"A Vida de David Gale" (The Life of David Gale )
"A Vida de David Gale" (The Life of David Gale )
Auto-piedade não é um bom negócio, digo, para quem sente. Para quem escreve ou filma a respeito às vezes acerta na mosca, isso porque, assim como uns gostam de ver briga de galo, o galo sangrando, ficando zarolho, etc., outros se deleitam com sofrimentos outros. O gosto, e o indiscutível desgosto de se falar sobre o gosto.
Neste cartaz, o auto piedoso trafega pelas telas com o nome de Kevin Spacey . “Precisamos falar com Kevin...”, catedrático, bom de papo, gosta de um goró, e numa festa de arromba conhece uma moça no banheiro. Corta. De fio a pavio, a vida do David/Kevin foi pro Spacey (perdão), pro espaço, tudo por causa do encontro no banheiro. Não entendo como a nossa cultura tradutória não batizou a película como “O Banheiro Maldito”. Por exemplo. Daí vem lama e auto-piedade, regados por uns 5.000 litros de cana brava, informações suficientes para você desistir do filme e da resenha com um único clique, mas, o que te mantém por aqui atende pelo nome de Kevin Spacey . Porque além de ser um ator de primeira linha, raramente faz filmes de segunda linha. E para juntar as linhas, pegar esses insalubres ingredientes e colocar nas “24 mentiras por segundo”, afinal estamos falando de um filme, um cineasta excelente dirige o espetáculo, transformando enfim a coisa toda, num espetáculo. Alan Parker. Com a classe que só ele tem.
Filmografia do Alan: “Evita”, “Mississipi em Chamas”, “Coração Satânico”, “Asas da Liberdade”, “Pink Floyd - The Wall”, “Fama”, “O Expresso da Meia-Noite ”. E tem mais. E tem, inclusive, uma injustiça. Nenhum Oscar.
Kate Winslet faz a mocinha (não a do banheiro). Atriz séria, se vira nos papéis, ano passado, ou retrasado, atuou numa boa comédia romântica intitulada “O Amor não Tira Férias”.
Charles Randolph assina o roteiro. Nicolas Cage é um dos produtores.
Quem vai falar com o Kevin é a Kate. Isso porque o Kevin foi em cana. Agora, porque ele está lá é o “x” do filme. O filme é, também, um pequeno tratado sobre a pena de morte. Pequeno porém vigoroso e muito bem redigido. A auto piedade do David Gale tinha um propósito.
Se você gosta de um trabalho de classe e inteligente, com meia colher de suspense e um côvado de dramaturgia, pode tirar a pipoca do congelador e deitar no sofá.
Por aqui chove. A primavera deu o ar da graça com baixa temperatura.
A colher de suspense vai te levar para um lugar comum, habilmente mascarado, e depois desmascarado, pelo diretor e pelo roteirista.
Ouvi não sei onde: “Sou contra a pena de morte, simplesmente por acreditar que o Estado não tem o direito de matar”. Pelo menos não com papel passado.