Deus e o Diabo na Terra do Sol
Na França houve a Nouvelle Vague, no Brasil, o Cinema Novo.
Ambas as escolas cinematográficas representaram uma tentativa de fazer um cinema com uma nova ótica, em oposição ao sistema do cinema de estúdio. No lugar de se buscar uma indústria cinematográfica e a produção do tipo seriada de filmes, buscava-se o chamado “cinema de autor”, em que se enfatizava a visão artística do diretor.
Tudo começou na Itália, no pós-guerra com o Neo-Realismo, cujos expoentes eram, Roberto Rosselini, Vitório de Sica, Luchino Visconti, Federico Fellini, entre outros.
Na França, a geração de críticos do "Cahier du Cinema", inaugurou a nouvelle vague em 1959, com François Truffaut (Os Incompreendidos) e Jean-Luc Goddard (A bout de souffle).
No Brasil, o baiano Glauber Rocha lança o Cinema Novo com o princípio “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, quase uma declaração do tipo “sem lenço e sem documento” que é uma lógica fatalmente anti-cinematográfica que ninguém poderia levar a sério, visto que o jeito mais fácil de não se fazer cinema é ter apenas uma idéia na cabeça e a ausência de um roteiro, como se sabe desde Eisenstein, na década de 20 do século passado. E o seu longa de impacto, “Deus e o Diabo na terra do sol”, feito em 1963, portanto antes do golpe militar, só seria lançado em 1964, após a quartelada que derrubou a efêmera democracia no país.
Então, Glauber fez um roteiro para Deus e o Diabo, uma historia alegórica sobre o povo nordestino, representado pelo casal, Manoel e Rosa, que em fuga, após Manoel ter matado o seu patrão que o explorava, se abriga junto ao beato Sebastião, no Monte Santo, uma espécie de Antonio Conselheiro que, inexplicavelmente, sacrifica um bebê passando-o no fio de um longo punhal, e é morto por Rosa. As tropas invadem o Monte Santo e Manoel e Rosa se acoitam junto de Corisco, do bando de Lampião, que por sua vez está em fuga do caçador de cangaceiros, Antônio das Mortes. Corisco é um poeta enlouquecido, representado pelo excelente Othon Bastos, que encena repetidamente, no cenário da caatinga calcinada, a morte de Lampião, enquanto Manoel (Geraldo del Rey) e Rosa (Ioná Magalhães) assistem embasbacados aquele espetáculo grotesco.
A história é muito esquemática e seria ridícula não fosse a tremenda força visual que Glauber consegue imprimir ao filme e a original narrativa usando a música de Sérgio Ricardo e a letra de um cordel do próprio Glauber, entremeada com a música de Villa-Lobos. Enfim, um grande espetáculo, mesmo com os parcos recursos disponíveis.
É inesquecível a canção final relembrando que “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”, o que pode se tornar verdade com o aquecimento global.
Cangaceiros, Conselheiros, jagunços, coronelismo, mandonismo, fazendeiros, cinema-novo, Glauber Rocha, tudo coisa do passado.
Será? Vale a pena lembrar que, no início de sua carreira, Glauber fez um curta metragem sobre a eleição do jovem José Sarney para o governo do Maranhão. E José Sarney ainda está por ai. De repente, vejo Glauber gritando: “luz, câmera, ação”.
Ainda há muito o que filmar!