Analise do Filme: Homo sapiens 1900. Direção de Peter Cohen em interface com o texto de Jeffrey Herf de tema: A revolução conservadora em Weimar.
Jeffrey Herf é professor de história na Universidade de Maryland. Sua especialidade é a história intelectual do século XX europeu, especialmente na Alemanha. Herf recebeu seu PHD pela Universidade de Brandeis em 1980. Antes de ingressar no corpo docente da Universidade de Maryland, lecionou na Universidade de Ohio em Columbus, Ohio. Publicou ensaios em The New Republic, Die Zeit, Partisan Review e em outros lugares.
Em seu livro de 1984, o Modernismo Reacionário: tecnologia, cultura e política em Weimar e do Terceiro Reich, Herf cunhou o termo "modernismo reacionário" para descrever a mistura de modernidade e uma postura afirmativa em curso combinado com os sonhos do passado - uma alta Romantismo tecnológico - que era característica do movimento revolucionário alemão conservador e do nazismo.
O filme Homo Sapiens 1900 é ao mesmo tempo impressionante e elucidativo, pois retrata o polêmico tema da Eugenia desde sua concepção até a expressão máxima durante o regime nazista alemão. Com uma exposição e explicação fantástica do assunto, ficamos perplexos ao ver até que ponto pode chegar o ser humano que objetiva a perfeição do ser, e a criação de uma verdadeira máquina humana irretocável, a partir de um misto de ignorância e loucura.
No longa, a Eugenia não é retratada como um fato negativo, a partir do momento em que se procura o melhoramento da raça humana. Mas, se formos pensar no melhoramento da raça humana sem as deficiências físicas e do branqueamento da pele de pessoas que tem mais melanina do que outras, estaremos afirmando que o a diversidade humana é uma aberração, ou que essas pessoas são um "erro" na humanidade. Pensar numa raça humana perfeita e em super-homens e mulheres-maravilhas infalíveis, torna a Eugenia altamente danosa a humanidade em geral, pois, quando é posta em prática, está a serviço de uma suposta limpeza racial e social.
A Eugenia é praticada no filme de maneira detestável, pois ela é vista como uma forma de higienização racial essencial a sociedade moderna. Para desenvolver um ser humano superior portador de uma capacidade intelectual de alto nível em que a sociedade se harmonizaria proporcionando o aumento da produção industrial.
Algumas imagens marcam o espectador, destaco aqui as cenas do micro filme mudo que remonta a eliminação de recém-nascidos portadores de alguma má formação congênita ou qualquer tipo de deficiência. Essa decisão era tomada após a convocação de uma reunião de médicos que tinha o objetivo de decidir sobre o destino do bebê, tão natural quanto uma reunião de negócios. Médicos e biólogos especializados em Eugenia viajavam por entre os países europeus e os EUA pra divulgar essa política de extermínio, como se fossem as últimas inovações da medicina. Imagine!
O maior expoente da pesquisa e prática da Eugenia se incorpora as políticas da Alemanha, que cultivou essa busca pela criação do ser humano perfeito, personificado na figura do ariano, ou seja, aquela raça já considerada por eles, como superior, que deveria servir de molde para outros humanos, tornando-se uma “verdadeira preciosidade biológica”.
Há outra cena do filme, em que os nazistas criaram casas para abrigar mulheres que dariam à luz aos futuros super-homens. Essas "cobaias chocadeiras", terminaram criando problemas no próprio seio do nazismo, na medida em que o cruzamento sexual entre machos e fêmeas para a reprodução desses seres humanos ideais entravam em choque com o conceito de família que estava na base do regime.
Mas, o filme retrata que não eram somente os alemães que executavam este artifício. Embora estes tenham emblematizado à questão com a política de eliminação de massas em campos de concentração, o filme mostra que também a União Soviética, que era a principal rival ideológica, não ficava para trás.
Embora por caminhos opostos, ambos os regimes totalitários recorreram à Eugenia como forma de criar o novo ser humano que propunham. Na URSS de Stálin, a Eugenia tinha como foco o cérebro e o intelecto, também com vistas à criação de um novo ser humano idealizado, capaz de executar as necessidades e demandas do regime. Na Alemanha nazista, a limpeza racial passava pelo corpo, buscava a beleza e a perfeição física nos moldes que deveriam construir o super-humano ariano, viril, forte, atlético, que de certa forma ainda é tido com arquétipos de beleza em todo o mundo.
Essa manipulação biológica era usada como arma para eliminar todos os que não se enquadravam no padrão racial desenvolvido por um ideal de ser humano que prevalecia, creio eu, pelo medo da decadência e da incapacidade do ser humano em não saber lhe dar com o diferente, o "feio" e o disforme. Isso me recorda as obras literárias de Mary Shelley e de Kafka, Frankenstein e A metamorfose, respectivamente, onde ambos abordam a temática do ser anômalo diferente e disforme na qual a sociedade rejeita por não se enquadrar nos arquétipos de “normalidade” e beleza.
Num primeiro impacto o filme é de aterrorizar, pensando no sentido da total falta de amor, de saber, ou melhor, de não saber o limite da loucura humana. Cohen soube mostrar a situação como era, e as perspectivas diferentes, dos ideais daqueles que defendiam a Eugenia. Embora continuemos espantados com mentes que beiram a demência, percebemos que esse não é um fato já superado e enterrado na história.
