“Duplicidade” (Duplicity )
“Duplicidade” (Duplicity )
Tony Gilroy dirige. (Roteirizou todos os Bournes). E dirigiu “Michael Clayton”, filme em que a crítica aponta como detentor da melhor atuação de George Clooney. Tony Gilroy também roteirizou “Duplicidade”, colocando toda a sua percepção num assunto que ele dá a impressão de conhecer a fundo e, fazendo uso da mega mídia que é o cinema, denuncia.
O xis da duplicidade está no número de vezes em que se assiste. Exatamente duas, pelo simples fato de na segunda ficar locupletado do melhor que o entretenimento para adultos pode oferecer nos últimos tempos. Ou seja, Gilroy não facilitou a pílula, mas o ato de desvendá-la nem de longe deve ser considerado um martírio.
Clive Owen e Julia Roberts vão te enganar direitinho.
Chega-se a curiosa sensação de que é infinitamente melhor ser enganado por eles, que aliás são pagos para isso, do que, por exemplo, ser enganado por um senador ex-presidente que, até onde se supõe, não é pago para isso. Mas age como se fosse.
Tom Wilkinson e Paul Giamatti, que também são pagos para te enganar, o fazem com distinção.
“Duplicidade” conta com outro fator que se destaca dos últimos lançamentos: entretenimento cinematográfico de bom astral.
A trilha compete para a afirmação acima e aposto como o autor ouve música instrumental brasileira.
Como o roteiro fica o tempo todo jogando no tempo para trás e como tem pegadinhas realmente muito bem boladas mas distintas (daí a valia da revisão), ressalto aqui o encontro de Clive Owen com Julia Roberts pela segunda vez, que na verdade vem a ser a primeira.
Eles se apaixonam. Mas antes de mais nada são frutos de suas labutas, agem com todos os cacoetes pertinentes e ainda por cima refletem a respeito. Em voz alta.
Ela é ex CIA e ele ex MI-6, que em dado momento de suas latitudes saem do serviço público e vão laborar no privado, vide espionagem e contra espionagem entre as grandes empresas.
O casal de protagonistas elabora um plano para fraudar o privado.
Tom Wilkinson e Paul Giamatti são adversários e também tem um plano. Duas faces conhecidas em bons papéis, Wilkinson, que havia brilhado no “Michael Clayton”, (vide “Conduta de risco”), tem feito um filme atrás do outro, e se o mesmo não é grande coisa (vide “Operação Valkiria), ele pelo menos não nega fogo. Giamatti fez de “Asterix” ao “Show de Truman”, rosto carimbado em papéis piedosos e ou inofensivos, aqui pediram para ele afiar as garras e quando o sujeito é profissional esse tipo de pedido não passa em branco.
O “fator corporativo” analisado por Gilroy hoje recruta sem cerimônia nas comunidades de informação. Ao passo que o excelente e intrincado “Conduta de risco” é um retrato sério sobre os sistemas de ataque e defesa do Big Business, o tom de falsete que ele coloca em
“Duplicidade” serve apenas para atenuar a sanha selvagem dos conglomerados perante o espectador.
Longe de ser um filme de crianças e ao mesmo tempo sem o peso e o ranço de um filme com a tarja que lhe impuseram - Crime & Suspense, “Duplicidade” não vai macular a sua consciência com o ônus de uma conspiração, dessas que arrastam atrás de si conseqüências desastrosas para tercei ros ou para os próprios implicados. Tampouco há uma trilha de cadáveres ou sequer um cadáver de uma nota só.
Ponto para a inteligência. A grande cartada na manga, o pote de ouro que as duas corporações estão perseguindo é de uma simplicidade desconcertante, de uma realidade inegável e teria mesmo uma demanda sem precedentes.
Clive e Julia se esmeram, mas eles também terão uma surpresa.
Para quem tem QI de dois dígitos, meu caso, “vale a pena ver de novo” é o carimbo que eu colocaria na embalagem deste DVD.