“Zodíaco” (Zodiac)
“Zodíaco” (Zodiac)
Comecemos pelas credencias - David Fincher dirigiu “Curioso Caso de Benjamin Button, O”. Isso já te anima, certo? Credenciais falam por si. Também dirigiu “Quarto do Pânico, O ” e “Clube da Luta ”. E dirigiu também “Vidas em Jogo ” e “Seven - Os Sete Crimes Capitais ”.
“Zodíaco” nasceu um ano antes de “...Button” e é totalmente embasado nos arquivos do caso, e na obra de Robert Graysmith. O que equivale quase a mesma coisa.
Acho que um outro fator ocasionou o parto de “Zodíaco”. Não sei que nome daria para isso, sei que alia a curiosidade inerente do ser com a patente de diretor de cinema, por si só um canal difusor de idéias e ideais. Na curiosidade, o assunto que rondou sua infância: o caso do Zodíaco. “Que rumo tomou essa história? Afinal só se falava nisso”.
Na outra ponta da corda e respondendo a questão acima, estão as palavras agrupadas de Graysmith, desfiando fatos. Foram quase 20 anos de atividade paralela e não remunerada de juntar documentos relacionados ao caso. Disso resulta um livro, lançado em 1991.
A história começa em 1969, Robert Graysmith era recém contratado do San Francisco Chronicle, trabalhando como cartunista, e testemunha da primeira carta enviada pelo Zodíaco à redação do jornal. David Fincher era criança nessa época, com certeza ressabiado pelo bicho papão de então. Quis o destino que eles se encontrassem há cerca de 3 anos. Um diretor de cinema de renome e um escritor perseverante e quem sabe até missionário. A união faz o filme, artisticamente elaborado, cuidadosamente documentado, com cara de cinema daquela época.
Mark Ruffalo , Jake Gyllenhaal , Robert Downey Jr. e mais uns 20 rostos conhecidos concentram seus esforços numa trama que traz para os decanos os ventos de um mundo tal como foi, e tal como o vimos. Digo os decanos, pois serão justamente esses a relembrarem o critério das coisas, sobretudo face a atualidade, globalizada e carente de critérios.
Zodíaco foi o codinome de um sujeito que se divertia em matar inocentes, aleatoriamente, entre 69 e 72. Oficialmente, nada ficou provado, exceto que a perseverança colhe frutos, e que a loucura sociopata vendida pelo cinema industrial erra ao largo, quando pretende criar gente super-capacitada para fazer as vezes de um marginal doente.
Nos seus 158 minutos, “Zodíaco” funciona como um quebra-cabeças, e os leitores de Agatha Christie não vão se decepcionar com a película.
Nos livros de Agatha o sangue jorra, uma, duas, até uma dúzia de vezes, e não respinga na cama, na poltrona, ou onde o leitor goze a leitura. O sangue jorra mas o que prende a sua atenção é a solução do mistério e o funcionamento das mentes. Mais ou menos onde o filme lançou âncora. Deixando a notícia de lado, o que salta à vista, é o maquinismo dos poderes e mentes desses idos.
Em parte, “Zodíaco” é sobre isso, e sobre um pobre diabo, inconformado com seu destino, que começa a mandar cartas toscamente enigmáticas para os principais jornais de S. Francisco, alardeando crimes passados e cogitando crimes futuros. Matou 13 pessoas. Atentou contra 15, mas duas conseguiram escapar.
Talvez no mundo de hoje isso soe como piada. Em agosto de 1969 pensava-se duas vezes antes assinar um papel. Fica a impressão de que a engrenagem tinha tato...
O que acontece com “Zodíaco” é o retrato de uma realidade nos primórdios do fax e sem DNA, os responsáveis pela circulação dos jornais atuam com cautela, ficando a exceção para o embriagado Robert Downey Jr., nem todos os crimes acontecem na “Bay Área”, mas em cidades próximas – fica o vazio da diplomacia entre os distritos para coordenar as informações, o retrato da força policial da época e do malfeitor não tem as lentes de aumento de hoje – reais ou irreais - mandatos não saíam com a mesma facilidade evidenciada nos seriados do século XXI, o principal suspeito se transforma noutro principal suspeito, as fichas caem com o tempo, anos depois, pilhas de papéis são acumuladas e informações desencontradas são re-analisadas.
Coube mesmo a um sujeito - Robert Graysmith, o cartunista do jornal, começar a copilar o caso e fazer questões por um ângulo diverso, assim como coube a outro sujeito, o policial vivido por Mark Ruffalo, que mesmo amargurado, não desistiu ao longo do tempo, e aceita as elucubrações de um paisano. Novamente a união faz a diferença. Um ajudou o outro para que anos depois o livro fosse lançado. Como já se disse, nada ficou provado, oficialmente, mas a obra joga as dúvidas por terra, levando o judiciário, na alvorada dos 90, a convidar Arthur Leigh para conversar. Ele tem um ataque do coração antes da conversa.
Outras credenciais: Jake Gyllenhaal interpreta o cartunista. Atuou no “Suspeito, O ”, “Soldado Anônimo ”, “Segredo de Brokeback Mountain, O ”, etc.
A diferença entre o discorrer de Agatha e os arquivos do caso Zodíaco é que, neste caso, cada espectador pode se tornar um Poirot.