Minority Report - Resenha sobre características da Modernidade
O presente artigo consiste em um estudo do filme Minority Report (uma produção estadunidense que retrata o futuro alternativo da sociedade com o advento da modernidade e do progresso tecnológico) através do pensamento do filósofo e sociólogo Jürgen Habermas e do pensamento deo sociólogo inglês Anthony Giddens. Inicio com uma resenha da obra estudada e sigo posteriormente com uma análise desta utilizando os conceitos e a linha de pensamento dos autores mencionados, a fim de se obter um resultado satisfatório quanto à compreensão básica de suas teorias e sua aplicação na interpretação de situações.
Minority Report, filme produzido por Steven Spielberg, ano de 2002, é uma ficção que retrata como seria o mundo do futuro, onde os avanços da modernidade possibilitam a geração de um sistema criado para coibir a violência e proteger os indivíduos deles mesmos, ou melhor, de seu mal. Recebeu um acréscimo em seu título na tradução para o português: A Nova Lei. Se traduzíssemos literalmente o título teríamos: O Relatório da Minoria. De fato, esses são mesmo o sentido da trama.
A cidade é Washington, no ano de 2054. O detetive John Anderson (interpretado por Tom Cruise) é chefe do Departamento de Pré-Crimes, que está há seis anos em prática. Lamar Burges, criador e diretor do programa, defende a implementação deste a nível nacional, e, para tanto, é preciso provar à sociedade e ao governo de seu país que seu sistema é eficaz e, principalmente, infalível, sob a promessa de “assegurar que o que nos mantém seguros também nos mantém livres”.
O Departamento de Pré-Crimes consiste em um órgão de defesa privado que assiste a população da capital na prevenção de crimes que irão, até certo ponto, inevitavelmente acontecer. Isso graças a três jovens com sentidos paranormais, chamados de pré-cognitivos, que possuem o ambicioso dom de prever o futuro, antever assassinatos e outros crimes hediondos, minutos ou horas antes deles acontecerem. As imagens de suas visões são enviadas a um computador que as transfere para arquivos visuais, onde cabe aos policiais encarregados descobrir onde se encontra o criminoso e prendê-lo antes que seja tarde demais. O que acontece é que a pessoa, quando surpreendida pela equipe de segurança, estaria prestes a cometer o crime, porém sem tê-lo cometido. Não há forma de julgamento como conhecemos e a pessoa pré-criminosa é confinada numa prisão como se tivesse cometido efetivamente o crime, que, a princípio, inevitavelmente cometeria.
Isto afronta até então as leis conhecidas da relação espaço - tempo, e essa controvérsia traz um agente federal especialmente enviado pelo governo para averiguar se não há falhas nesse sistema. Ao conhecer o departamento, ele confessa que a ciência roubou a maioria dos milagres... mas nos dá a esperança no divino”, referindo-se à deificação dos chamados pré-cogs. Os integrantes do órgão concordam: “Trabalhamos alterando o destino das pessoas; parecemos sacerdotes e não policiais”.
O conflito tem início quando o próprio detetive Anderson se vê em uma das visões dos pré-cogs como o próximo assassino, e de alguém que ele nem conhece. Agora, o sistema que sempre defendeu está contra ele, e sua única alternativa é fugir e tentar entender os segredos ainda escondidos intencionalmente a respeito do Minority Report, pois só eles podem ajudá-lo a inocentá-lo e provar de uma vez por todas se o sistema realmente funciona. Em sua fuga ele se vê em um paradoxo: se ele conseguir evitar matar quem ele afirma que não matará o sistema que ele tanto confia admitirá falhas e todo o seu universo ruirá, expondo como obsoleto tudo o que até agora foi conquistado, porém, se matar o homem, pois também acredita ser impossível fugir de seu destino, de seu futuro, quanto mais tente se afastar dele, mais dele se aproximará, e terá de passar o resto de sua vida confinado na prisão, mas comprovando a eficácia do programa.
