Uma vida incontrolável

FRIDA, Direção: Julie Taymor. EUA: Miramax Filmes/Lumiere, 2002. DVD (123 min.), son., color, legendado.

Frida é uma adaptação bastante sensível da obra biográfica de Hayden Herrera publicada em 1992, que foi dirigida por Julie Taymor em 2002, ano em que ganhou o Oscar de melhor maquiagem e melhor canção, com a música “Burn it Blue”, interpretada pelo brasileiro Caetano Veloso. O filme trata essencialmente de liberdade, da forma incessante como o desejo de ser livre impulsionou a vida da pintora mexicana Frida Kahlo e das maneiras, ora comuns, ora extremamente peculiares, encontradas pela pintora para atender a seus anseios e que fizeram com que ela pudesse transcender o seu cotidiano e driblar os difíceis obstáculos que se opunham à sua felicidade.

Esses obstáculos não foram poucos e espalharam-se por toda a vida de Frida. O primeiro e, talvez, o mais terrível deles foi o acidente, durante sua adolescência, com o ônibus que a levava para casa. Frida ficou gravemente ferida, quebrou várias vértebras, lesionou a coluna e teve várias fraturas na região pélvica. Depois do acidente, ela mergulhou em uma sofrida jornada para voltar a andar e livrar-se, pelo menos, de um pouco da dor. Foi durante essa época, em que esteve presa sobre uma cama, que ela aproximou-se ainda mais da pintura e fez dela sua válvula de escape, por onde deixava fugir um pouco de seus temores e frustrações, mas também suas vontades. Frida continuaria, ao longo de sua vida, transportando para os quadros seus desejos, angustias e sentimentos, como se eles fossem seus leais confidentes. Os obstáculos que seguiram ao acidente foram os mais diversos, desde a bissexualidade, o alcoolismo, os problemas trazidos pelo envolvimento em movimentos comunistas, até o conturbado amor pelo mulherengo e também pintor Diego Rivera. Mas nenhum deles fora capaz de opor-se à força de Frida e ao seu incondicional desejo de ser livremente feliz.

A maneira como o filme foi conduzido por Julie Taymor consegue articular, com impressionante harmonia, o desenvolvimento artístico das pinturas de Frida e o desenrolar da trama. Em alguns momentos, os quadros parecem ganhar movimento e transformam-se em fatos e acontecimentos da vida da pintora, enquanto em outros é a vida que parece desacelerar e imobilizar-se e deixar-se prender nas telas. Tudo isso por meio de efeitos visuais bastante acertados, que sem exagerar, tornam possível perceber a forte presença autobiográfica nas obras de Frida e o quanto ela mesma está impressa em seus trabalhos.

Um elemento interessante da história é a excentricidade e a energia de Frida. Sua imaginação brinca com seus pensamentos, sua criatividade age sobre o cotidiano e gera imagens surreais e extremamente íntimas, mas também, por se tratar de sentimentos e emoções humanas, de todos nós, que transformadas em quadros e desenhos, saltam outra vez para a realidade e apresentam ao mundo as representações que Frida tem do real, das pessoas e, principalmente, de si mesma. É assim que ela consegue romper a debilidade de seu corpo, a pintura torna-se as pernas e a coluna saudáveis que ela não tem. Quando pinta, Frida transcende o corpo e torna-se gigante. Um espírito imenso, impulsivo e sedento de liberdade, que está encerrado em um corpo decadente, algemado a várias incapacidades, mas que abre suas asas e permite-se voar por meio da arte.

Uma vida intrigante, uma determinação invejável e uma doce loucura são esses os elementos que saltam aos olhos ao assistir ao filme. Uma narrativa cheia de pequenos detalhes e embalada pelo calor musical e pelas cores quentes do México, que nos faz mergulhar no profundo mundo da primeira pintora surrealista da América latina. Frida é um filme instigante, que mesmo cedendo, em alguns momentos, ao típico perfil hollywoodiano, ao tentar transformar Frida em uma heroína, em uma lenda, consegue comover, surpreender e fascinar.

Fillipe Evangelista
Enviado por Fillipe Evangelista em 19/09/2009
Reeditado em 19/09/2009
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