"Férias de Amor" (Picnic)
"Férias de Amor" (Picnic)
Deve ser porque, naquela época, o brasileiro trabalhava muito e um único dia, para o tradutor, já significava férias. Deve ser. “Picnic” foi rodado em 1955, então pode computar que você está assistindo 2 filmes ao mesmo tempo. O filme em si e o documento da época.
Faça as contas: estamos em 2012, são 57 anos atrás. Como? 2008?
Perdão. 2012 dizem que o mundo vai acabar. Então, pra que se preocupar com ninharias? Compre uma cesta, faça uns sanduíches, e dá-lhe “Picnic”.
O conceito sensualidade, hoje, ultrapassou a etapa de ser revisto, melhor apenas adicionar no dicionário com apêndices e mais apêndices. A meu ver, eu não diria que o nível baixou, diria que submergiu, sete palmos pra baixo da terra, no mínimo. Assim, você não vai entender, dependendo da sua faixa etária, que a dança da Kim Novak com o Willian Holden é uma das cenas mais sensuais já propostas pelo cinema. Eles não tiram a roupa e não fazem parte do Cirque de Soleil.
Joshua Logan dirige a cena e o casal.
Em 1955 Kim Novak tinha 19 anos, tanta classe e beleza juntas num só papel, qual, talvez seja por isso que a equipe de filmagem vivia de óculos escuros. Era a noiva prometida, quando aparece um fanfarrão, “com a rua pra andar e o céu pra olhar”, e lhe rouba o coração. As fadas e seus contos de paixão.
Crédito pro roteirista, (Daniel Taradash- “A um Passo da Eternidade”), escrever um troço que se passa num único dia, feriado equivalente ao nosso primeiro de maio, lá eles chamam de Labor Day, (acontece na primeira segunda-feira de setembro) e deixá-lo uma obra prima. “Picnic” diz não à conveniência e propõe que a união entre um homem e uma mulher não necessite de plano de carreira, de uma casa própria, poupança programada, plano de saúde e túmulo pré-pago. Propõe cara, coragem, e aquela química que, se você não viveu, então está no planeta errado. Geralmente, depois, dói um pouco.
A mãe dela bem que avisou.
Holden chega na pequena cidade e, por um prato de comida, topa limpar o quintal de uma velha senhora. Kim o vê da janela e a vida é curta. Já o Jobim dizia que “longa é a vida do pecador”. Holden tinha jogado a dele pela janela, cabendo aí uma frase perfeita de outro screen-writer: “o passado dele é mais interessante do que seu futuro”.
Tem a cena da dança. Tem as tomadas e as cenas de como era um piquenique numa cidade interiorana na América, nos 50. Pode crer que elas também valem o filme, pois mesmo sendo lugares comuns, são animados, reais, integraram uma cultura e retrataram senão sua importância, sua existência, tal e qual.
Joshua Logan comanda como um maestro.
Tem a cena da professora solteirona, a excelente Rosalind Russell , que aluga um quarto na casa da Kim, implorando para casar com o também solteirão Arthur O'Connel . Ela toma um porre federal durante a festa, fala o que não devia, inclusive, no “momentum pós porre”, se ajoelha pedindo para casar com ele, “senão no próximo verão será de novo outro homem, e depois outro, e depois outro”.
Julgamos preencher nossas angústias através dos outros...
Tem a cena do Holden assumindo que de fato sua estrada não foi um sucesso, e que a única coisa que ele possui é o par de botas que está usando, e que foram de seu pai.
Joshua Logan sabe das coisas.
Você vai ver o tamanho de um silo dos gringos e entender porque eles eram chamados de “celeiro do mundo”.
Tem a irmã da Kim, mais nova, que se acha feia e fuma escondido, mas chama a bela irmã de burra, cada um tiraniza como pode, até o momento em que ela diz: faça uma coisa inteligente na sua vida (ou seja, larga esse noivo podre de rico que você não gosta e casa com esse bebum fanfarrão que mexeu com o seu coração). O que significava que a Rainha do Baile, com uma maleta na mão, iria tomar um ônibus para Tulsa, casar com o nômade, que lá tinha o emprego prometido de porteiro de hotel.
Antes subir num trem carga, ele a beija ardorosamente e profere: você é a última chance que eu tenho na vida.
Sempre me perguntei como teria sido esse casamento. Os dois num cortiço, vivendo miseravelmente, ou teriam sucedido? Que importa? É um filme, uma boa estória da carochinha em que o amor, ou aquilo que se supõe ser o amor, prevalece.
“Picnic” levou duas estatuetas, e teve 10 indicações. Joshua Logan foi indicado como melhor diretor. Dois anos depois ele faria “Sayonara”, com o Brando. Nunca engoli o Brando. Joshua continuaria no cinema até fins dos 60, depois migraria pra TV.
Kim Novak e Willian Holden, se você não conhece eles, então está na resenha errada.
Mas que é bonito ver a cena final, uma tomada aérea mostrando o ônibus dela e o trem dele, música de fundo, the end em letras douradas, e a promessa de um futuro temeroso, mas que vai propiciar momentos inesquecíveis. Hora de lhe perguntar: o que seria da vida sem esses momentos?