Até o final do filme, Anderson comprova que o sistema que tanto se confia poderia ser manipulado pelo fator humano e se dá conta de que existe uma realidade alternativa para todos, e o futuro pode ser mudado através das escolhas que fazemos, mesmo conhecendo esse futuro. E ao invés de ser lançado em nível nacional, o programa de Pré-Crimes é cancelado e abandonado, e seus presos, soltos. E o único jeito encontrado de se manter os pré-cogs longe de tanta dor mediante sua capacidade de antever crimes hediondos foi isolá-los em uma ilha distante de todo o resto da civilização, de toda a modernidade.
Análise:
Na visão de Habermas, o projeto dos pré-cogs não seria nem uma isonomia tampouco uma isegoria. Pois uma vez que aquela representa uma igualdade de leis e esta, uma igualdade de palavra, um sistema de sociedade ideal para o pensador seria uma sociedade onde as pessoas teriam o mesmo direito de voz e vez, independente de seu status social. A verdadeira democracia deveria nascer de uma discussão através do consenso, chamada de eubolia, de onde viriam ou se modificariam as leis, ou em suas palavras, as nomos. A trama se passa na capital dos Estados Unidos, que se consideram o maior, senão o único ícone mundial da verdadeira Democracia. Mas, na verdade, o Minority Report, a “Palavra da Minoria”, como nova lei, está acima da lei, acima e fora da democracia, não há igualdade de voz entre o julgador e o acusado, ou seja, não há o que Habermas chama de unidade, que só pode existir através do consenso, que é diferente da consciência isolada, que, por sua vez, é exatamente o que acontece no Departamento de Pré-Crimes.
Ainda nesta visão, a linguagem deste sistema, e a própria linguagem dos pré-cognitivos, são inquestionáveis, estão acima da linguagem da maioria, para não dizer, de toda a sociedade exceto eles. Como essa linguagem é estratégica, alcança o poder sobre os outros. Como ela visa o poder, visa a dominação sobre os outros, e, por fim, se visa a dominação não visa o entendimento. Por essas razões, essa forma de linguagem não pode ser concebida como ideal na teoria de Habermas. De fato, em nenhum momento o projeto do ambicioso Lamar Burges visa à integração entre os homens, mas sim a dominação sobre eles, para, ironicamente, protegê-los, tornar o status quo seguro e livre, mas, na verdade, controlado, dominado.
Segundo a Teoria da Ação Comunicativa, de Habermas, assim como a proposta inicial da Escola de Frankfurt, era preciso encontrar os fundamentos ideológicos da dominação social, através da prática do esclarecimento, para vir a desocultar todos os mecanismos dessa dominação social em todas as formas, alcançando o seu fim, que é a emancipação do homem.
Sua teoria também abrange a questão da modernidade. Diferente de Max Weber – que acreditava numa dialética negativa do progresso, na qual a civilização ocidental chegara a um impasse de não mais conseguir promover progresso, mas somente evolução tecnológica, o que não é necessariamente progresso –, Habermas cria que havia um jeito de se superar essa dialética negativa: através da política do esclarecimento, uma crítica a ideologia da Racionalidade no Ocidente. Habermas também defendia que deveria haver uma distinção, dentro da razão técnico-instrumental, entre lidar com a natureza e lidar com o homem. Tal razão deveria se ocupar da estratégia de poder sobre o mundo material, dos objetos. No entanto, para se pensar o social haveria de adquirirmos a Razão Comunicativa.
Para isso, é preciso uma mudança de paradigma. Como já visto, para pensar o social, ou seja, a ação, ou melhor, a interação entre os homens, é necessário o uso da linguagem, da comunicação, que é o entendimento entre os homens. Nesse ponto podemos ver que existe aí uma crítica também a Marx, uma vez que, para este, deveria se pensar o social através do trabalho, dos modos de produção.
Enfim, conceitos como entendimento e integração são fundamentais para se compreender a Teoria da Ação Comunicativa, que só é possível através de uma razão comunicativa, discursiva, nascida da intersubjetividade, onde o progresso realmente válido é o prático-moral, que é o início da igualdade social, da isegoria, da igualdade nas palavras, o que leva à integração entre os homens, a verdadeira Democracia.
