Chanchada da Atlântida
Queria fazer a resenha de um filme popular, tipo o Super-Homem, o Batman, ou qualquer outro, e, de repente, descubro que há muito tempo não vou ao cinema, entendendo-se como ir ao cinema aquela cerimônia de pegar uma fila, entrar num saguão luxuoso, os pés afundam no tapete macio, o ar condicionado dá frio, algo como Woody Allen descreveu na Era do Rádio, que foi um prenuncio da era do cinema. E esse tipo de cinema não existe mais. Os grandes salões viraram templos religiosos ou templos de consumo onde se vendem quinquilharias importadas.
Pois antigamente cinema era um espetáculo coletivo. E descobria-se que o riso é contagioso. Que uma cena emocionante é capaz de despertar uma energia no público que parece pairar sobre a sala. Que havia o chamado complemento nacional obrigatório, no caso, em vez de curtas metragens, os exibidores-distribuidores preferiam projetar cinejornais, com notícias filmadas da semana, ou do mês, sendo os melhores, o Canal Cem, pela reportagem de futebol, as Atualidades Atlântida, em que o estúdio produtor das maiorias das chanchadas brasileiras apresentava o seu jornal. A abertura do cinejornal da Atlântida mostrava uma maquete com uma construção no estilo clássico e um chafariz projetando água nos céus enquanto passa um automóvel. Qual não foi a minha surpresa quando anos depois vi aquela mesma cena tão conhecida num documentário sobre a arquitetura do Terceiro Reich. Por um segundo pensamos que iria passar o cinejornal, depois o cinema desabou numa gargalhada.
Como a resenha já vai pelo meio, preciso escolher um filme. Opto por abordar, em seu conjunto, das chanchadas, filmes populares, feitos com o objetivo exclusivo de divertir o grande público, produção dos estúdios das décadas de 40 e 50 do século vinte.
A Atlântida, do Rio de Janeiro, se especializou em chanchadas, lançando periodicamente a sua produção estrelada por Oscarito, misto de Carlitos e de Harpo Marx, o grande Grande Otelo, artista elogiado por Orson Welles, o galã, Cyll Farney, a satírica Zezé Macedo, que pode ser vista anos mais tarde nos programas de Chico Anysio, a beldade Eliana.
Em São Paulo, o estúdio Vera Cruz era mais ambicioso, chegando a importar diretores e técnicos da Itália que contribuíram muito para o desenvolvimento do cinema e do teatro no Brasil. O seu grande galã foi Anselmo Duarte, e a sua produção máxima, que quase faturou a Palma de Ouro foi o lendário “O Cangaceiro” filme que estourou a banca do ano de 1952 com um faturamento imbatível mesmo pelas megaproduções de Hollywood.
Na década de 60, um outro fenômeno de bilheteria foram os filmes de Mazzaropi.
Mas, voltando a chanchada da Atlântida, eram filmes de estúdio, paródias de filmes americanos de sucesso. Se Holywood lançava “Matar ou Morrer”, a Atlandida fazia “Matar ou Correr”. Se Cecil B de Mille produzia “Sansão e Dalila”, logo aparecia “Nem Sansão nem Dalila”.
Como dizia o “Bandido da Luz Vermelha”, “quem não pode lutar sacaneia”, e a Atlântida o fazia muito bem. O “Bandido” de Rogério Sganzerla, de 1968, é também uma chanchada, porem uma chanchada cult de nada menos que “Pirrot-le-fou” de Jean-Luc Godard.
Logo chegaria o Cinema Novo e a chanchada ingênua deixou de existir, aparecendo o seu sucedâneo perigoso: a pornô-chanchada.
E as chanchadas se transferiram para as televisões em novelas mexicanas e programas de humor quase radiofônicos.