“Rede de mentiras” (Body of Lies)
“Rede de mentiras” (Body of Lies)
“Não confie em ninguém. Engane a todos”.
Está escrito na embalagem. Tipo de slogan que, depois de 2 minutos de cultura televisiva, se isso aparece na caixa de leite ou no vidro de mostarda, o consumidor nem se incomoda em processar terceiros por propaganda enganosa.
Direção: Ridley Scott
Astros: Di Caprio e Crowe
Filme inteligente e ao mesmo tempo bastante aborrecido, em virtude do excesso das saraivadas. Falando por mim, um sujeito que cultua “Bullit”, onde durante 114 minutos Steve McQueen dá dois tiros. E olhe lá.
Esteticamente, não sei se intencional, presumo que sim, Crowe se transformou no J. T. Walsh, ator muito estimado na comunidade, fizeram um monte de homenagens pra ele, atuou em dezenas de filmes como coadjuvante do Bem e do Mal, desencarnou em 1998, salvo engano.
O texto que serve como fio condutor da trama é muito bem escrito, diga-se de passagem, e logo na abertura o agente Crowe discursa sobre a mesmice – bastidores da guerra – com propriedade acima da média. Pra quem está cercado de informação abaixo da média, vale o ditado: na seca, copo de água é represa.
Depois de “Jogos Patrióticos” (1992), Hollywood, através de Harrison Ford e grande elenco, mostrou ao mundo como os gringos dizimam à distância, ficando assim provado – pra que guerra? Só que aquilo que Hollywood estava exibindo era o boi-de-piranha da tecnologia de ponta para o morticínio. Satélites, câmeras, etc., a possibilidade dos EUA atacarem qualquer ponto do globo em xis minutos, além da curiosidade: as cenas foram rodadas no quartel-general da CIA. Primeira vez que Langley permitiu um set de filmagem no local.
O que ninguém ainda falava, na época, era sobre a agência mãe, o NSA. Mesmo com o Sidney Sheldon tendo escancarado as portas do órgão, num livro cujo título me foge, mas sei que tem duas partes: O Caçador e o Caçado, mesmo assim, demorou quase uma década para o NSA estrelar pra valer, junto com a velha e boa CIA, no cinema.
O que chama a atenção em “Body of Lies” não está no vai e vem balístico, mas na maneira como a coisa é tratada, da América, com o Russel Crowe orquestrando, ao Iraque, com o Leonardo executando.
Para sorte do espectador, os dois trabalham na mesma agência.
Como eles conduzem a coisa? Com uma banalidade de doer e no entanto, é como é. Russel, burocrata, enquanto literalmente leva os filhos no toalete, na escola, no shopping, vai falando com Leonardo pelo celu. Dando as coordenadas. Quem morre e quem vive é decidido do mesmo jeito que você escolhe couve flor na feira. Quando Russel não pajeia os filhos, está na Agência, assistindo “em tempo real” o corre-corre em Bagdá, com a mesma fidelidade de imagem que você assiste Bangu x Angu. É a crocante modernidade. Satélites são chamados ou afastados como quem lida com um animal de estimação.
O que me parece num primeiro momento pouco verossímil, é o Di Caprio passar por um nascido no Oriente Médio. Frederick Forsyth que o diga. Todo o livro “O Punho de Deus”, gira em torno da atuação de um clandestino em Bagdá. Enfim... de um lado a indústria do cinema, de outro a nova realidade, diversa da romanceada por Forsyth, já que a “mais antiga cidade do mundo” está invadida, o que valida o ator em campo.
Di Caprio é um agente extremamente eficiente, com trânsito livre nos altos escalões da informação do Iraque, Jordânia e confins. Tratando-se desse ator, não poderia ser um agente qualquer, ou, se moldar naquilo que se supõe que seja um agente.
E se for um retrato dos tempos? Di Caprio executa, lidera, tortura(?) e demite. Está longe de ser um pau mandado, necessitando da benção do chefe lá em Langley. Escreveu não leu, é com ele mesmo. Tanto é que o chefe vem acompanhar de perto as transações.
Em se tratando do Ridley, vale observar: já fez melhor, não vale dizer: trata-se de um diretor infalível, vale lembrar: é o Ridley.
Vale noticiar que em 14/02, às 11:30 da manhã, adentramos na Era de Aquário. Uma de suas atribuições, para os próximos dez séculos, vem traduzida como “Milênio da Paz”.
PS (Tem um truque na aparência do Di Caprio. De longe ele lembra um nativo. Chegou perto, já era...).