Minority Report é uma obra de ficção sobre como seria a sociedade com o avanço cada vez mais acelerado da Modernidade, e é sobre isso que Anthony Giddens discorre em sua teoria. Ele inicia sua linha de pensamento definindo o que é a modernidade. Esta se define pela característica de promover constantes mudanças, e é conhecida pela valorização da escrita, pelo olhar para o futuro, pelo controle do destino, e pela formação do Estado-Nação. Ela também abrange a ruptura com a idéia de comunidade, da política medieval, da prática teológica, abrange a Descontinuidade, que se apresenta em um ritmo de mudança, de invasão de fora para dentro, que é a natureza própria das instituições modernas. Não podemos nos esquecer que, com o advento da modernidade, existe uma dependência de novas fontes de energia, tudo se transforma em mercadoria. Além disso, como se nota no filme, há um dinamismo tal que separa o tempo do espaço, gera mesmo um desencaixe, uma ordenação e reordenação reflexiva das coisas, da ordem das coisas e suas regras. O tempo é padronizado, o futuro é um real concreto. Não só as distâncias ficaram menores com o advento da tecnologia, dos meios de comunicação, e da globalização, mas o próprio futuro se faz presente e real através das visões dos pré-cogs. Esses sistemas de desencaixe se dão através do que Giddens chamou de Fichas Simbólicas, Sistemas Abstratos (ou Sistemas Peritos).
O filme também estampa a importância da diferença entre o leigo e os que detêm o poder da especialização científica, os peritos, pois quem detém o conhecimento detém o poder. O saber, o domínio sobre o espaço e o tempo, todo este controle sobre a natureza e o homem traz o monopólio da verdade, uma apropriação de um conhecimento especializado que só um pequeno grupo possui, o que o leva a dominar sobre os demais. Essa é uma modernidade reflexiva, onde o deter conhecimento não se baseia no estar certo ou errado mas em formar leigos e peritos.
O poder diferencial se encontra realmente nos próprios pré-cogs, pois só eles têm a capacidade de conhecer o futuro, são peritos nisso, algo que o resto da humanidade decerto não têm. Mas essa capacidade pessoal se transfere àqueles que detêm o conhecimento dos pré-cogs, que são o grupo altamente restrito do Departamento de Pré-Crimes. A tradição também se revela aí. Como um elo que liga o passado com o presente, e este, com o futuro, é claro no questionamento inicial da trama se os pré-cogs não receberiam o título de sagrados pelos leigos. A tradição, com o advento da modernidade, não se extingue, mas sim se renova e toma outra face, onde o guardião do sagrado se torna o Perito. Isso é um processo de continuidade. O próprio interventor federal discursa sobre essa deificação através do teor sagrado a que são tratados, sendo o lugar onde eles se encontram chamado mesmo de Templo e sua equipe considerando aceitável a analogia que lhes cabe de Sacerdotes, guardiões da tradição. Cabe a eles a interpretação do que é a real tradição. A diferenciação está entre o “eu” e o “outro”, o que está dentro deste grupo e os que estão fora. E é necessário que quem esteja fora permaneça não-iniciado para que o encanto não seja quebrado, e os poderes do guardião e da tradição seriam questionados senão ultrapassados. Para isso, é necessário romper com a tradição original. Temos, agora, um processo de descontinuidade.
E, por fim, a trama se encaixa perfeitamente no impacto que Giddens teoriza sobre as conseqüências não pretendidas desse domínio de conhecimentos e valores, pois o conhecimento sobre a vida social acaba fugindo das intenções iniciais de quem as criou ou as manipula, nos remetendo a analogia do Carro de Jagrená, que consiste em um carro fora de controle, cujo destino ninguém conhece, passando por cima de tudo e de todos, sem haver como controlá-lo, mesmo que se tente dirigi-lo, e, no entanto, não se pode também fugir dele, cujas proporções se globalizam cada vez mais, gerando incertezas, mal-estar e uma fatal imprevisão do futuro, futuro este cada vez mais próximo e mais equivalente ao presente, ao real, gerando quase que uma simultaneidade de acontecimentos. Da mesma forma, a humanidade criou um mundo cada vez mais moderno, com o avanço ininterrupto da ciência e de novas tecnologias, criando, como se fosse um deus, um mundo à sua imagem e semelhança, porém, esse mundo está fora de controle, e se encontra cada vez mais distante dos ideais do Iluminismo, que acreditavam na solução para os problemas do mundo através da razão e da ciência.
