A arte humanizadora e ganância destruidora
No cinema muitas vezes encontramos narrações de trajetórias humanas, de vidas que se transformaram e podemos acompanhar a causa destas mudanças radicais. Em o Homem Elefante, dirigido por David Lynch, assistimos a história do personagem Jonh Merrick, que em virtude de uma doença deformadora do corpo recebeu o apelido que dá titulo ao filme. Nesta película Merrick é inicialmente um ser explorado em uma espécie de circo de horrores(freak shows), sendo submetido a castigos desumanos, sofrendo uma existência desesperada. Seu destino tem uma virada quando um médico com senso humanitário decide tratá-lo, inicialmente com interesse predominantemente científico, porém com o tempo tal interesse evolui para uma real vontade de fazer com que o “ Homem Elefante” fosse reconhecido como um ser humano digno e capaz. O estopim para esta mudança de ponto de vista do doutor é a cena em que Jonh Merrick recita o Salmo 23, texto altamente poético, de forma integral, sem que ninguém tenha lhe ensinado a totalidade dos versos. Mais que leitor da Bíblia, Merrick se revela um receptor sensível às artes, sobretudo ao teatro, e às relações humanas, desta forma o personagem central da obra cresce aos olhos do telespectador, passando de uma anomalia da natureza a um ser humano em toda a sua plenitude, apesar da doença.
Já em Balzac e a costureirinha chinesa, o que vemos é um relato que principia com a chegada de dois jovens chineses do meio urbano, a uma comunidade do interior, que foram enviados pelo governo maoísta para serem “reeducados”, isto é entrarem contato com trabalhadores rurais, aprender ofícios e se distanciarem das correntes críticas ao regime. Mas o que ocorre naquele vilarejo, isolado do mundo, é mais belo e profundo porque os jovens se envolvem amorosamente com uma moça da região, uma filha de alfaiates apelidada de costureirinha. Com intuito de educá-la tentam alfabetizá-la e quando tem acesso a livros estrangeiros proibidos, principalmente franceses e de Balzac, o triângulo amoroso vê sua concepção de mundo alterada, podendo ver nas narrativas registradas nas obras literárias o quanto grandioso é o espírito humano e como maravilhosa a vida é, quando livre de tiranias.
Ao revés da experiência das experiências dos personagens acima citados, em Ran, bela realização cinematográfica de Akira Kurosawa, assistimos a uma recriação do clássico teatral, Rei Lear de Shaskespeare, ambientado no Japão feudal, em que uma família é destruída pela ambição por poder. Quando em idade avançada e já farto de lutas e do comando dos negócios familiares, um chefe de clã decide passar o bastão para os seus filhos, passando a eles terras e responsabilidade. Na reunião em que importante decisão foi relatada dois dos três filhos concordam com a proposta do pai e se esmeram em bajulações ao progenitor, enquanto o outro filho demonstrou sinceridade e disse abertamente ao pai que tal divisão resultaria em fracasso, sendo por tal razão deserdado pelo velho senhor. Apartando-se da família aquele homem franco teria que retornar a sua cidade natal, pois os seus irmãos se revelaram sanguinários pugnadores por poder, ficando o pai abandonado a vagar próximo da demência pelas estradas, como que castigado pelos deuses. O reencontro dos dois emociona, ficando o pai a implorar perdão. O filho perdoa, porém precisa enfrentar as tropas do irmão, que pretendem eliminar o antigo líder. Assim pai e filho tentam restabelecer sua relação, mas para isto necessitam enfrentar as forças malévolas da guerra e da ambição desenfreada por propriedades e posição de comando.
Com estes exemplos, podemos constatar que o cinema pode muito nos dizer sobre nós mesmos, muito podemos ser educados. É indispensável que tenhamos abertura para os sinais.