"Conduta de risco" (Michael Clayton)
"Conduta de risco" (Michael Clayton)
Figura entre os melhores do ano. Pode apostar. Mas não precisa apostar comigo, porque em questões de gosto, não existe ganhador.
Encare como um desabafo. Sei, o ano ainda não acabou.
Ainda há tempo de ganhar na loteria.
O desabafo, porém, é mais embaixo.
Assisti pela primeira vez em maio. A segunda em agosto. A terceira em agosto. Pelas leis das probabilidades que me governam, assistirei a quarta quando terminar a resenha.
Primeiro engano: Direção, Sidney Pollack. Toda vez que eu vejo um filme desse cara, fico pensando naquela história das várias inteligências, que a cada ano eles aumentam um número, começou com 7... Acho que a do Sidney reúne mais de um dígito. Em “Conduta...” ele interpreta. Mais ou menos o mesmo papel que fez no último filme do Stanley Kubrick. Isso mesmo, aquele com o Cruise e a Nicole, eles discutem, e o Cruise vai parar numa festa que, os que se ufanam de terem ido numa rave da pesada, mal sabem o que a terceira idade poderosa apronta no norte do hemisfério. Enfim, é o papel do poderoso. Naquele ele joga sinuca. Nesse ele dá as cartas.
Retificando o erro: Quem dirige e assina o roteiro chama-se Tony Gilroy . (Roteirizou todos os Bournes).
“Conduta de risco” é um título simbólico, que nem por tentativa e erro acertaria na essência do filme, cujo titulo original é “Michael Clayton”. Enquanto título, o traduzido não chama a atenção da inteligência, já que esta capta o som dessas palavras e o transporta para a mesmice. Desconheço, todavia, o alcance do sucesso, oficial ou paralelo, que a obra tenha obtido, seja no seu lugar de origem ou em qualquer parte.
Sei que um dos produtores é o Steve Soderbergh.
O Pollack também ataca de produtor.
George Clooney também.
A comunicação, tanto do pôster no cinema, quanto a do DVD, é a mesma. Nem sempre acontece assim. Deveria. A isso denominam comunicação integrada. Expressa a comunicação: George Clooney no melhor papel de sua carreira. Não há como processar os caras por propaganda enganosa.
Já me perguntei em que momento, na linha do tempo, passei a colocar palavras explicativas sobre o hábito de ver de novo um filme. E apreciar ainda mais. Por hora, as palavras são: na primeira tem-se um apanhado geral do trabalho. Na segunda, já sabendo do enredo, vem os detalhes. Na terceira, a intenção do trabalho. “Cidade de Deus”, assisti umas 5 vezes. “Bossa Nova”, três, na mesma semana. “O campo dos sonhos”, perdi a conta.
Nós que aqui estamos, no século 21, com uma certa instrução, fazendo uso inclusive de aparelhos e meios que exigem instrução mínima, tais como computador e internet, não precisamos de uma medalha no peito para percebermos que o multimídia cinema atua no multimídia ser humano. Fala sério. Não carece ser formado em comunicação ou medicina para sacar que cinema comunica pra tudo quanto é lado.
No meu caso, afastado da inteligência mas sob o umbral da persistência, assisti “Conduta...” pela segunda pois boiei na primeira.
Na segunda fez tcham, e a terceira foi para apreciar o espetáculo, sendo assim a hora do tcham- tcham- tcham- tcham.
Tony Gilroy também se empenhou em não facilitar nada.
Pelo menos pra mim.
“Michael Clayton” singra em boa parte dos problemas modernos ou assim colocados, através de amigos, família, trabalho, sendo que nesse último ele se intitula um “zelador”. É um personagem mais do que plausível quando se pensa em grandes corporações, e nos infindáveis mecanismos de tapa-buracos que as mesmas utilizam, quando pisam na jaca. Trata-se daquilo que não sai nos jornais. A mais que famosa trama dos bastidores. Alguém tem de estar atrás do palco, segurando uma corda, para que tudo não desabe. Esse é o Michael Clayton. Onde ele ganha aspas e se torna um filme digno de nota é na sutileza que realizou o antigo jogo de luz e sombra, para despistar o lugar comum.
