“Jogo de espiões” (Spy game)

“Jogo de espiões” (Spy game)

Não é uma novidade. E também não é da safra do “tudo em close”, uma estranha epidemia que acometeu Hollywood no começo deste século, e que parece já ter passado. Graças. Porque aquilo que a câmara capta, é o que você vai ver. Sim, sei que é uma altíssima revelação esotérica, mas de que vale preocupar-se, já que o próprio filme também foi revelado?

Brad Pitt integra o time dos bons atores desde os tempos que pegou uma carona com a Thelma e a Louise.

Tony Scott integra o time dos bons diretores desde os tempos em que o irmão dele dirigiu “Thelma & Louise”.

Robert Redford provou que joga nos dois times, ao longo do tempo.

Espião retratado na literatura e no cinema, com exceção da linha James Bond, era um sujeito cujo grande truque para a brevidade ou não da sua existência consistia numa única palavra: malandragem.

Malandragem traz consigo um baralho pequenininho, com as seguintes figuras perenes: discrição, silêncio, maleabilidade, cara de pau, sorte. Ah, e um pouco de inteligência. Assim, pois, se portavam os espiões romanceados, até meados dos 90. Existe pouco romance na espionagem em si, por isso é tão romanceada.

Robert Redford, evidentemente, mostra como um cara da velha guarda tem de se portar no meio da jovem guarda, cuja malandragem é apertar os botões certos de engenhocas mil, além de se movimentar como um ginasta olímpico e demonstrar o estoicismo de um faquir.

Novos tempos. A graça de um filme como esse está apoiada no elenco, na direção, e na disposição de achar graça em filme de espião do novo milênio.

Pode tirar a pipoca do tanque, pois são 127 min.

No verso da caixinha, assim está escrito: um intrigante jogo de gato e rato em que a adrenalina vai a mil.

Isso quer dizer que, todo esforço empregado em se fazer um filme, tem por fim bolinar sua adrenalina. Curioso desígnio. Depois reclamam que, psicossomaticamente, não estamos saudáveis.

Tentaram fazer um enlatado sério. Um dos inimigos é a China. Pensa um pouco, não dá pra ser inimigo desses caras. Outro inimigo, o dos protagonistas, é a consciência deles. Consciência é o grande vilão dos que tem escrúpulos. O agente Pitt age com bastante competência como o centro avante da Agência, mas o problema é que ele pensa no próximo. Redford não pensa em ninguém, mas pensa no discípulo, que é o Pitt.

Quanto à potência asiática, roliúde cria os inimigos convenientes para a inconveniente CIA, de tempos em tempos. No mundo real, todavia, o maior carrasco da China é água, a falta de. Pesquisas do mundo real revelam que 70% da água deles não é boa de beber. Isso supera qualquer fantasia.

A trama se passa em 1991, época em que a água estava nas torneiras e não nos jornais. Pitt se meteu numa enrascada e foi parar numa prisão não muito distante de Hong Kong. No dia seguinte vai levar uma bala na nuca, com o alívio para o patologista que não terá de retirá-la, para que a mesma seja devolvida para a família do criminoso comum. Trata-se de um costume local.

282.000 US Dólar é o que o Redford tem para sua velhice, mais um folheto das Bahamas. Sei disso porque a câmera mostrou. Ele está no seu último dia de trabalho na Agência, e vai se valer de toda a malandragem possível (a câmera também vai mostrar) para salvar o amigo. Nada de geringonças tecnológicas. Tudo na conversa, na observação, no blefe. Mais o dindin para abrir as portas do/no oriente. A história da amizade deles é mostrada em flashes, desde a guerra do Vietnã, e nesse ponto entra um click subliminar. Toda vez que os gringos mostram esse conflito, colocam os Stones na vitrola. Curioso emblema de comunicação. Será para chorar os 50.000 mortos do lado deles, ou os 4.000.000 de vietnamitas?

Michael Frost Breckner assina roteiro e argumento, roteiro acima da média para uma historia média, num curriculum de poucas realizações.

No campo das curiosidades inúteis, dizem, ou diziam, que o Pitt seria o novo Redford. É o histerismo do showbizz. Alguém puxa uma cordinha, e uma trinca de trombetas passa a cacarejar: é o novo Frank Sinatra(!), é a nova Elis Regina (!), etc. Não há descanso.

Depois de tirar a pipoca do tanque, tem que por para secar. Pois ou o Redford está na Agência, driblando a burocracia que nem o Garrincha em dia de Maracanã lotado, ou está nos flashes, doutrinando o pupilo pelos vórtices da Guerra Fria, desde o tempo em que Berlin tinha muro.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 18/11/2008
Reeditado em 26/08/2013
Código do texto: T1290724
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