“Estrada para Perdição“ (Road to Perdition )
“Estrada para Perdição“ (Road to Perdition )
Tom Hanks teria ficado naquele emprego a vida inteira. O olhar dele para o patrão estampa essa diretriz. Paul Newman , o patrão, leva os filhos de Tom para jogar dados no porão, durante o velório. Numa bela casa, com comida e bebida à vontade, ponto positivo para 1931, tempo de crise aguçada na América. Porém, o filho do patrão, Daniel Craig, tinha sua própria natureza. Em bom português dir-se-ia velhaco. Basta um, para desvirtuar uma família inteira. O meio que Daniel achou para isso foi dizimar a família de Hanks.
A história do cinema não terá nenhum registro adicional de Newman e Hanks juntos. Mas pode ter no seu catálogo adicional 5 estrelas ao lado do nome Sam Mendes , diretor do show. Dois anos antes ele havia levado o Oscar de Melhor Diretor por “Beleza Americana”, seu primeiro longa. As 5 estrelas serviriam para unir talento e sorte, dois componentes não dispensáveis no meio artístico.
Hanks era um bom sujeito. “Põe comida no prato”, dizia a mulher dele, Jennifer Jason Leigh . Falava pouco. Até arranhava o piano.
E usava uma pistola automática com 9 balas no pente. Se esse artefato, no tempo presente, virou literalmente brinquedo de criança, em 1931 aquilo ainda era um lançamento e tanto. Num país com 15 milhões de desempregados, poucos tinham casa própria, carro na garagem e despensa cheia. Ele tinha tudo isso porque empunhava uma pistola, não fazia perguntas e era aceito como um filho na bela residência do patrão. Só que mataram a família dele.
A Terceira Lei do Movimento de Newton entrará em ação.
“Road to Perdition” tem a trama inspirada no que em inglês diz-se graphic novel, idealizada por Max Collins e Richard Rayner , que por seu turno foi inspirada na série japonesa em mangá "Kozure Okami", de Kazuo Koike e Kojima.
Hanks de fato arranha o piano junto com o patrão, para deleite dos presentes e sob o sorriso amarelo de Daniel Craig, o filho que o patrão no fundo não admirava.
Cinema com plasticidade de brilho raro, chegando aos ombros do mago Pierre Verger, com um pouco de exagero, e sem exagero boa parte do tempo fica de igual para igual, como por exemplo nas cenas rodadas em Chicago. A diferença é que Verger está no passado e o inglês Sam Mendes anima o passado. A cena na estação toca lira para a antologia. Mérito também de Conrad L. Hall , que assina a fotografia, único e mais que merecido Oscar deste filme. Algumas estatuetas tem um semblante especial.
Hall nasceu em Papeete, Tahiti, em 1926. Teve 16 indicações para Oscar de melhor fotografia ao longo de sua carreira, e faturou 3: “Butch Cassidy e Sundance Kid”, “Beleza Americana” e “Road...”.
A cena de Craig olhando o próprio reflexo no vidro, sem perceber que o filho sobrevivente de Hanks está do outro lado. Onde estava o pai? Indo para uma cilada em sua cidade natal, Geneva, Illinois , quando o porteiro da boate comenta: “ninguém tem dinheiro mas gastam tudo aqui”. Mulheres e álcool, as soluções para a Depressão.
Tão logo ele chega em casa e encontra os corpos da esposa e do filho caçula.
Nesse ponto começa a estrada para Perdition, cidade onde poderia deixar o filho mais velho, interpretado por Tyler Hoechlin , com a tia. Até lá serão 6 semanas inesquecíveis para ambos, mas quem vai guardar na memória será o menino.
A Terceira Lei do Movimento de Newton atesta que “a reação é equivalente e oposta à ação”. Mas, dentro de um set e no labirinto de um script, os paralelos se manifestam. Hora de Jude Law aparecer. Personagem misto de fotógrafo forense e assassino de aluguel, partirá no encalço de pai e filho. Quando ele recebe, por telefone, a incumbência do trabalho, vai ouvindo e murmurando: hum...humhum, até o momento em que indaga: que idade tem o garoto? Então escreve 12 num pedaço de papel, e desenha um semblante triste ao lado do número.
“Road...” talvez não tenha sido um sucesso de bilheteria pelo simples motivo de ser um biscoito finíssimo. Thomas Newman e John Williams assinam a trilha que não manipula os ouvidos, outra escassa qualidade.
Não pouparam elementos para decorar uma história intrinsecamente pobre, pautada em vingança. Talvez resida aí o mérito da sétima arte.
Hanks é um pau mandado, não passa de uma mosca no crime organizado, ex herói de guerra, cresceu na penúria, foi amparado por um mafioso, mas em algum ponto a engrenagem voltou-se contra ele e nesse quesito não há o que fazer.
Tyler Hoechlin seguiu as instruções ao pé da letra. Vende com destreza as 6 semanas que ficou na estrada com o pai, onde aprendeu a dirigir, foi cúmplice em assaltos, lia gibis e tentava à custo reprimir o choro pela morte dos seus. Hanks ganhou o semblante saído daqueles retratos ovalados que ficavam nas cozinhas de antigamente, com o rosto de um antepassado.
Paul Newman não carece de palavras, exceto as que ele mesmo diz ao protagonista, no meio do filme, quando se vêem sozinhos num porão.
- Do que você está falando? Só tem assassinos aqui. Você acha que algum de nós vai para o céu?