O Ladrão de Sonhos [La Cité des Enfants Perdus, 1995]
Seu criador não o deixou a capacidade de sonhar. Sem sonhos, Krank era só um homem rabugento, um velho que continuava envelhecendo tão rápido que a vida não era nada de especial para ele. Sem sentimento algum, não chorava nem sorria, só mandava e desmandava em seus criados, isolado do mundo em sua plataforma no meio do mar. Mas ele tinha um plano, descobriu que poderia roubar os sonhos das crianças (já que adultos não sonham, são realistas demais) e com estes sonhos conseguiria não mais envelhecer e seria, enfim, um humano completo.
Porém, Krank não sabia com quem estava mexendo ao seqüestrar o “irmãozinho” de One, um brutamontes, que com a ajuda da pequena e irresistível Miette e sua trupe de infantes bandidos, percorre lugares sombrios, mofados, desolados e habitados pelos seres mais bizarros, mas ao mesmo tempo poéticamente belos. Tudo isso para salvar seu irmãozinho e acabar com o reino de terror de Krank.
Este é o pano de fundo do filme O Ladrão De Sonhos (The City of The Lost Children ou La Cité des Enfants Perdus), um longa metragem francês, lançado em 1995, com direção de Jean Paul Jeunet e Marc Caro. A dupla também dirigiu o maravilhoso Delicatessen e, Jeunet nos presenteou com o mitológico O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Em o Ladrão de Sonhos a realidade de um mundo fantástico se torna palpável através de uma cenografia e fotografia cuidadosamente elaboradas, além do estiloso figurino do famoso estilista francês Jean Paul Gaultier. Usar crianças maduras e adultos infantilizados é também uma piada deliciosa dos roteiristas.
Os filmes Europeus, diferentemente dos norte-americanos, são bastante densos e provocam reflexões mais profundas. Alguns são intragáveis com tanta referência cultural, o que não acontece com esta obra prima. Nela, elementos como o medo, o egoísmo, o altruísmo, o amor, a amizade e outros mais, são abordados em uma visão universal e acessível a todos. Inclusive, a grande beleza nisso é que todos os elementos da história conspiram para que, assim como aquele velho rabugento, nós também percebamos que sonhar faz a vida algo melhor.
A idealização das coisas, tão fora de moda nestes tempos egoístas, é louvada enquanto o “seja realista e cuide do seu traseiro” não tem outro espaço no filme, senão o de vilão. É uma visão romanceada da vida, mas, ora bolas, estamos falando de um conto de fadas moderno, não poderia ser diferente. Não poderia ser melhor.