível nos semblantes e nas auras dos cúmplices.
Documentários de época, testemunhos, fotos, crônicas, o invasor se fazia presente pelo terror e o que ele ministrava nos paisanos, em termos de sensação, foi maviosamente bem retratado em “Os falsários” (Die Fälscher, 2009).
Naquele momento, mentalmente, o mundo não se atrevia a montar uma equipe como a liderada por Brad Pitt. Seria necessário muito ódio para que a mesma existisse nas bases propostas pelo filme. Ainda não havia tempo para isso. Ao passo que o ódio alemão pelos judeus não nasceu no hitlerismo mas sim quase um século antes, para se dizer o mínimo, ganhando contorno nos vilarejos do século XIX, a ignorância sobre o que acontecia de fato naqueles comboios de trem, para onde se encaminhavam e com que propósito, era desconhecido inclusive por muitos militares do III Reich, o que não dizer de estrangeiros.
Quentin Tarantino deve ter irritado sobremaneira as inúmeras fraternidades tipo Supremacia Branca espalhadas pela América, todas adeptas da suástica na sua forma teutônica e não na sua forma original, iogue.
O soldado judeu-americano, que tortura soldados alemães usando um taco de baseball, somado à própria aura estabelecida ao grupamento Bastardos, conferem o requebrado do filme.
Mais um filme sobre filmes ou mais uma citação entre citações(?), a fala da falsa Mimieux para o nazista: somos uma nação que respeita cineastas, mesmo que sejam alemães. Mimieux encontrara um cinema em seu destino, e a cúpula do estado maior – com Adolfo incluso, assistiria uma premiére para ali mesmo ser devidamente fritada.
Diálogos extensos com a marca Q.T. precedem os massacres. Cada um se diverte como bem lhe aprouver. Q.T. tem cacife para apostar na própria assinatura.
Desde os 90 Tarantino vem brincando com o mundo da Sétima, e quando não surpreende espectadores – “Jackie Brown”, “Pulp Fiction”, ele os tortura (vide Kill Bill I e II). “Bastardos...”, porém, escapa do segundo exemplo, conta com um seleto elenco que nos lembra que cada coisa está no seu devido lugar, altera conceitualmente realidades diversas pelo bel prazer da realidade cinematográfica, expressando, inclusive, que esta pode brincar de tudo e não somente de robôs plus máquinas espaciais e deve, com certeza, ter feito sorrir as minorias oprimidas de todo globo.
Para divertir e lembrar que Chronos é uma abstração, que maltrata em “tempo real” e acerta contas no Plano Mental.