As cabeças apagadas do mundo
Via-se, da varanda daquele apartamento arrumado, uma mulher gorda, com uma roupa amarela, parada com um braço esticado segurando seu corpo contra a parede de uma velha casa. Ela olhava para a rua e nada fazia. Outras pessoas, ao seu lado, se prostravam da mesma forma na calçada. Elas olhavam para frente, nada diziam. Um casal se beijava e trocava carícias. Ninguém os olhava. Na varande, com uma visão patética, eu olhava para a mulher, tampouco eu estava fazendo algo naquela cena.
Em Eraserhead, de David Lynch, um homem engravida sua namorada que dá a luz a um bebê prematuro. O bebê, um monstro, altera a vida de todos: eles se casam e o bebê chora. Ele não pára. Não come. Não dorme. As pessoas são personagens incompreendidos. A vizinha atraente. A esposa tristonha. O homem sem qualidades. Todos estranham-se em seus papéis, mas encaixam-se perfeitamente em seus papéis. Assiste-se a esse filme e se pensa: “De onde poderia se tirar uma visão do mundo dessa forma? Afinal, as pessoas não são assim.”
A mulher de amarelo é daquele modo. Ela é o seu personagem, uma boneco, um desenho, um quadro pintado na paisagem da rua. À sua frente, um bar toca músicas, os bêbados não a percebem. No bar, um homem urina no muro. Em uma casa ao lado, alguém liga para a polícia. Na rua, em frente, um homem trota com seu cavalo marrom. Ninguém o percebe. O bebê prematuro de Eraserhead está em cada pessoa nesse lugar.