O mundo se torna, assim, cada vez mais um lugar inseguro. O projeto de Pré-Crimes deseja sanar essa insegurança tentando controlar o destino das pessoas, tornando a sociedade mais segura, mesmo que isso ocasione a perda cada vez maior da privacidade, como se nota em vários pontos do filme. Mas isso não significa que a situação não fuja de controle, o que, de fato, acontece.
Uma coisa que o filme também retrata é a transitoriedade social. O programa de Pré-Crimes está em vigor faz um tempo considerável, mas ainda não é aceito por todos os setores que representam a sociedade. É preciso provar que ele funciona, visto que é um projeto piloto pronto para ser adotado em nível nacional. No entanto, quem faz parte deste sistema acredita que ele não gera dúvidas, é perfeito e infalível, mas o filme deixa claro que esta dúvida na ciência existe e é justamente essa dúvida que gera o conflito na trama e faz com que o protagonista busque a verdade através de suas dúvidas.
Quanto às tentativas sempre frustradas de se fugir deste Carro de Jagrená, não significa que as pessoas não acreditem que seja possível obter êxito, como demonstrado na atitude do detetive Anderson quando o sistema está contra ele. Em suas próprias palavras, quando tentam convencê-lo de se entregar, de que é impossível escapar, ele contradiz: “Todo mundo foge, todo mundo foge...”.
Assim, com o advento da Modernidade e os avanços da tecnologia, a teoria de Giddens se confirma na história de Minority Report, onde todo esse controle gerou uma grande insegurança e mal-estar na sociedade, ao invés de liberdade e segurança, ou seja, o sistema tão defendido por seus peritos criadores saiu controle e tomou proporções imprevistas e fatalistas. Esse é o grande perigo da modernidade.
O presente artigo consiste em um estudo do filme Minority Report (uma produção estadunidense que retrata o futuro alternativo da sociedade com o advento da modernidade e do progresso tecnológico) através do pensamento do filósofo e sociólogo Jürgen Habermas e do pensamento deo sociólogo inglês Anthony Giddens. Inicio com uma resenha da obra estudada e sigo posteriormente com uma análise desta utilizando os conceitos e a linha de pensamento dos autores mencionados, a fim de se obter um resultado satisfatório quanto à compreensão básica de suas teorias e sua aplicação na interpretação de situações.
Minority Report, filme produzido por Steven Spielberg, ano de 2002, é uma ficção que retrata como seria o mundo do futuro, onde os avanços da modernidade possibilitam a geração de um sistema criado para coibir a violência e proteger os indivíduos deles mesmos, ou melhor, de seu mal. Recebeu um acréscimo em seu título na tradução para o português: A Nova Lei. Se traduzíssemos literalmente o título teríamos: O Relatório da Minoria. De fato, esses são mesmo o sentido da trama.
A cidade é Washington, no ano de 2054. O detetive John Anderson (interpretado por Tom Cruise) é chefe do Departamento de Pré-Crimes, que está há seis anos em prática. Lamar Burges, criador e diretor do programa, defende a implementação deste a nível nacional, e, para tanto, é preciso provar à sociedade e ao governo de seu país que seu sistema é eficaz e, principalmente, infalível, sob a promessa de “assegurar que o que nos mantém seguros também nos mantém livres”.
O Departamento de Pré-Crimes consiste em um órgão de defesa privado que assiste a população da capital na prevenção de crimes que irão, até certo ponto, inevitavelmente acontecer. Isso graças a três jovens com sentidos paranormais, chamados de pré-cognitivos, que possuem o ambicioso dom de prever o futuro, antever assassinatos e outros crimes hediondos, minutos ou horas antes deles acontecerem. As imagens de suas visões são enviadas a um computador que as transfere para arquivos visuais, onde cabe aos policiais encarregados descobrir onde se encontra o criminoso e prendê-lo antes que seja tarde demais. O que acontece é que a pessoa, quando surpreendida pela equipe de segurança, estaria prestes a cometer o crime, porém sem tê-lo cometido. Não há forma de julgamento como conhecemos e a pessoa pré-criminosa é confinada numa prisão como se tivesse cometido efetivamente o crime, que, a princípio, inevitavelmente cometeria.
