Janela da alma


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Minhas Janelas da Alma

“...o que é uma coisa bela?
o amor é cego
ray charles é cego
stevie wonder é cego
e o albino hermeto não enxerga mesmo muito bem...
(...)não olho pra trás mas sei de tudo
cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo...”
Fragmentos de O Estrangeiro-Caetano Veloso



Posso ver e isso é maravilhoso!
Eu vejo e certamente
vejo para além
do que pode ser visto.

Minha alma e meu coração
influenciam o que vejo.
E assim, o que sinto pode não ser
a realidade do olhar
de outros que vêem o que vejo.

Sinto também o que não vejo,
mas o que meu coração
toca com os olhos da poesia e
minha alma deseja.

A sensibilidade,
esse olho de ver por dentro,
“olha” a essência e
deve enxergar
para além do óbvio.

E isso me faz pensar
o que me inspira
não é somente que vejo,
mas o que sinto e
desejo...






Dedicado a Antônia Zilma, nossa amiga Tonha, que me comoveu com sua dor no texto MAIO NUNCA MAIS FOI O MESMO...
Amiga, fui rever esse fantástico documentário lembrando de cada palavra que escrevestes e recomendo a todos que o vejam. Dele destaco um fragmento da entrevista do genial poeta Manoel de Barros, que a meu ver, traduz a “alma” do filme: “...O olhar vê.  A lembrança revê, mas a imaginação transvê, transfigura o mundo, faz outro mundo...”. Abaixo transcrevo a resenha crítica (impecável!) do Mário Sérgio Conti, porque concordo com ele: "Janela da Alma" é luminoso!

Documentário "Janela da Alma" discute questões do ver e da visão

MARIO SERGIO CONTI
da Folha de S.Paulo, no Rio

O filósofo José Arthur Giannotti disse certa vez que os cientistas sociais brasileiros não deveriam se restringir a pensar temas nacionais. Para ele, pesquisar e escrever sobre, digamos, os alfaiates do Piauí não é necessariamente sinal de nacionalismo.
A dedicação exclusiva a assuntos brasileiros pode ser indício de colonialismo: as grandes questões ficariam por conta de pensadores dos países dominantes, enquanto os periféricos se conformariam em lidar com coisas pequenas.
"Janela da Alma", de João Jardim e Walter Carvalho, é um documentário que segue o postulado de Giannotti. Ele enfrenta um tema abstrato, a visão, sem os travos do subdesenvolvimento.
Os diretores pensam grande já no título, que alude à frase de Leonardo da Vinci: o olho é a janela da alma, o espelho do mundo.
Eles entrevistaram artistas, intelectuais e pessoas ditas comuns da Europa e do Brasil. Recorreram à filosofia, à medicina, à biologia, à música e à literatura para investigar o que é a visão.
O resultado é um filme que enriquece a visão que se tem da visão. Os 19 entrevistados, com graus de acuidade visual que vão da miopia à cegueira, discorrem sobre ver, não ver e ver de maneira única, intransferível.
O leque de entrevistados é amplo. Entre eles estão o músico Hermeto Pascoal, o escritor José Saramago, a atriz alemã Hanna Schygulla, o poeta Manoel de Barros, a cineasta Agnès Varda, o neurologista inglês Oliver Sacks.Absolutamente tudo o que dizem ou fazem é pertinente e interessante. Não há enrolação, não se desperdiça imagem ou silêncio.
Acompanhando a torrente de discursos, as imagens são focadas, desfocadas e refocadas, alterando a percepção do espectador. O documentário mostra um mundo saturado de imagens que visam atrair o olhar para o consumo (as da propaganda) e o contrasta com paisagens desoladas, onde não há nada para ver.
A abstração também é confrontada com visões bem concretas. O vereador cego Arnaldo Godoy, de Belo Horizonte, conta com ótimo humor como é a vida sem enxergar nada. O filósofo esloveno Eugen Bavcar, também ele cego, mostra como tira ótimas fotografias. É preciso ver para crer.
Seria fácil, num filme como esse, cair na abstração pretensamente poética -citando Bergson, Borges, Milton e que tais- e dela não sair. Ou então ir para o pólo oposto, enfileirando esquisitices uma após a outra.

João Jardim e Walter Carvalho habilmente vão de um pólo ao outro, tornando o filme cada vez mais denso, cada vez mais claro e opaco. A tese central, a de que a visão é construção cultural, e não um dado da natureza, é exposta por meio de nuanças.

"Janela da Alma" está longe, contudo, de ser um filme de tese. Ele é uma expressão pessoal. João Jardim (diretor de documentários como "Terra Brasil" e "Free Tibet") e Walter Carvalho (diretor de fotografia de "Abril Despedaçado") são duas toupeiras míopes: o primeiro usa óculos de 8 graus; Carvalho, 7,5.

Eles vêem pouco, mas enxergam muito: "Janela da Alma" é um filme luminoso.

JANELA DA ALMA
Direção: João Jardim
Produção: Brasil, 2001