"O SABIÁ" Curta-metragem de: Flávio Cavalcante

O SABIÁ

Curta-metragem

de:

Flávio Cavalcante

Roll dos personagens

Joselino (Pai).

Amanda (Filha).

Dr. Walter (Médico).

Aleixo (Padre e irmão de Joselino).

Vera (Mulher).

Sinopse

A discussão sobre este tipo de assunto é algo que polemiza os mais altos graus de estudos que se refere á medicina, religião, direitos humanos e principalmente toda a sociedade.

Fatos aberrantes acontecem e ainda se trata de dúvidas se é normal essa prática ou não. Segundo pesquisas feitas, existem grupos que discutem á respeito da Eutanásia em palestras pelo mundo. É um assunto realmente muito polêmico.

Ninguém se conforma com a perda de um ente querido mesmo sabendo que ele está num estado vegetativo ou num grau irreversível de uma doença.

É relevante distinguir eutanásia de "suicídio assistido", na medida em que na primeira é uma terceira pessoa que executa, e no segundo é o próprio doente que provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiros.

Para quem argumenta a favor da eutanásia, acredita que esta seja um caminho para evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal ou sem qualidade de vida, um caminho consciente que reflete uma escolha informada, o término de uma vida em que, quem morre não perde o poder de ser ator e agente digno até ao fim.

Flávio Cavalcante

CENA.1

Interna/ Dia. Quarto da residência de Joselino. O quarto é uma residência de classe alta. Câmera se aproxima lentamente nas costas de uma menina de aproximadamente oito anos, sentada diante de uma mesa. Câmera mostra as mãos da menina rabiscando uma espécie de sabiá, Ação acompanhada de música. Em certo ponto. O desenho treme dando entender que está querendo se desprender do papel. A menina olha espantada. Continua desenhando e pintando com lápis de várias cores. Repentinamente o Sabiá se desprende do papel e sobrevoa a cabeça de Amanda. Câmera em Amanda que acompanha o sabia sobrevoando a sua cabeça. O Sabia pousa na janela do quarto e voa. Flash back do pai brincando com a filha num balanço no parque municipal. Cada vez que o pai empurra o balanço, a menina percebe a presença de um sabiá em algum lugar. Um voz em OFF de criança “Eu te amo papai”. Câmera mostra o sabiá em variados pontos. A imagem vai ficando totalmente desfocada. Corta.

CENA.2

Externa/ Dia. Câmera mostra vários pontos da cidade e estaciona na frente de um hospital. Câmera mostra um médico saindo do hospital e se aproximando do carro. Câmera em close na mão do Dr. Walter introduzindo a chave na maçaneta do veículo. O celular toca.

DR. WALTER

Alô... Estou na frente do hospital... Estou indo na casa de um paciente... (Transição). É urgente? Já estou voltando... (Arma o alarme do carro e volta rapidamente. Corta).

CENA.3

Interna/ Dia. Recepção do hospital. A atendente pede pra o doutor Walter comparecer a sala de doutor Frederico.

DR. WALTER

(Com a atendente). Qual foi o problema?

ATENDENTE

Não sei, doutor Walter... Apenas o doutor Frederico quer vê-lo urgentemente na sala dele...

DR. WALTER

(Câmera em Walter com expressão séria). Ele está no escritório?

ATENDENTE

Sim... (Câmera na enfermeira que percebe um ar de preocupação no Dr. Walter). Algo sério, doutor?

DR. WALTER

(Sem querer dar detalhes). Não, nada que não se resolva... Vou até a sala dele... (Sai depressa. Câmera passa para o interior da sala de Dr. Frederico. Câmera frontal em doutor Frederico assinando alguns exames. Alguém bate á porta).

DR. FREDERICO

Pode entrar... (Câmera em Dr. Walter abrindo a porta).

DR WALTER

Quer falar comigo, doutor Frederico?

DR. FREDERICO

(Câmera em doutor Frederico descendo seus óculos do rosto). Vou ser breve! Mandei chamá-lo aqui só pra lhe comunicar que o senhor não faz mais parte do nosso quadro de funcionários...

