A Estrada da Vida (La Strada)

Federico Fellini - Direção / Roteiro
Dino de Laurentiis, Carlo Ponti - Produção
Ennio Flaiano, Tullio Pinelli - Roteiro
Otello Martelli - Fotografia
Franco Ferrara - Supervisão Musical
Nino Rota - Trilha Sonora
Leo Cattozzo - Edição
Brunello Rondi - Direção de Arte

Prêmios:

Oscar® (1956):
Vencedor de Melhor Filme Estrangeiro.
Indicado a Melhor Roteiro.

Associação dos Críticos de Nova York (1956):
Vencedor de Melhor Filme Estangeiro.

British Academy (1956):
Indicado a Melhor Filme e Atriz Estrangeira.

Festival de Veneza (1956):
Vencedor do Leão de Prata.

Sinopse: Giulietta Masina vive a ingênua Gelsomina, vendida por sua miserável mãe para o brutamontes Zampanò (Anthony Quinn em interpretação magistral), um artista de rua que se apresenta arrebentando correntes. Gelsomina passa a acompanhar Zampanò em suas viagens, ajudando-o em suas apresentações. A estrada da vida que percorrem guarda belas e trágicas surpresas para a dupla.




"O sentido da viagem é um motivo fundamental ao narrar. Viajar é um grande mito narrativo. Todos os meus filmes narram viagens. Viagens feitas ou sonhadas.  A Estrada da Vida narra uma peregrinação de pessoas unidas por um destino incompreensível, que as leva de uma cidade a outra, de uma estação a outra." - Federico Fellini


"-Se quiser ficar comigo, tem que aprender uma coisa: fique de boca fechada". - Zampano ("O Corpo")

"- Antes só pensava em voltar para casa. Agora não ligo mais. Parece que a minha casa é com você." - Gelsomina - ("A Alma")

"- Ele é como um cão que olha para você, mas não consegue falar. Só latir." - Louco - ("A Mente")


Escolhi as falas acima para representar simbolicamente o ser humano nesta estrada. É assim que imagino uma das possíveis leituras de "A Estrada da Vida" e seus personagens principais: partes simbólicas de nós mesmos.

A interpretação simbólica busca desvendar possíveis sentidos em uma obra de arte. O foco desta abordagem é a comunicação entre o que pensamos (mente), sentimos (alma) e agimos (corpo).

O que aconteceria se estas partes de nós mesmos fossem desligadas de um todo sem comunicação possível?

Sei que esta é uma interpretação extremamente pessoal, em uma trilha ainda mais particular. A direção de Fellini nos leva até um certo ponto da jornada. Depois disto, representa os caminhos escolhidos para viver a experiência que sua obra nos proporciona.

Zampano (Anthony Quinn), um rústico artista mambembe se apresenta quebrando correntes em seu peito de aço, enquanto aquelas que aprisionam seu coração permanecem inquebráveis. O personagem simboliza o corpo. A força bruta, provavelmente tão intensa quanto sua vulnerabilidade interna, é a voz que fala por ele, incapaz de dialogar com Gelsomina.

Gelsomina (Giulietta Massina) é a personagem que simbolizaria a alma: o valor e o sentido dos encontros. Ao se abrir para o contato (afetivo) com as pessoas e o mundo, busca preservar o encanto e o sentido que traduza sua ligação com a vida. Por mais que este contato seja negado todo o tempo por Zampano. Gelsomina tenta entender o seu lugar no mundo, o que representa, através da relação com alguém que não consegue estabelecer o vínculo afetivo.

O trapezista Louco (Richard Basehart ) simbolizaria a irônica mente, sem trocadilhos. O sentido que surge de onde menos se espera (o filme é de Fellini). No entanto, para libertar o que está acorrentado é preciso que a alma e o corpo se integrem. Louco mostra para Gelsomina um caminho: talvez, Zampano não conseguisse expressar seus sentimentos, mas a queria bem. E ela entende que isto daria um propósito a suas vidas. (Se não ficar com ele, quem mais ficará?).

A hostilidade inexplicável de Louco em relação a Zampano poderia ser interpretada simbolicamente como a perturbação da consciência pelo isolamento afetivo em que vivia.

"- Um dia vou quebrar o pescoço e ninguém irá se importar".