Plausível poderia inclusive ser a generalização do trabalho. É um termo que se encaixa em toda a extensão. Plausível uma multinacional de fertilizantes ter vendido gato por lebre. Plausível a diretora executiva do negócio (Tilda Swinton ), jogar enviesado. Plausível o advogado Edward (Tom Wilkinson ) entrar em surto. Plausível o zelador Michael tentar equilibrar tudo.
Eles não atacam com o ângulo de “inspirado em fatos reais”. Mas fala-se com uma elegância de se tirar o chapéu, do mesmo assunto de “Erin Brokovich” e “Class Action”. Ainda que o primeiro seja baseado em fatos e deu à Julia Roberts um dos melhores papéis de sua carreira, e o segundo, uma boa história plausível, com Gene Hackman, ambos são a canção da denúncia acerca do comportamento abusivo do Big Business sobre o pobre mortal. Ambos são histórias de tribunais. “Conduta de risco” não. Mas o abuso proposto é pertinente e portanto de fácil assimilação.
Em “Class Action”, a boa história devaneia sobre uma montadora hipotética, onde um dos modelos tem defeito de fabricação, e chegam a conclusão de que é mais barato indenizar as vitimas do que refazer o carro. Abuso, porque concluem isso através dos cálculos . Quando o carro foi lançado no mercado, já sabiam. Processos seriam uma questão de tempo e do número estimado de vitimas. Big Business. Milhões, bilhões. Que importa se um carro explodiu?
Na guerra contra o tabaco nos EUA pré-crise, em 98, o governo tinha uma verba de 40 milhões e 50 advogados, versus as multinacionais do tabaco, cada qual com quase um bilhão, e duzentos advogados.
Eis o mecanismo da coisa.
A trama do “Michael Clayton”, enquanto trama, tem passo de bailarina. Inexistem os capangas de seriados e tribunais vezes sem fim. O que existe é a possibilidade de que isso aconteça, mas não vai acontecer. Perseguidores e perseguidos sequer se encontram. Tudo apenas dando a impressão. Não por uma questão de truque de roteiro. Mas porque mostra o lado profissional, asséptico das condutas. A turma à soldo das grandes corporações está à altura de seus patrões. Seria um processo triliardário, caso o advogado em surto começasse a cacarejar. Pois um belo dia ele acordou e viu participando-se como cúmplice numa questão que gera veneno para a terra e mata os que dela se alimentam.
Longe de ser um filme de ação ou o que convencionalmente se rotula, por preguiça ou falta de termo, um suspense. “Conduta...” é um filme sobre a ética dos tempos que correm, sobre os posicionamentos que cada um toma quando a ética bate à sua porta.
Michael está há quase 20 anos numa grande firma de advocacia. Tem diploma e tudo o mais, mas converteu-se num ponta de lança entre as sombras. Há o momento em que ele reclama com o patrão Pollack porque não está no tribunal. O patrão lhe responde que qualquer um pode fazer isso, mas ninguém faz tão bem o que ele faz.
Outro dia passou um documentário sobre o centro avante Toninho Guerreiro. Os jogadores contemporâneos, Dias e Pedro Rocha,
do mesmo time - o tricolor paulistano – (antes ele jogou no Santos), falam que o Toninho dava a impressão de que não ia funcionar.
Mas funcionava, e muito. Tanto que, no período 66 a 71, fez mais gols que o Pelé no campeonato paulista. Além de ser o único jogador, até hoje, pentacampeão consecutivo. Mas dava a impressão...
“Michael Clayton” dá o mesmo nó no observador. Tanto o personagem, como o filme, que leva o seu nome.