DR. WALTER

(Surpreso). O que?! Como assim? E eu poderia pelo menos saber o motivo?

DR. FREDERICO

O motivo o senhor sabe...

DR. WALTER

A paciente do apartamento 11?

DR. FREDERICO

Perfeito!

DR. WALTER

Mas a família pediu e assinou um termo se responsabilizando pelo ato... A paciente estava em estado vegetativo e o senhor sabe disso...

DR. FREDERICO

(Aos berros). E daí, Walter... O senhor sabe muito bem, que eu pago o seu salário com a diária destes pacientes...

DR. WALTER

Mas...

DR. FREDERICO

Não estou pedindo argumento algum, Dr. Walter... Por favor queira passar no Rh... Certamente a documentação de sua demissão já está pronta. Boa sorte... (Câmera em Walter que fica um ínfimo momento pensativo e sai. Corta).

CENA.4

Externa/ Dia. Frente ao aeroporto. Padre Aleixo pára um taxi. No interior do Taxi, Aleixo pede ao motorista pra ir á Realengo.

ALEIXO

Realengo, por favor... (Câmera mostra o Taxi de afastando. Corta. Câmera focaliza um avião decolando e a imagem vai desfocando. Corta).

CENA.5

Externa/ Dia. Frente ao hospital. Dr. Walter pára em frente e observa por um instante, meio saudoso. Câmera em Walter que olha para uma banca de revista próxima e compra um jornal.

DR. WALTER

Um jornal, por favor... (O jornaleiro atende o Dr. Walter. Câmera no Jornaleiro entregando o jornal pro Dr. Walter. Câmera em close na reportagem da capa do Jornal, que está escrito no cabeçalho “EUTANÁSIA”. Câmera em Dr. Walter que olha assustado para a matéria. Fecha o jornal e sai em direção ao seu carro. Câmera mostra o veículo de doutor Walter se afastando. Corta).

CENA.6

Externa/ Dia. Câmera mostra o taxi onde está o padre Aleixo preso á um engarrafamento. Padre Aleixo, vez em quando olha para o relógio como se tivesse preocupado com as horas. Corta.

CENA.7

Interna/ Dia. Sala da residência de Joselino. Câmera em Vera, que abre a porta.

VERA

(Vera percebe que algo está acontecendo com Walter). E aí, Walter? Tudo bem?

DR. WALTER

Hoje o dia não está ao meu favor... Acabei de perder o meu emprego, mas tudo bem...

VERA

(Espantada). Mas como? Meu Deus, Walter... E agora?

DR. WALTER

O que se há de fazer? A vida é assim mesmo... Faz parte... (Transição). E o Joselino?

VERA

(Com tristeza). Ta do mesmo jeito, amigo... Já não sei mais aonde guardo tanta lágrima...

DR. WALTER

São coisas que a vida põe em nossas mãos... E ninguém escapa disso... Já lhe entreguei os exames dele, não entreguei?

VERA

Sim...

DR. WALTER

O caso dele é irreversível... O câncer ultimamente ta tomando conta, assolando de um jeito estúpido...

VERA

O Joselino confia muito em você...

DR. WALTER

Sempre fomos muito apegados um com o outro... Um irmão que eu nunca tive...

VERA

(Ri contida). Engraçado que ele fala do mesmo jeito de você... (Transição). Ele está lá o quarto... Quer vê-lo agora?

DR. WALTER

Claro... E a Amanda?

VERA

Essa é a minha preocupação... Ela não faz nada na vida sem o pai ta por perto... Não sai do lado dele um só instante... Acho que essa doença de joselino, fez Amanda perder sua infância cedo... Sabia que ela já age como uma mulher?

DR. WALTER

Eles sempre se amaram muito... Joselino sempre me falou dessa filha com brilho nos olhos...

VERA

É verdade... (Vera faz menção que vai chorar. Câmera em perfil no Dr. Walter, que abraça a Vera. Corta).

CENA.8

Interna/ Dia. Quarto da residência Joselino. Câmera passa imediatamente para a menina que termina de pintar o Sabiá. Câmera em close no desenho. Joselino tosse.

