“Gandhi” (Gandhi)

“Gandhi” (Gandhi)

De cabeça te digo: disponível em qualquer locadora. Que se preze. Ou seja, você não vai achar no camelô. A revolução pacífica do Filmes Para Todos não começou com eles, os camelôs.

Começou via Web.

Em 2005 a molecada levava 48 horas para baixar um título.

Hoje levam duas horas. Cinema é para ser revisto. Locadora esperta investe nos chamados catálogos e permite o conhecimento a preços módicos.

Findo esse magnífico preâmbulo, vamos para a saga da única revolução visando a independência de uma nação, em toda a história moderna, sem derramamento de sangue. Palavras de Paramahansa Yogananda, que conheceu pessoalmente A Grande Alma, ou Mahatma, se preferir. Dois sujeitos que definitivamente tiveram de se encontrar e, cada um a seu modo, mostrar para o mundo ocidental que a Índia, apesar de paupérrima, fora em tempos remotos uma civilização sem precedentes. Tanto material quanto espiritualmente falando. Vale conferir os depoimentos dos iluministas eruditos sobre o sânscrito. Mahatma e Paramahansa tinham a raiz dessa civilização implantada em suas consciências.

Richard Attenborough dirige.

Ben Kingsley, mesmo que cercado de coadjuvantes de peso como John Gielguld, Martin Sheen e Candice Bergen, não perde o brilho em nenhum momento e conta passo a passo como um advogado do império britânico, pelo fato de ser discriminado na África do Sul em fins do século XIX, começa a incomodar esse império através da palavra articulada e da não violência.

A cartilha anti-terrorismo de Gandhi fornece a prescrição para um mundo justo, argumentando racionalmente que terrorismo levará a um governo terrorista. Você gostaria de ter um governo assim?

O que salta a vista não é a penas a inteligência daquele homem franzino e bem humorado, mas a coerência de sua inteligência. O ambiente mental onde ele começa a reivindicar o básico para os discriminados, que no entanto “estavam” no império britânico, era dissecado pelas autoridades com a seguinte frase: A Índia é Britânica. Tenha dó. Com esse ponto de vista os mais fracos não tinham vez e eram sugados até a última gota. Provavelmente não haveria escapatória, não o fosse o verbo iluminado do Mahatma pregando sobre os homens que desafiam uma lei injusta mas que não lutam contra, tampouco obedecem. Estão dispostos a morrer pela causa, mas não estão dispostos a matar. Até os cavalos entenderam o recado, vide a cena dos soldados avançando sobre uma passeata quando um dos hindus exclama: deitem-se, os cavalos não vão nos pisotear.

Vero.

Richard Attenborough estreou profissionalmente como ator, no final dos anos 30, na peça “A ratoeira”, de Agatha Christie. Pinçando alguns de seus trabalhos como diretor de cinema, cronologicamente: “Uma ponte longe demais”, “Um grito de liberdade”, “Chaplin”, “O guerreiro da paz”.

“Gandhi” faturou nove estatuetas entre 20 indicações. Melhor: Filme – Diretor – Ator – Roteiro Original.

A produção vai num crescendo, como a própria ascensão do herói.

O detalhe é que a obra prima levou quase duas décadas para ser concluída.

Os cavalos já haviam entendido, mas o general Dyer tinha pouco miolo. Quando um ajuntamento de pessoas se reúne em “praça pública” para ruminar sobre o regime (e não para protestar), ele aparece com seus soldados. Saldo em números: 1516 pessoas abatidas, 1650 balas disparadas. Impressionante o depoimento dos números.

Lembrando que Gandhi era um individuo – não um monarca, um senhor de terras ou de exércitos, mas uma cabeça pensante em meio a um evento histórico de proporções vultuosas, e que ações estúpidas como essa do general só acarretariam em reações mais estúpidas, o Mahatma manda o melhor dos recados para Sua Majestade: 350 milhões de pessoas se prostram em oração. Resultado: uma paralisação sem precedentes.

Foi difícil para o Império compreender que sua posição ali era insustentável – 100 mil ingleses para 350 milhões de nativos espalhados em 700 mil aldeias e 8 grandes cidades. E mais ainda, compreender a atitude de seus oponentes, que utilizavam e colocavam para funcionar o seguinte slogan: não cooperação, não violência.

Gandhi foi preso quase uma dúzia de vezes, teve de conciliar mentes de todos os credos e fazer uso da batuta com a firmeza dos ascensionados, ou seja, ter fé e contemporizar até os limites impensáveis da razão. Deve ter sido difícil para ele ouvir o tempo todo, da parte de seus associados: devemos agir no olho por olho.

Sua resposta era inflexível:

Olho por olho, e o mundo todo fica cego.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 02/06/2009
Reeditado em 10/04/2013
Código do texto: T1628401
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