Esta é uma das frases de Louco. O sentido havia sido quebrado por não conseguir romper as correntes deste isolamento. E Gelsomina perde a razão. A morte de Louco, além de acidental, é simbólica. Zampano não desejava matar o sentido do afeto para Gelsomina. A razão que ela havia encontrado para viver.

No entanto, por ser incapaz de expressar o seu próprio afeto, o sentido "morre". Em outras palavras, a ponte do sentido (Louco) entre o corpo (Zampano) e a alma (Gelsomina) se perde. Resta apenas Zampano. O corpo "condenado a viver" em seu deserto afetivo.

Zampano se dá conta que havia acorrentado a si mesmo, ao ver-se completamente só, embriagado, expulso de um bar a chutes. Os golpes da vida sobre si mesmo.

Olha para o céu em busca de forças. Seu corpo desaba com o peso das correntes que não puderam ser rompidas dentro do seu peito. E ele chora na areia da praia. Cenário que simboliza a casa (a alma) de Gelsomina.

Federico Fellini é uma viagem.

Bem-vindo a bordo!




"Lado B"

Outro caminho (entre tantos possíveis) para "A estrada da Vida", pegaria este atalho:

A personagem Gelsomina é vendida pela mãe a Zampano para ocupar o lugar da irmã morta (Rosa). Nada se sabe sobre esta morte, as circunstâncias, os motivos. O fato é a morte. A conseqüência: a substituição pura e simples de uma irmã por outra, por dez mil liras.

Gelsomina entende que é um peso para a sua família. Uma boca a mais para ser alimentada, em uma Itália pós-guerra precária e miserável.

E sua jornada começa com o fardo de entender-se um peso. Até certo ponto, Gelsomina submete-se aos maus tratos de Zampano, mas em determinado momento, coloca um limite . Vai embora.

A cena que se segue à saída que sugeriria sua liberdade e o respeito consigo mesma, resguardando sua integridade física e emocional, poderia ser comparada com a personagem da obra posterior: Cabíria.

Depois de partir, Gelsomina senta-se por um momento à beira da estrada. Olha para a terra e pega um inseto, coloca-o em sua mão e assopra, como se desse liberdade ao animal. Mais uma vez, o contato com o lado instintivo da preservação acontece. Assim como em Cabíria para marcar sua sobrevivência (a cena da galinha em seu colo).

Mas Cabíria difere de Gelsomina em uma questão essencial. A consciência de seu valor não passa pelo reconhecimento do outro. Sua confiança e ligação com a vida está em si mesma. Por isso, sofre uma série de infortúnios: é jogada em um rio, perde sua casa, dinheiro, amor, mas se levanta. Ela é responsável por sua própria força.

Gelsomina precisa da força de Zampano. Necessita desse olhar para sentir-se ligada à vida. O afeto do outro é o sentido. Talvez porque assim possa sentir que tenha algum valor e esquecer que foi vendida pela mãe para ocupar o lugar da irmã morta.

Muitos trechos da estrada são marcados por perguntas (sem respostas) sobre a relação de Zampano com Rosa.

Louco é o responsável pelo único sentido que fez Gelsomina se apegar verdadeiramente à vida: alguém (Zampano) gostava dela. Por isso, a traz de volta. (A cena em que Louco tira uma corrente do seu pescoço para dar a Gelsomina, em frente à cadeia onde espera por Zampano, poderia ser entendida como o sentido do afeto que se enlaça em torno de Gelsomina).

Um pouco mais tarde, na cena em que Zampano bate no trapezista, mas acidentalmente um dos golpes desferidos é fatal, Gelsomina é assombrada pelos instantes de agonia de Louco e percebe que o sentido que a ligava afetivamente a Zampano morria ali, simbolicamente. E passa a repetir: "- O Louco está mal" (que poderia ser entendido como "o sentido do afeto que me liga a Zampano está morrendo).

A "loucura" de Gelsomina é depositar o valor de sua vida em uma relação que não se estabelece afetivamente. Zampano a abandona. Gelsomina apenas repete consigo o mesmo abandono: é essa a loucura que a retira da vida simbolica e concretamente.



P.S.: Giulietta Massina, em depoimento, confessa que interpretou Gelsomina com extrema dificuldade. Enquanto Cabíria é um personagem com a qual se identificava por sua fé e confiança na vida.




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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 18/04/2009
Reeditado em 24/06/2011
Código do texto: T1546418
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