AMANDA

(Levanta da mesa e se aproxima do pai). Pai...

JOSELINO

(Debilitado). Tou bem, pequena... Tou bem...

AMANDA

O senhor ta bem mesmo?

JOSELINO

Tou sim... Eu tou igual ao Sabiá que você desenhou... Feliz... (Se contorce de dor. Vera abre a porta do quarto).

VERA

Olha quem chegou...

AMANDA

(Feliz). Dr. Walter...

JOSELINO

Pensei que não ia vê-lo mais, amigo...

AMANDA

O pai tava tossindo, doutor Walter... Eu fiquei com muito medo... (Joselino tosse cronicamente). Foi assim mesmo que ele tossiu...

DR.WALTER

(Amavelmente com a Amanda). Se acalme, filha... Não foi nada demais... É apenas uma tosse... (Câmera em Joselino arfando e vez em quando geme contido e se esforça pra falar com Amanda).

JOSELINO

Filha... Amor da vida de papai... Preciso falar com o Dr. Walter... (Transição com o Walter). Walter... Preciso falar... (Tosse). Em particular... (Walter olha para a vera).

VERA

Amanda... Vamos aqui pra sala um pouco... Doutor Walter precisa fazer um exame no papai...

AMANDA

Eu volto já, papai... (As duas saem. O Doutor Walter fecha a porta do quarto. Câmera em Joselino chorando).

DR. WALTER

Tenha paciência... Eu vou aplicar seu remédio aqui no soro...

JOSELINO

(Debilitado). Por que tem ser assim, Walter?

DR. WALTER

Ninguém entende as coisas de Deus, amigo...

JOSELINO

(Revolta). Deus! Fala Deus como se isso fosse uma grande coisa! Nem o direito de ver a minha pequena Amanda crescer ele ta deixando... Para mim, esse cara não passa de um merda...

DR. WALTER

Não blasfeme contra Deus! Todos nós quando dispomos a vir a terra, Ganhamos uma missão e depois que termina...

JOSELINO

Somos exatamente como um Sabiá voando livre... (Pega o desenho). Olha só que minha desenhou pra mim... Um sabiá... Quantos existiam no parque quando íamos passear aos domingos... Era um encanto... Amanda vibrava quando eles se aproximavam... Ela é apaixonada por sabiás... Ela diz que eles fazem parte dos nossos passeios... (Transição). Sabia que no dia que a gente não ia ao parque, ela dizia que os sabiás passavam a semana triste? E me cobrava isso a semana toda...

DR. WALTER

É uma criança sensível... Tem talento... E é apaixonada por você, pode ficar certo disso...

JOSELINO

Eu sei... (Chora). Walter... Amigo...(Segura fortemente a mão de doutor Walter). Não estou agüentando mais... Dói muito... Eu não posso transparecer isso, mas tem hora que não dá... Agüento tudo pra não abalar minha pequena Amanda... Você não entende o que eu tou falando, mas... Eu amo demais a minha filha...

DR. WALTER

Eu também sou pai, Joselino... (Transição). Pronto! Com essa dose de morfina, vai amenizar a sua dor... (Aplica no paciente).

JOSELINO

Não sei até quando... Mas eu sinto que eu não vou durar muito... Mas deixa eu te pedir uma coisa... (Transição segurando fortemente a mão do Walter). Ajuda a cuidar da minha pequena...

DR. WALTER

Não vamos pensar no pior... Sempre resta uma esperança no fim do túnel... E você tem irmãos...

JOSELINO

Você sabe que no meu caso não tem mais esperança nenhuma... (Transição). Eu sempre lhe considerei como meu melhor amigo!

DR. WALTER

A recíproca é muita verdadeira, Joselino...

JOSELINO

Pois é... É em você que eu confio até embaixo d água... Meus irmãos nunca vieram me visitar... Agora que eu estou assim, ta todo mundo aí... (Puxa o Walter). Ta todo mundo querendo que eu viaje logo... Acham eles que vão ter direito em algum bem que eu vou deixar...