Isto afronta até então as leis conhecidas da relação espaço - tempo, e essa controvérsia traz um agente federal especialmente enviado pelo governo para averiguar se não há falhas nesse sistema. Ao conhecer o departamento, ele confessa que a ciência roubou a maioria dos milagres... mas nos dá a esperança no divino”, referindo-se à deificação dos chamados pré-cogs. Os integrantes do órgão concordam: “Trabalhamos alterando o destino das pessoas; parecemos sacerdotes e não policiais”.
O conflito tem início quando o próprio detetive Anderson se vê em uma das visões dos pré-cogs como o próximo assassino, e de alguém que ele nem conhece. Agora, o sistema que sempre defendeu está contra ele, e sua única alternativa é fugir e tentar entender os segredos ainda escondidos intencionalmente a respeito do Minority Report, pois só eles podem ajudá-lo a inocentá-lo e provar de uma vez por todas se o sistema realmente funciona. Em sua fuga ele se vê em um paradoxo: se ele conseguir evitar matar quem ele afirma que não matará o sistema que ele tanto confia admitirá falhas e todo o seu universo ruirá, expondo como obsoleto tudo o que até agora foi conquistado, porém, se matar o homem, pois também acredita ser impossível fugir de seu destino, de seu futuro, quanto mais tente se afastar dele, mais dele se aproximará, e terá de passar o resto de sua vida confinado na prisão, mas comprovando a eficácia do programa.
Até o final do filme, Anderson comprova que o sistema que tanto se confia poderia ser manipulado pelo fator humano e se dá conta de que existe uma realidade alternativa para todos, e o futuro pode ser mudado através das escolhas que fazemos, mesmo conhecendo esse futuro. E ao invés de ser lançado em nível nacional, o programa de Pré-Crimes é cancelado e abandonado, e seus presos, soltos. E o único jeito encontrado de se manter os pré-cogs longe de tanta dor mediante sua capacidade de antever crimes hediondos foi isolá-los em uma ilha distante de todo o resto da civilização, de toda a modernidade.
Análise:
Na visão de Habermas, o projeto dos pré-cogs não seria nem uma isonomia tampouco uma isegoria. Pois uma vez que aquela representa uma igualdade de leis e esta, uma igualdade de palavra, um sistema de sociedade ideal para o pensador seria uma sociedade onde as pessoas teriam o mesmo direito de voz e vez, independente de seu status social. A verdadeira democracia deveria nascer de uma discussão através do consenso, chamada de eubolia, de onde viriam ou se modificariam as leis, ou em suas palavras, as nomos. A trama se passa na capital dos Estados Unidos, que se consideram o maior, senão o único ícone mundial da verdadeira Democracia. Mas, na verdade, o Minority Report, a “Palavra da Minoria”, como nova lei, está acima da lei, acima e fora da democracia, não há igualdade de voz entre o julgador e o acusado, ou seja, não há o que Habermas chama de unidade, que só pode existir através do consenso, que é diferente da consciência isolada, que, por sua vez, é exatamente o que acontece no Departamento de Pré-Crimes.
Ainda nesta visão, a linguagem deste sistema, e a própria linguagem dos pré-cognitivos, são inquestionáveis, estão acima da linguagem da maioria, para não dizer, de toda a sociedade exceto eles. Como essa linguagem é estratégica, alcança o poder sobre os outros. Como ela visa o poder, visa a dominação sobre os outros, e, por fim, se visa a dominação não visa o entendimento. Por essas razões, essa forma de linguagem não pode ser concebida como ideal na teoria de Habermas. De fato, em nenhum momento o projeto do ambicioso Lamar Burges visa à integração entre os homens, mas sim a dominação sobre eles, para, ironicamente, protegê-los, tornar o status quo seguro e livre, mas, na verdade, controlado, dominado.
