“A Testemunha” (Witness)
“A Testemunha” (Witness)
Na verdade, o que o senhor Peter Weir fez, devidamente constatado o curso do tempo, foi nos mostrar feições quase particulares de 1984. Ele próprio brinca com isso, ao abrir o filme no campo dos amish, com suas roupas, casas e carroças, situando para o espectador que a ação se passa na Pennsylvania de 1984, já que os amish podem ser o resultado de vários séculos, menos o XX.
Se se pensar bem, uma das funções do cinema é nos colocar em comunicação com os desenhos de um tempo diverso do Eterno Agora.
Peter Weir dirige. Ele conta que tomou um pequeno avião para se encontrar pessoalmente com o ex-Blade Runner, pois na concepção dele, Peter, o casamento com o protagonista tinha que ser perfeito. Dito e feito. Ford fez questão de passar uma temporada na Divisão de Homicídios da polícia da Filadélfia, a fim de que o filme mostrasse que qualquer semelhança com a realidade
estava longe de ser mera coincidência.
Harrison Ford, no seu primeiro grande papel em filme de gente grande, marcou época como o detetive que, ao perceber para onde o indicador do menino amish apontava – a foto do Danny Glover numa moldura, em plena delegacia, a foto de um policial condecorado, bem..., Harrison olha para os lados e cobre a mão do menino com sua mão. Daí ele toma um tiro e vai se convalescer no meio de uma tribo que diz que aquilo que você traz em suas mãos, vai para o seu coração.
Kelly Macgillis, a mãe enlutada cuja maior luta é lidar com o mundo fora da sua concepção, um mundo que dança aos versos de “don‘t know much about history, don‘t know much about biology...” – a cena da Variant azul e os dois dançando na luz do cinema que também mostra o interior do celeiro e o feno, uma cena que ganhou lugar na planície das cenas sem fim. O corpo de Kelly comunica para ela coisas outras além do contundente produto do acaso, um estranho que entra em sua vida para proteger a vida de seu filho, já que este tivera 3 estranhos próximos de si, se digladiando num banheiro público.
Em entrevista, Weir esclareceu que o menino (Lucas Haas) não deveria assistir a cena, para prevenir futuros pesadelos, mas sua intenção enquanto diretor era a de que o público pensasse que aqueles olhos inocentes estavam de fato testemunhando tamanha atrocidade.
O tema “(What a) Wonderful World”, cantado por Greg Chapman, foi uma escolha precisa e é quase possível confirmar com a fronte que a febre de resgatar velhas músicas, que sucedeu num turbilhão de filmes, teve como um dos marcos confiáveis “A Testemunha”.
Peter Weir forjou displays com vida própria, como os quadros e fotos que surgem no Harry Potter. Tem o quadro da montagem do celeiro e o carpinteiro John Book (nome do personagem vivido por Harrison), tem o jogo de polícia no início do filme, com Kelly pernoitando na irmã do tira, tem a tempestade, a varanda e a ordenha, tem os valores de uma época não muito distante que parecem antiqüíssimos ou irreconhecíveis, contraponteados pelo código dos amish, rígido, austero, não obstante lhes proporcionando um viver de maior salubre que o dos amigos do Ford, por exemplo.
O bangue bangue final, numa segunda olhada, revela sua engenhosidade, Glover perde a vida porque calculou mal o tempo (embora seja sempre assim, nem sempre é mostrado assim), tem a gritaria do Ford com seu chefe vil e enlouquecido, uma ação real se você for pesquisar, sujeitos com arma na mão, um apontando para o outro, tentam estabelecer no grito uma alternativa para o estado terminal.
Termina com a Variant subindo a colina, o perseverante pretendente de Macgilliys acena para o caubói, o veículo pára um segundo, então segue seu curso, quase como a própria vida, que não pára um segundo.