“O Terminal” (The Terminal)
“O Terminal” (The Terminal)
A única coisa que termina no “Terminal” é quando Tom Hanks entra no táxi e diz ao motorista que quer ir para casa. Algo que, por si só, já se torna um começo... Hollywood é pródiga em filmes que transbordam começos. “Pic Nic” (Férias de Verão) entra no topo da lista dos exemplos, mas trata-se de um clássico irrefutável ao passo que “Terminal” pode ser catalogado para as gerações futuras como um bom astral irrefutável. De resto, vários filmes terminam com o protagonista entrando num táxi. Meryl Streep em “Leões e Cordeiros”, George Clooney em “Conduta de Risco”, exemplos não faltam. Muito provavelmente deve ser um clichê.
O protagonista, depois de ter vivido mil peripécias e cumprido sua missão, ganha do destino um motorista para levá-lo a algum lugar. Sendo assim não termina.
S. Spielberg dirige e fez absoluta questão de mostrar um aeroporto - depois de uma América ressabiada pela derrubada das gêmeas torres – absolutamente desprovido da postura totalitária presente na realidade e ficção americanas desde então. Em termos de indústria cinematográfica gringa, é um feito digno de nota. Em “Terminal”, tudo funciona e se apresenta tal e qual um dos antológicos Cary Grant e Katharine Houghton Hepburn. A única diferença é que o mago da vez tem brilho raro como o de todos os magos e de quebra possui uma produtora chamada DreamWorks. Sonhos, definitivamente funcionam, sobretudo para quem não fala inglês e, ao juntar palavras, interpreta-as a seu bel prazer.
Tom Hanks caiu numa falha da imensa burocracia – seu país de origem sofreu um golpe de estado enquanto ele voava para NY. Quando aterrizou ele não se encontrava em nenhuma categoria conhecida: refugiado político, imigrante, turista, etc. Andrew Niccol (argumento), se inspirou na história verídica de um iraniano que durante anos morou no aeroporto internacional parisiense, por assim dizer, Charles De Gaulle. A história verídica foi só uma fagulha para se transformar num mar de luzes coloridas, cheio de armadilhas que são o deleite para quem quer pousar a mente em imagens em movimento, desde que as mesmas não sejam capturadas por um cinegrafista amador que flagrou o arrastão não sei onde, o incêndio acolá, ou o desequilíbrio que se soergue evidenciando a mais triste realidade. O negócio do cinema é sonho. O bom mago deve optar pela simplicidade das gotas de orvalho.
Hanks é uma espécie de russo sem um tostão furado, sem conhecer a língua que se fala no aeroporto e que será sua casa durante os próximos dez meses, mas dotado de uma paciência de Jó, uma boa vontade canina, uma esperteza felina e além de ser um pé de boi para trabalhar. Suas dificuldades serão vencidas com um dedilhado. Por mais que se diga que este é um filme cheio de clichês, alguém vai se espreguiçar no sofá e sorrir com a confiança de que as próximas duas horas serão ocupadas com bobagens cintilantes e que ainda por cima se darão ao trabalho de mandar alguns recados.
O visceral cacoete tecnológico do diretor, que se mostra logo no titulo de abertura e mais tarde na câmera de segurança que se move como um ET. O ponto de virada de todo o filme, com a mão de Hanks xerocada e colocada em vários estabelecimentos da ala internacional do JFK, a fala do chefe de Stanley Tucci, dizendo “este país foi fundado no preceito da compaixão...” (desde de 2001 isso desapareceu do cinema, sobretudo em aeroportos). Além de inexistir no roteiro de Jeff Nathanson o menor resquício de 9/11, ficam para o cinéfilo de cada dia o jantar de Hanks a la Disney, com seus amigos servindo de fiéis escudeiros, a sua luta para saciar o estômago bancando o cupido, o chefe da segurança cedendo seu próprio casaco para que Hanks possa tomar um táxi e cumprir a sua promessa, sem falar, é claro, na lata de pasta de amendoim que ele carrega, repleta de guardanapos, bolachas de chope e outras querelas da noite, todas com assinaturas de ícones do jazz.
Hanks está em Nova Iorque para pagar uma promessa, e age tal e qual um pagador de promessas, mas com a retidão de Hollywood, ou seja, há um jogo de cintura e um código de ética.
Catherine Zeta-Jones vai inspirá-lo a fazer uma fonte de lantejoulas e quando ela se emociona sobre o teor da promessa a emoção é transmitida para o espectador como um telégrafo sem fio.
A fábula anda por mil caminhos sem sair do lugar. Difícil realizar um filme que esteja limitado por uma única localidade sem aborrecer. A infantilidade inicial propositada e cuidadosamente bem tramada funciona como um trampolim para dar novo impulso ao personagem vivido por Hanks, a etapa em que ele interage com os amigos, com a eterna aeromoça escrava de uma paixão, Zeta Jones, que compra livros de história por terem 1.200 páginas e custarem 9,90. Ela diz que só consegue entender os homens pela luz da sua própria lente, e assim ela jamais os compreende. Ela personifica a velha metáfora do “estamos todos em trânsito”.
“Terminal” não esgota metáforas, por mais batidas que sejam, elas vivem nessa película pela força de sua própria animação, cuja fonte é a lente maior de S. Spielberg.
Há um detalhe muito interessante sobre a relação entre Estado e Civis: se você colocar o carrinho de malas no local adequado, ganha um quarto de dólar. Me leva a conjeturar se esse tipo de atitude funcionaria por aqui: o contribuinte ganhando um trocado para manter a ordem, ao invés de ser taxado ou multado.