Segundo a Teoria da Ação Comunicativa, de Habermas, assim como a proposta inicial da Escola de Frankfurt, era preciso encontrar os fundamentos ideológicos da dominação social, através da prática do esclarecimento, para vir a desocultar todos os mecanismos dessa dominação social em todas as formas, alcançando o seu fim, que é a emancipação do homem.
Sua teoria também abrange a questão da modernidade. Diferente de Max Weber – que acreditava numa dialética negativa do progresso, na qual a civilização ocidental chegara a um impasse de não mais conseguir promover progresso, mas somente evolução tecnológica, o que não é necessariamente progresso –, Habermas cria que havia um jeito de se superar essa dialética negativa: através da política do esclarecimento, uma crítica a ideologia da Racionalidade no Ocidente. Habermas também defendia que deveria haver uma distinção, dentro da razão técnico-instrumental, entre lidar com a natureza e lidar com o homem. Tal razão deveria se ocupar da estratégia de poder sobre o mundo material, dos objetos. No entanto, para se pensar o social haveria de adquirirmos a Razão Comunicativa.
Para isso, é preciso uma mudança de paradigma. Como já visto, para pensar o social, ou seja, a ação, ou melhor, a interação entre os homens, é necessário o uso da linguagem, da comunicação, que é o entendimento entre os homens. Nesse ponto podemos ver que existe aí uma crítica também a Marx, uma vez que, para este, deveria se pensar o social através do trabalho, dos modos de produção.
Enfim, conceitos como entendimento e integração são fundamentais para se compreender a Teoria da Ação Comunicativa, que só é possível através de uma razão comunicativa, discursiva, nascida da intersubjetividade, onde o progresso realmente válido é o prático-moral, que é o início da igualdade social, da isegoria, da igualdade nas palavras, o que leva à integração entre os homens, a verdadeira Democracia.
Minority Report é uma obra de ficção sobre como seria a sociedade com o avanço cada vez mais acelerado da Modernidade, e é sobre isso que Anthony Giddens discorre em sua teoria. Ele inicia sua linha de pensamento definindo o que é a modernidade. Esta se define pela característica de promover constantes mudanças, e é conhecida pela valorização da escrita, pelo olhar para o futuro, pelo controle do destino, e pela formação do Estado-Nação. Ela também abrange a ruptura com a idéia de comunidade, da política medieval, da prática teológica, abrange a Descontinuidade, que se apresenta em um ritmo de mudança, de invasão de fora para dentro, que é a natureza própria das instituições modernas. Não podemos nos esquecer que, com o advento da modernidade, existe uma dependência de novas fontes de energia, tudo se transforma em mercadoria. Além disso, como se nota no filme, há um dinamismo tal que separa o tempo do espaço, gera mesmo um desencaixe, uma ordenação e reordenação reflexiva das coisas, da ordem das coisas e suas regras. O tempo é padronizado, o futuro é um real concreto. Não só as distâncias ficaram menores com o advento da tecnologia, dos meios de comunicação, e da globalização, mas o próprio futuro se faz presente e real através das visões dos pré-cogs. Esses sistemas de desencaixe se dão através do que Giddens chamou de Fichas Simbólicas, Sistemas Abstratos (ou Sistemas Peritos).
O filme também estampa a importância da diferença entre o leigo e os que detêm o poder da especialização científica, os peritos, pois quem detém o conhecimento detém o poder. O saber, o domínio sobre o espaço e o tempo, todo este controle sobre a natureza e o homem traz o monopólio da verdade, uma apropriação de um conhecimento especializado que só um pequeno grupo possui, o que o leva a dominar sobre os demais. Essa é uma modernidade reflexiva, onde o deter conhecimento não se baseia no estar certo ou errado mas em formar leigos e peritos.