Os neonazistas ou skinheads do agora e as práticas xenófobas podem ser encarados como uma nova etapa dessa política, que é acima de tudo, discriminatória e criminosa. As incontáveis pesquisas e experiências científicas também nos fazem lembrar o assunto, pois os seres humanos “melhores” ainda continuam na pauta da ciência moderna.
O texto de Herf, que tem como objetivo, compreender o clima social, cultural, político e quais foram os germes embrionários que desenvolveram o nazismo na Alemanha do III Reich 1939-1945. Não tratando diretamente do tema proposto pelo filme, que a Eugenia, mais das ideologias que alicerçaram toda essa política alemã.
O autor defende que os revolucionários conservadores viam com desconfiança o iluminismo e rejeitavam a racionalidade cosmopolita que se desenvolvia, sendo nesse sentido românticos, pois desejavam um retorno ao passado que vinha das lembranças da vida na cidade pequena e das formas menos racionalizadas de produção que ainda se achavam vividas na Alemanha dos anos XX, sem a presença dos males que a industrialização havia trazido.
Nesse contexto, a República de Weimar 1919-1939, simbolizava a derrota na I Guerra Mundial que submetia a Alemanha ao tratado de Versalhes, humilhando-a frente aos países vencedores da guerra. Alguns revolucionários conservadores identificavam parte do problema no liberalismo e no comércio conectado a religião, práticas essas que ensaiavam um antissemitismo, ou seja, sentimento não favorável aos judeus.
Outras características do pensamento revolucionário conservador incluem: defesa da violência pela violência e que a ação política não precisa de justificativa racional, pois ela se vale nela mesma. Simpatia com idéias do darwinismo-social, que em relação aos seres humanos, assim como nos outros animais, a evolução seletiva dos mais bem adaptados ocorreria. A defesa dos laços de sangue, que uniria o povo alemão biologicamente, assim como defendiam a união através dos aspectos culturais e da tradição. Alguns revolucionários conservadores preferiam o estabelecimento de laços através, do que, era reconhecidamente alemão do ponto de vista cultural, porém o elemento da defesa dos laços de sangue estava presente.
Os revolucionários conservadores acreditavam estarem vivendo um período de decadência e degeneração republicana (1919-1939) que não era, segundo eles, a marca do povo alemão. Para entender essas características que Herf discute do movimento revolucionário conservador, assim como o modernista reacionário, ele destaca que esses, têm suas bases no período da I Guerra Mundial. A lembrança romântica estava mais relativa a batalha, do que o campo de plantio especialmente para os modernistas reacionários.
A base social dos revolucionários conservadores foi à classe média alemã em termos amplos. Eram os artesãos, profissionais liberais, pequenos e médios fazendeiros, entre outros. Motivados pelo receio que as alternativas apresentadas provocavam o capitalismo e o socialismo, eles defendem um “idealismo” nacionalista contra os interesses egoístas a defesa de que um estado autoritário que decidisse a favor da comunidade alemã.
As características dos revolucionários conservadores e modernistas reacionários foram às bases para ascensão e consolidação do Nazismo na Alemanha do III Reich (1939-1945). No entanto, não posso afirmar que Hitler e os nazistas levaram a cabo e a prática muitas das idéias largamente difundidas pelos revolucionários conservadores e modernistas reacionários. Não posso afirmar, que o uso dessas ideologias, era pretendido pelos seus idealizadores.
Herf, ao analisar os movimentos que solidificam-se para a ascensão do Nazismo, clareia um dos movimentos políticos mais importantes e nefastos do século XX, assim como a II Guerra Mundial e o genocídio de milhões de judeus, homossexuais, deficientes físicos, ciganos e Testemunhas de Jeová. Tudo em nome de uma unicidade alemã e uma raça perfeita e pura.
O texto de Herf, também é de fundamental importância para percebermos a singularidade do processo político ocorrido na Alemanha e de seus ideais irracionalistas que vem de uma tradição anterior a do século XX, chegando com transformações até a II Guerra Mundial.
Enfim, o filme retrata de maneira magistral a aplicação da ideologia Eugenista em países totalitários, como no caso da Alemanha Hitleriana e da URSS Stalinista, dialogando com o texto de Jeffrey Herf, que discute as ideologias nacionalistas que se encontram numa política reacionária e conservadora, essas alicerçaram e preparam a Alemanha para o III Reich, e para aplicação desta mesma ideologia, que manifestou-se neste país como um genocídio, e que também, veio a ser mais tarde, um dos maiores crimes contra a humanidade e um ataque direto aos Direitos Humanos.
Referências:
COHEN, Peter. Homo sapiens 1900. Mais Filmes. Duração:88 min, 1998.
HERF, Jeffrey."A revolução conservadora de Weimar" .In: O modernismo Reacionário – tecnologia cultura e política na Republica de Weimar e no 3o Reich. São Paulo: Ensaio, 1992.(Cap 2)
http://renanescarlate.blogspot.com/2008/04/resenha-do-filme-homo-sapiens-1900.html