DR. WALTER

Não seja tão negativo... Eles estão preocupado com você...

JOSELINO

Você me conhece... Mas não conhece a minha raça... Eu só quero que você olhe a minha Amanda... Por favor amigo...

Posso viajar tranqüilo?

DR. WALTER

Se caso acontecer, pode ficar tranqüilo... Eu vou estar por perto acompanhando todo crescimento da garota...

JOSELINO

(Apertando a mão do Doutor Walter). Obrigado!

DR. WALTER

Não precisa me agradecer... (Joselino tosse).

JOSELINO

Acaba com esse sofrimento de uma vez... Tem como me sedar?

DR. WALTER

Eu não posso fazer isso... Cuidar da sua garota tudo bem, mas não me peça isso... (Flashs do momento em que Dr. Walter foi despedido).

JOSELINO

Como não?! Você mesmo me falou que já praticou várias vezes a Eutanásia em seus pacientes...

DR. WALTER

Esquece isso, Joselino... Vou criar um conflito daqueles na sua família... Ainda vão me culpar de alguma coisa...

JOSELINO

(Arfando fortemente). Amigo eu não estou agüentando mais... Pior vocês estão fazendo... Isso é uma tortura... Vocês estão me matando aos poucos... (Suspira forte). Dá um jeito logo nisso... Você sabe como fazer...

DR. WALTER

(Tenso). Amigo! (Transição). Preciso pensar um pouco aqui fora... Já volto... (Dr. Walter sai. Câmera em Joselino bem debilitado e tossindo. Corta).

CENA.9

Interna/ Dia. Sala da residência de Joselino. Dr. Walter se aproxima da vera com notícias bombásticas.Vera fica preocupada).

VERA

E aí, Walter?

AMANDA

(Tensa). Eu posso ver o meu pai?

VERA

(Repreende). Amanda...

DR. WALTER

(Com a Amanda). Tudo bem, gatinha... Pode sim... (Beija a cabeça da Amanda. Câmera em Amanda que dá um belo sorriso e sai).

VERA

... Mas Walter o Joselino está...

DR. WALTER

Deixa ela curtir o pai, que é de fato apaixonado por ela... E digo mais... É o que está mantendo ele vivo ainda... (Vera chora).

VERA

Eu também o amo demais... Você não imagina o quando meu peito ta sangrando... Estou morrendo junto com ele... (Transição). Eu mesma ainda guardo uma esperança... Eu tenho muita fé, sabe, Walter... Não sei o que será de mim se ele vier á falecer...

DR. WALTER

Eu acho melho você aceitar os fatos com os pés plantados no chão, Vera... Já falei... É um caso irreversível... Só um milagre tira ele dessa...

VERA

(Limpa os olhos com as mãos). Você me assusta falando desse jeito...

DR. WALTER

Mas é real... Não adianta querer tapar o sol com uma peneira... É duro de aceitar uma realidade... Eu nunca lhe escondi nada á respeito da doença de Joselino... Tudo que a medicina tinha de fazer foi feito...(Chora mais ainda). Ele ta pagando uma pena grandiosa, sem ter cometido crime algum. É o destino dele, ninguém pode fazer nada!

VERA

(Tensa). Mas por que? Joselino sempre foi um excelente marido e principalmente um excelente pai... Amanda é louca por ele... Ele não pode morrer...

DR. WALTER

... Mas é o que ele ta querendo...

VERA

Como assim? Quer morrer!?

DR. WALTER

Ele me pediu pra ser sedado!! (Câmera em Vera espantada. Corta).

CENA.10

Externa/ Dia. Câmera mostra numa geral o Taxi parado num engarrafamento.

MOTORISTA

O senhor ta muito apressado, não?

ALEIXO

É meu irmão... Está á beira da morte...

MOTORISTA

(Preocupado). Deus do Céu...

ALEIXO

Não precisa se preocupar... Deus sabe o momento de todas as coisas... Quem somos nós pra discordar de alguma coisa...