O poder diferencial se encontra realmente nos próprios pré-cogs, pois só eles têm a capacidade de conhecer o futuro, são peritos nisso, algo que o resto da humanidade decerto não têm. Mas essa capacidade pessoal se transfere àqueles que detêm o conhecimento dos pré-cogs, que são o grupo altamente restrito do Departamento de Pré-Crimes. A tradição também se revela aí. Como um elo que liga o passado com o presente, e este, com o futuro, é claro no questionamento inicial da trama se os pré-cogs não receberiam o título de sagrados pelos leigos. A tradição, com o advento da modernidade, não se extingue, mas sim se renova e toma outra face, onde o guardião do sagrado se torna o Perito. Isso é um processo de continuidade. O próprio interventor federal discursa sobre essa deificação através do teor sagrado a que são tratados, sendo o lugar onde eles se encontram chamado mesmo de Templo e sua equipe considerando aceitável a analogia que lhes cabe de Sacerdotes, guardiões da tradição. Cabe a eles a interpretação do que é a real tradição. A diferenciação está entre o “eu” e o “outro”, o que está dentro deste grupo e os que estão fora. E é necessário que quem esteja fora permaneça não-iniciado para que o encanto não seja quebrado, e os poderes do guardião e da tradição seriam questionados senão ultrapassados. Para isso, é necessário romper com a tradição original. Temos, agora, um processo de descontinuidade.
E, por fim, a trama se encaixa perfeitamente no impacto que Giddens teoriza sobre as conseqüências não pretendidas desse domínio de conhecimentos e valores, pois o conhecimento sobre a vida social acaba fugindo das intenções iniciais de quem as criou ou as manipula, nos remetendo a analogia do Carro de Jagrená, que consiste em um carro fora de controle, cujo destino ninguém conhece, passando por cima de tudo e de todos, sem haver como controlá-lo, mesmo que se tente dirigi-lo, e, no entanto, não se pode também fugir dele, cujas proporções se globalizam cada vez mais, gerando incertezas, mal-estar e uma fatal imprevisão do futuro, futuro este cada vez mais próximo e mais equivalente ao presente, ao real, gerando quase que uma simultaneidade de acontecimentos. Da mesma forma, a humanidade criou um mundo cada vez mais moderno, com o avanço ininterrupto da ciência e de novas tecnologias, criando, como se fosse um deus, um mundo à sua imagem e semelhança, porém, esse mundo está fora de controle, e se encontra cada vez mais distante dos ideais do Iluminismo, que acreditavam na solução para os problemas do mundo através da razão e da ciência.
O mundo se torna, assim, cada vez mais um lugar inseguro. O projeto de Pré-Crimes deseja sanar essa insegurança tentando controlar o destino das pessoas, tornando a sociedade mais segura, mesmo que isso ocasione a perda cada vez maior da privacidade, como se nota em vários pontos do filme. Mas isso não significa que a situação não fuja de controle, o que, de fato, acontece.
Uma coisa que o filme também retrata é a transitoriedade social. O programa de Pré-Crimes está em vigor faz um tempo considerável, mas ainda não é aceito por todos os setores que representam a sociedade. É preciso provar que ele funciona, visto que é um projeto piloto pronto para ser adotado em nível nacional. No entanto, quem faz parte deste sistema acredita que ele não gera dúvidas, é perfeito e infalível, mas o filme deixa claro que esta dúvida na ciência existe e é justamente essa dúvida que gera o conflito na trama e faz com que o protagonista busque a verdade através de suas dúvidas.
Quanto às tentativas sempre frustradas de se fugir deste Carro de Jagrená, não significa que as pessoas não acreditem que seja possível obter êxito, como demonstrado na atitude do detetive Anderson quando o sistema está contra ele. Em suas próprias palavras, quando tentam convencê-lo de se entregar, de que é impossível escapar, ele contradiz: “Todo mundo foge, todo mundo foge...”.
Assim, com o advento da Modernidade e os avanços da tecnologia, a teoria de Giddens se confirma na história de Minority Report, onde todo esse controle gerou uma grande insegurança e mal-estar na sociedade, ao invés de liberdade e segurança, ou seja, o sistema tão defendido por seus peritos criadores saiu controle e tomou proporções imprevistas e fatalistas. Esse é o grande perigo da modernidade.