JEAN CHARLES, UM BRASILEIRO!
Eu imaginava que um filme baseado na tragédia sofrida por um brasileiro nas ruas de Londres poderia ser uma fita piegas ou cheia de revolta e emoções descontroladas. Enganei-me!
O filme “Jean Charles”,que entrou em circuito nacional,esta semana,é extremamente bem feito e sabe dosar as emoções que certamente desperta,com sobriedade e,sobretudo,veracidade.
O excelente ator Selton Mello parece que “incorporou” Jean Charles, o garoto alegre e otimista que,como muitos brasileiros,foi tentar uma vida melhor num país estrangeiro.
O diretor Henrique Goldman não se limitou apenas a narrar a estória do rapaz morto “por engano”pela polícia inglesa em 22 de julho de 2005 e,cuja família,ainda hoje,luta por justiça.Inteligentemente ,aproveitou para mostrar a saga dos brasileiros ilegais em Londres,que são centenas;como vivem,como se agrupam e se ajudam mutuamente,entregues á sua própria sorte,realizando trabalhos mesquinhos por um salário ínfimo e sempre aterrorizados com a deportação,que fecharia seus caminhos em toda comunidade européia.
Jean Charles,já há três anos em Londres faz de tudo para trazer uma prima,Vivian(Vanessa Giácomo),para trabalhar na cidade e ajudar a mãe,diabética,no interior de Minas.
Bela e jovem e sem falar uma palavra de inglês, quase é pegada pela Imigração,ainda no aeroporto;salvou-a,o “jeitinho brasileiro” de Jean Charles e a sua presença de espírito e desenvoltura ,onde com um jeitinho aqui,uma mentirinha ali,um sorriso cativante acolá,consegue ir ajeitando a vida de todo mundo.
Antes de fazer o filme,diretor e roteirista foram a Londres conhecer a comunidade brasileira que vive lá;encontraram de tudo:motoboys,vendedores de quinquilharias, goiabada e pão de queijo,empregados na construção civil,garçonetes e faxineiras,todos,sonhando com a volta ao Brasil e o dinheiro que poderiam economizar.Já Jean Charles,adaptou-se,falava um inglês fluente,virava-se como podia e adorava Londres,que tinha orgulho de mostrar aos recém chegados.
Um parágrafo á parte merece o ator Luis Miranda, fazendo um dos primo de Jean Charles e o único a se rebelar contra a reticente polícia inglesa e suas explicações assustadas e desencontradas.
Mas,nem só de nomes conhecidos vive o filme;o empreiteiro Mauricio Varlotta,patrão de Jean,é interpretado por ele mesmo,bem como os peões; misturar pessoas comuns com atores profissionais é,a meu ver,o ponto forte do filme,que imprime mais veracidade á estória.
Não tentar transformar o Jean num mártir foi outra grande façanha do diretor,que mostra,aliás,vários lados da sua personalidade,alguns não muito edificantes.Jean era humano,um brasileiro como outro qualquer,enfrentando uma selva hostil;tinha que dar uma de Malasarte,ás vezes,para sobreviver:ajuda uns,passa a perna em outros,se dá bem,depois apronta,faz besteira e desconstrói o que já fez.
Os atentados terroristas que ensangüentaram Londres e chocaram os ingleses,quase não é percebido pelos brasileiros,que não lhe deram demasiada importância.Até que um deles,justo Jean,é a vítima inocente desta tragédia,que até hoje,não gerou punição para os culpados.
O filme é excelente e muito bem feito,além de real e emblemático.Quem puder,vá ver;os cinemas em Salvador,ontem,estavam lotados e todos aplaudiram o filme.Com louvor!