MOTORISTA

Isso verdade! (Transição). O senhor trabalha com alguma coisa relacionada á igreja?

ALEIXO

Sou padre...

MOTORISTA

(Mais tranqüilo). Ahh! (Câmera em geral mostra o engarrafamento. Corta).

CENA.11

Interna. Dia. Sala da residência de Joselino. Vera se desespera com a notícia de que Joselino está querendo ser sedado.

VERA

(Pega á força no braço do Dr. Walter). Pelo amor de Deus... Você não vai fazer uma coisa dessas...

DR. WALTER

Eu precisava conversar isto com você primeiramente...

VERA

(Desesperada em prantos). Não... Ai, meu Deus! Eu não vou aceitar isso... Nunca!

DR. WALTER

Eu tinha que falar isto pra você... (Câmera em Vera de olhos arregalados esperando algo). Ele está pedindo pra antecipar a hora!

VERA

(Nervosa). Eu não vou admitir isso...

DR. WALTER

Vera, minha amiga... Escute por favor; amo todos vocês da família como se fosse a minha família... Vivo lhe dando com esses casos todos os dias da minha vida... Aliás, ironicamente perdi meu emprego por causa de uma história bem parecida... Mas este caso em especial se trata de uma dor indescritível... É diferente! Joselino é para mim um irmão que eu não tive... Mas temos que se conformar... O estado dele é irreversível... O grau do câncer dele já está totalmente enraizado... Para ele me pedir uma coisa dessa, sabendo do amor que ele sente por vocês...Sabe Deus como ele está suportando...

VERA

O amor pela Amanda é diferente e ela também é louca por ele...

DR WALTER

E por você também... Ele é muito apegado a vocês duas como uma fortuna na vida dele... Ele é louco por vocês duas... (Transição). Eu pedi pra pensar um pouco...

VERA

Eu já li á respeito disso... Eutanásia, não é?! Exatamente isto...

DR. WALTER

Sim! Eu concordo piamente, quando se trata de uma condição insustentável... Eu deixei nas mãos dele... Agora é com ele... Ele é quem tem que tomar a decisão... E depende da sua também, claro... (Transição). Pediu que eu cuidasse da menina...

VERA

(Limpando as lágrimas dos olhos). Estou realmente atônita... Não sei nem o que dizer...

DR. WALTER

Ninguém saberia o que dizer quando este é um momento conosco! Acho que estaríamos pensando só em nós... O egoísmo falando mais alto... (Vera não consegue esconder seu sofrimento e chora calada). Eu entendo, Vera... É lamentável tudo isto...

VERA

Você tem razão... Não podemos deixar o egoísmo tomar conta do nosso ser... Se essa é a vontade dele, quem somos nós pra dizer o contrário... (Transição chorando). Agora... Ele vai deixar uma saudade!!! (Câmera em Walter que abraça a Vera em perfil). Vamos lá pro quarto... Quero ficar o mais próximo dele possível... (Os saem.Câmera em close em algum objeto da sala. Corta).

CENA.12

Interna/ Dia. Quarto da residência de Joselino. Joselino tentando esconder a dor, mas deixa transparecer ao notar da criança.

AMANDA

(Séria de olhos arregalados). Ta doendo, pai?

JOSELINO

(Disfarçando). Não... Estou bem, pequena...

AMANDA

Eu tenho um presente pro senhor...

JOSELINO

E o que é?

AMANDA

Surpresa... Vou pegar... (Câmera em Amanda pegando o desenho em cima da mesa). Ta aqui...

JOSELINO

Nossa! Muito lindo... Eu lembro desse dia, filha... (Apontado para o desenho). Esse é o Sabiá, que marcou presença naquela tarde... (Amanda ri. Flashs de Joselino correndo com Amanda na praça. Câmera mostra flashs de vera sentada sobre uma toalha de flores coloridas com alguns sanduíches e refrigerante. Piquenique no parque. Câmera em vera observando um sabiá em uma árvore).

AMANDA

Haham! (Ri). O sabiá queria comer a nossa comida... Muito engraçado... (Joselino se contorce de dor). Pai...

