Fritando miolos! (Vanilla Sky / Abra los Ojos)

Liguei pra locadora e perguntei se eles tinham um filme antigo que vi há alguns anos. Estava doido pra rever-lo e então poder comentar aqui na coluna. Eles não tinham. “Só em VHS”, disseram. Deu saudades daqueles “quatro-cabeças” que sempre exigiam a tediosa tarefa de rebobinar a fita antes de devolver a locação...

Enfim, o filme era o espanhol Preso na Escuridão (“Abra los Ojos”, 1997) de Alejandro Amenábar, um filme perturbador do início ao fim.

Bom, frustrado no meu intento inicial, resolvi apelar para a refilmagem hollywoodiana do filme, uma espécie de primo rico do original. Os leitores devem lembrar de Vanilla Sky (EUA, 2001), com Tom Cruise e sua então digníssima namorada Penélope Cruz, Cameron Diaz, Jason Lee, Noah Taylor, Timothy Spall, Tilda Swinton e Kurt Russell.

Os dois filmes são quase idênticos, porém, há no original um ritmo que eu não sei bem explicar e que, apesar de mais lento, permitia (pelo menos ao que me lembro) uma leitura mais psicológica, por assim dizer, da trama...

Há quem diga que Cameron Crowe (diretor de Vanilla Sky) tenha errado a mão. Eu, particularmente, não vejo assim. A refilmagem é boa, o espírito do original é preservado, a fotografia em ambos é muito bem feita sendo que, em Vanilla Sky, desempenha um papel mais evidente, explicitando algumas metáforas relacionadas aos céus de Monet, por exemplo. Isso é tão relevante que pode mesmo explicar a opção por renomear o filme de “Vanilla Sky” ao invés de simplesmente traduzir “Abra los Ojos” para o inglês (Open your Eyes), título que, nesse sentido, demonstra muito mais a tônica subjetivista do original.

Com uma narrativa em flashbacks ambientada em Nova York, fatos e sonhos da vida de David Aames (Tom Cruise), um jovem empresário dono de um império editorial, desfilam quase que desconexos ao longo do filme. David tem sua vida modificada quando conhece Sofia Serrano (Penélope Cruz, que também fez o mesmo papel no original), uma bela jovem por quem se apaixona.

O relacionamento entre David e Sofia (nome que, segundo algumas interpretações, não foi escolhido por acaso) desperta, um mal estar em Brian (Jason Lee), melhor amigo do protagonista e, acima de tudo, ciúmes em Julie Gianni (Cameron Diaz), uma amante (termo eufêmico para “body-fucker”) do bonitão e que quer muito mais que mero envolvimento sexual com ele.

Um dia, após sair da casa de Sofia, David encontra Julie, que usando o pretexto de querer conversar com ele o convence a entrar no carro dela. Em um ímpeto de loucura, cega por se sentir preterida, ela lança o carro por cima de um viaduto no intuito de morrer e levar junto David, o objeto de sua obsessão. Nessa hora ela faz uma pergunta fundamental do filme (dos dois): “o que é felicidade pra você, David?” E eu acrescentaria, “uma vida real ou um sonho?”

A maluca não resiste ao impacto e morre (será?). David sobrevive, mas, após um coma de semanas, desperta com o rosto desfigurado. O cara fica traumatizado. E não é pra menos já que boa parte de sua vida era fundada em sua imagem egocêntrica (e aqui se justifica o enfoque visual e dinâmico que é dado à refilmagem, ainda mais por estarmos numa época em que tudo é imagem, tudo é frenético e tudo pode ser consumido... viagem? Sim. Mas é válida... Valida e reforçada pelo diretor que acrescenta diversos elementos da cultura pop americana à história, moldando partes do cotidiano de seus personagens a partir de capas de disco, videoclips, e assim por diante).

Na ânsia por recuperar sua vida, oferece qualquer quantia para reconstruírem seu rosto e é ai que realidade e fantasia se confundem assustadoramente e em definitivo.

Digo em definitivo porque, pela maneira com que foi estruturado (como já disse, recortes intercalados de realidade e sonho), desde a primeira cena: o espectador se vê tomado de uma angústia ininterrupta por, gradativamente, não conseguir mais acompanhar, entender ou mesmo prever o desfecho do filme. Nada é certeza. Essa sensação é comum aos dois filmes e é, certamente, algo de essencial. É pra fritar os miolos mesmo! O final? O final é uma nóia delirante!

A trilha sonora é algo que também ajuda a desnortear o espectador... Os beatlemaníacos vão identificar um Paul McCarthney ali pelo meio... Tem um Bob Dylan também... Não lembro da trilha do original... Droga de memória! Se eu não quisesse, me lembraria... A mente prega cada peça na gente...

Olha, quer saber, eu vou ver se descolo um vídeo-cassete que, depois de ver o Vanilla Sky, a “cuíra” de ver “Abra los Ojos” fez foi aumentar...

(Publicado no Portal Cultura de comunicação disponível em http://www.portalcultura.com.br/clube/cinema/index.php)

Harley Dolzane
Enviado por Harley Dolzane em 11/05/2006
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