“Perdidos na Noite” (Midnight Cowboy)

“Perdidos na Noite” (Midnight Cowboy)

Uma obra com 4 pilares de sustentação,

claros e tênues como fios de teia de aranha.

A música de Fred Neil; o manual de sobrevivência proposto

pelos protagonistas - pegam frutas no fruteiro, lavam roupas

nas lavanderias no meio das roupas dos outros, por aí a fora; o roteiro de Waldo Salt, que demonstra essas e outras ações com o critério dos velhos roteiros; a maneira de como os protagonistas cuidam um do outro.

Quatro submensagens imagéticas ficam à disposição do inconsciente de quem assiste: o radinho de Voight, o manquejar de Dustin,

o rigoroso inverno numa pocilga onde o radinho fará sua parte,

o poster da Flórida na parede da pocilga.

“Everybody's Talkin”, a música tema do filme, que por essas associações de uma coisa com outra pode-se dizer que o filme não seria o mesmo sem ela, deu a Harry Nilsson o GRAMMY Awards de 1969, na categoria de melhor performance de vocalista masculino contemporâneo. Está contemporâneo até hoje, não só a performance como a própria obra cinematográfica.

Dustin Hoffman e John Voight são as estrelas em inicio de carreira vivendo dois personagens sem carreira alguma, sem perspectiva alguma, senão pequenas e ocasionais acrobacias foras-da lei para se sustentarem no mundo cão. O mundo de 1969.

Oscar de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro, Dustin e John foram indicados para Melhor Ator e, saiba, ninguém coadjuva por ali. John, inclusive, faturou o Globo de Ouro 1970 como “melhor revelação masculino”.

“Midnight...” fala pouco em palavras embora reúna um falar por si de rara dimensão, sem contar que o espectador tem a impressão de que “Everybody's Talkin” surge o tempo todo quando na verdade a canção está presente, intermitentemente, nos primeiros quinze minutos do filme, pontuando a saída de John Voight de sua cidade ao tomar o ônibus para Nova Iorque, carregando um radinho de pilha e “fantasiado” de caubói.

Nesse trecho, a infância dele é recortada em flashes, que se misturam com os flashes da auto estrada, e a aura de tristeza tênue, mas permanente, que acompanha o show de ponta a ponta, vem através da sua memória com a avó briaca e promíscua, contrabalançando com a imperativa necessidade dele, enquanto criança, de alguma aceitação.

Longe de ser um filme natalino embora brilhe para todos os lados, a direção acertada do inglês John Schlesinger coloca o DVD na categoria “fora do tempo”, que em seu tempo arrebatou festivais nos 4 cantos do globo.

Dustin Hoffman e John Voight, o primeiro, tuberculoso, coxo, conta que o pai era engraxate e que levava para casa dois dólares por dia, depois de mil lustros em mil sapatos, e sucumbiu de doença nos pulmões por causa da graxa. Voight, sem senso mas com saúde, e com um passado de fazer lacrimejar os impermeáveis, foi para NY tentar a sorte como garoto de programa. Os contemplados a assistir “Midnight...” na época, em Berlin, na Dinamarca e na Itália, países que conferiram mais louros à película, aplaudiram de pé o caubói fazendo ponto nas esquinas de Nova Iorque, à noite, ao som da gaita de Toots Thielemans.

Baseado no livro de James Leo Herlihy, o próprio diretor diria que sua inspiração não ficou apenas na obra desse autor, como também em dois pequenos e desconhecidos trabalhos, um filme iugoslavo “Kad budem mrtav i beo” (1967), e “ My Hustler” (1965), de Andy Warhol.

É mais do que sabido que cada um vê a coisa como quer, ou como pode. “Perdidos...” está longe de ser um filme de baixo calão sobre desajustados e o submundo. É um filme sobre a amizade, e de que maneira insondável ela surge e nos obriga ao seu exercício.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 06/12/2009
Reeditado em 28/01/2013
Código do texto: T1963709
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