JOSELINO

Não foi nada... Apenas uma posição diferente... Mas fale mais sobre o sabiá...

AMANDA

Eu adoro sabiá... O canto dele é muito bonito... Eu queria voar assim como ele...

JOSELINO

Amanda minha filha... (Transição. Debilitado, olhando no olho da filha). Nunca se esqueça que papai te ama muito...

AMANDA

Eu também te amo... (Amanda vê um sabiá na Janela). Pai olha um sabiá na janela... (Câmera em Amanda, que corre pra Janela e o Sabiá levanta vôo). Ele se foi... Mas eu ainda tou vendo ele... Ele ta sozinho. (Câmera mostra a porta do quarto entreaberta e a Vera e o Dr. Walter observando. Corta).

CENA.13

Externa/ Dia. Frente a residência de Joselino. Câmera numa geral mostra um taxi se aproximando. Câmera mostra o Padre Aleixo pagando o taxista e se aproximando da residência de Joselino. Corta.

CENA.14

Interna.Dia. Sala da residência de Joselino. Câmera numa geral mostra a sala como um todo. A campainha toca. Vera vai atender a porta.

VERA

(Câmera em Vera que abre a porta). Aí, graças á Deus que você chegou, Aleixo... Se demorasse um pouco mais talvez não o encontrasse mais aqui...

ALEIXO

Vim assim que soube da gravidade... (Ouve-se um grito de dor. Vera põe a mão no ouvido). Onde ele está?

VERA

Lá no quarto...

ALEIXO

Quero vê-lo... (Os dois saem. Corta).

CENA.15

Interna/ Dia. Quarto da residência de Joselino. Dr. Walter está fazendo algumas anotações numa prancheta. Vera entra no quarto com o padre Aleixo.

ALEIXO

Como ele está, doutor?

DR. WALTER

Muito crítico, o estado dele...

VERA

Ah, desculpa... Não apresentei... Esse aqui, Walter... É o Aleixo... Irmão do Joselino... Ele é padre...

ALEIXO

Muito prazer... (Os dois se dão as mãos).

DR. WALTER

Já explicou pra ele?

VERA

Ainda não...

ALEIXO

(Sem entender). Explicar o que?

VERA

Melhor vocês conversarem lá fora... Eu fico aqui cuidando do Joselino qualquer coisa eu chamo, Walter.

DR. WALTER

Tudo bem... Preciso conversar um assunto... (Aleixo balança a cabeça concordando e os dois saem. Câmera em Vera que abraça Amanda e contempla o Joselino. Corta).

CENA.16

Interna. Dia. Sala da residência de Joselino. Dr. Walter expõe o pedido de Joselino para seu Irmão Aleixo.

DR. WALTER

Foi isso que ele me pediu...

ALEIXO

E o senhor?

DR. WALTER

Eu apliquei um pouco mais a dose de morfina para amenizar a sua dor...

ALEIXO

(Em tom alto e irônico). Com isto o senhor está atendendo as lamúrias de meu irmão!? É isto, doutor?

DR. WALTER

(Sério). Eu entendo a sua posição, padre... Até posso compreender a sua opinião... Pois ele é seu irmão... Mas de medicina entendo eu... E não vou admitir que o senhor venha meter o bedelho no meu trabalho... E principalmente num assunto que o senhor não tem o mínimo conhecimento...

ALEIXO

(Nervoso). Concordo piamente com o que o senhor ta falando... Posso não entender de medicina, Mas além de padre, sou também um estudioso... Posso não ser um catedrático pra saber que você é um criminoso, sabia? Assassino... A pratica da eutanásia é crime no país... Eu posso lhe entregar ás autoridades...

DR. WALTER

(Alterado). O senhor tem o mesmo pensamento de distanásia desses grupos malucos que se dizem entender de diretos humanos... Ora! Tenha paciência, meu senhor! A sua ação de distanásia é porque não se trata de sua pessoa que está na condição do seu irmão que é paciente terminal... (Câmera passa imediatamente para o interior do quarto).

AMANDA

(Assustada). O tio Aleixo, parece que ta brigando com Walter...

VERA

Fique aí, que eu vou olhar o que está acontecendo... (Vera abre a porta). Pessoal... Vamos diminuir o tom de voz... A criança tá assustada com essa discussão...

DR. WALTER

(Ameno). Desculpa, vera... Mas eu não posso concordar com pensamentos retrógrados de uma religião, que trucidou tanto gente inocente no passado usando um nome tão majestoso do criador... Eutanásia para mim é um ato de misericórdia suprema...

ALEIXO

(Nervoso). Como ousa dizer tamanha asneira?! Isto se constitui numa usurpação do direito à vida humana, devendo ser um exclusivo reservado ao “Criador”, só ele pode tirar a vida de alguém. Ninguém mais... (Transição aos berros). O senhor não tem esse direito...

Uma voz de mulher EM off “Eu vi meu tio discutindo com o doutor Walter. Aquilo pra mim foi uma bomba atômica estourando em meu ouvido. Enquanto os dois discutiam, meu pai estava lá se contorcendo de dor. Mesmo com a pouca idade, chegou um momento que tive que agir”.

AMANDA

(Abre a porta). Doutor Walter... Acho que o papai ta piorando... (Câmera em Walter, que encara o Aleixo).

DR. WALTER

Venha presenciar a realidade do seu irmão... Para mim ele é bem mais família minha, do você mesmo que é irmão de sangue... A questão não é a razão, padre... Joselino além de ser meu paciente eu o considero como um irmão que eu não tive! E ainda está lúcido... E lhe digo... Pode me entregar pra quem o senhor quiser... Está nas mãos dele... Nada melhor do que o próprio pra saber o que é melhor pra ele mesmo... Enquanto eu puder aliviar suas dores, com certeza farei... Com licença... (Sai, leva Amanda consigo).

VERA

(Chorando). Você chegou agora, meu cunhado... Não tem idéia do que é deitar e levantar com uma pessoa que a gente ama gemendo de tanta dor... A nossa salvação é esse médico que é nosso amigo há bastante tempo...

ALEIXO

(Arrependido). Desculpa, Vera... Me exaltei! Meus princípios não permitem esse tipo de coisa... Mas nada melhor do que você mesma pra decidir o que é melhor pro Joselino...

VERA

Meu cunhado... (Abraça o Aleixo chorando. Aleixo tenta conter a emoção, mas acaba se entregando ao sentimento da cunhada).

ALEIXO

Deus todo poderoso... Ameniza a dor do meu irmão... Assim como curaste os enfermos... Fizestes levantar o lázaro daquele túmulo depois tantos dias do falecimento... Tira meu irmão dessa dor, faz o que for melhor pra ele... Entrego senhor essa situação em vossas mãos... Amém... (Transição com a Vera). Vamos até o quarto... (Corta).

CENA.17

Interna. Dia. Quarto da residência de Joselino. Câmera mostra Joselino se debatendo na cama. O Dr. Walter medindo a pressão dele. O Aleixo e a Vera se aproximam do Dr. Walter.

DR. WALTER

Ele está passando dos 40° de febre... Está á ponto de uma convulsão... (Com o Aleixo). Está vendo agora o estado dele?

ALEIXO

Desculpa a minha exaltação, doutor... Faça o que for melhor pra ele...

AMANDA

(Tensa). Papai vai morrer, doutor?

VERA

Amanda, minha filha... Vamos dar uma volta...

AMANDA

(Em prantos). Eu não vou sair de perto do meu pai... (Joselino treme e fala coisas incompreensíveis).

VERA

(Com o Walter). A hora que achar que deve sedá-lo... Fique á vontade...

DR. WALTER

Já tentei... Mas parece que o medicamento não quer pegar... Não entendo o que está acontecendo... A dosagem que eu coloquei, já era pra ter feito o efeito desejado... (Joselino reage com murmúrios, balbuciando coisas incompreensíveis. Uma delas nota-se que ele fala a palavra filha. Amanda responde de imediato).

AMANDA

(De olhos arregalados nervosa). Pai... (Joselino levanta e fica sentado na cama de olhos arregalados para a Amanda).

JOSELINO

(Balbuciando). Estou aqui, pequena... (Logo em seguida vai deitando lentamente, como se o remédio começasse a fazer efeito. Câmera em Joselino, que abre o olho. Câmera em close no olho de Joselino. (Música de fundo). Flashs de um Sabiá sobrevoando. Flash da menina cuidando e mostrando o desenho para ele. Vários flash da vida Joselino em família com a mulher e a filha todos felizes. Câmera passeia por entre um túnel luminoso e volta num flash para o Joselino de olhos arregalados, como em um delírio fala um poema).

(Joselino)

(Balbuciando)

I

Vem, meu sabiá

Vem cá pro meu leito me beijar

Me ensina como o teu canto cantar

Pro meu leito... Vem, meu Sabiá

(Em OFF. Câmera em close em um lábio de mulher pintado com um batom vermelho).

II

Vem, meu sabiá

Não quero partir sem te ver

Oh sabiá amigo do outrora entardecer

Só pra te ver... Vem, meu sabiá

(Vera)

III

Vem, meu Sabiá

É por teu canto que meu jardim floresce

Tuas asas me agasalham e meu coração aquece

Por saudades de ti... Vem meu sabiá...

(Joselino se esforçando cada vez mais).

IV

Vem, meu sabiá

Preciso ouvir teu canto, pra sorrir

Preciso tê-lo por perto pra poder partir

Amigo do peito... Adeus, meu Sabiá

(Close em uma lágrima deslizando do rosto de Joselino e morre).

VERA

Esse poema ele recitava sempre que estávamos felizes...

AMANDA

(Querendo chorar). Meu pai morreu?

DR. WALTER

Sim, filha... Ele agora está com papai do céu...

ALEIXO

Vai com Deus, meu irmão... (Música sobe cobrindo as vozes. Câmera mostra a Amanda em desespero e aos berros, em câmera lenta falando a palavra “Pai”, tentando avançar pra perto de Joselino, mas, segurada pela Vera. A cena escurece).

EM “OFF

(A voz de uma mulher falando). Uma flor estava prestes a ser tirada do meu jardim. Eu a cultivei e cativei dei a ela um amor profundo. Jamais irei esquecer essa essência com um olor tão agradável. A vida dá um jardim pra cada um de nós e somos responsáveis pela conquista das sementes que plantamos. Jamais vou esquecer o poema que meu pai falava do Sabiá... E Morreu deixando essa mensagem... (A cena vai clareando gradativamente. Já se passaram dez anos. O cenário é fachada de uma bela casa. Amanda com dezoito anos, está cuidando de um monte de sabiá num cativeiro).

VERA

Amanda...

AMANDA

Estou aqui, mamãe... (Vera se aproxima com o Dr. Walter). Tudo bem, Walter?

DR. WALTER

Tudo maravilhoso... Acabamos de chegar de uma viajem... E já temos outra marcada...

VERA

Foi uma delícia, filha... Tiramos um monte de fotos...

AMANDA

(Como o Walter). Eu fico muito feliz que você tenha aparecido na hora certa na vida da mamãe, Walter... Eu estava aqui pensando em papai... Hoje faz dez anos do seu falecimento e ainda está muito presente na memória tudo que aconteceu naquele dia de desespero... Esses sabiás representam tanta coisa boa... Muita recordação... (Amanda pega um sabiá de uma gaiola e fala o poema que o pai falou antes de morrer). Esse foi que mais marcou em toda a minha vida...

IV

Vem, meu sabiá

Preciso ouvir teu canto, pra sorrir

Preciso tê-lo por perto pra poder partir

Amigo do peito... (Beija o Sabiá e o solta)

Adeus, meu Sabiá

(Câmera em Amanda que olha o sabiá voando livre).

Pra você, pai... (Musica de fundo. Câmera numa geral mostra o sabiá se distanciando. Faz fusão de Vera abraçada com o Dr. Walter. Corta).

-FIM-

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 21/07/2009
Código do texto: T1711581
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