"Traídos pelo Destino" (Reservation Road)

"Traídos pelo Destino" (Reservation Road)

É de se perguntar até quando sobreviveremos a esses títulos.

Pergunta estúpida, visto que sobrevivemos até aqui.

Em todo caso, eis um título que veste bem outro filme: “Nós, que obrigatoriamente fomos às urnas”.

Isso posto, arregacemos as mangas e nos dediquemos a película. De fato, tem cara de conversa de manicure. Mas tem de ser com jeito mesmo, porque o assunto é delicado.

“Reservation Road” trata do tema com manuseio de artista. Ele não foge da cena e também não a confronta. Ele observa determinada situação como uma espécie de mente superconsciente que contempla várias atmosferas a partir do mesmo fato.

O atropelamento de uma criança.

A academia acerta tanto ao indicar quanto ao premiar. Também erra dos 2 jeitos. Mas no caso do acerto, pode conferir que o indicado é tão digno do prêmio quanto o contemplado. Não sei se Joaquim Phoenix teve alguma indicação por esse filme. Sei que teve duas em sua carreira. E sua carreira continua nos trilhos em “Reservation Road”, interpretando o pai da criança.

Terry George, nascido na Irlanda e apaixonado por cinema, (parêntese)-(esse é o tipo de profissão que todos os envolvidos gostam, digo, não é daqueles ofícios onde o sujeito exclama, ó céus, ó vida, estou aqui nesta porcaria de estúdio com um fotômetro na mão dirigindo a Susan Sarandon, porcaria, queria estar no escritório calculando a inflação, mas, ó céus, preciso sustentar a família...) - (fim do parêntese), Terry George foge das escatologias, não força a barra, não tendencia, pode-se supor que “lugar comum” não é o objetivo dele.

Salvo engano, este é seu segundo filme como diretor, o primeiro foi “Hotel Ruanda”. Também foi o roteirista do aclamado “Em nome do Pai”.

Quando criança, nos meus passeios no banco de trás, não foram nem uma nem duas as cenas de um corpo estendido no chão, coberto por jornal, com uma vela acesa do lado. Vítima de atropelamento.

Albert Camus, na mesma viagem em que perambulou por Iguape e Rio de Janeiro, indignou-se face a quantidade desse gênero de fatalidade na cidade de São Paulo. E a trama do “Traídos...” foi concebida para a justa terminologia “fatalidade”. Não há culpados. Há a dor e o trâmite da dor enrolado no trâmite oficial. Creio que esta foi a intenção de John Burnham Schwartz, autor do livro no qual o filme se apóia. Isso porque é a intenção que transparece, nesse entretenimento educativo sobre as facetas da emoção.

Jennifer Conelly, a mãe do garoto. (“Diamante de Sangue”, “Casa de Areia e Vidro”).

Mark Ruffalo, o motorista que estava no lugar errado, na hora errada. (“Colateral”, “A Grande Ilusão”),

Mira Sorvino, filha do Paul Sorvino, fez e faz muita TV e despontou no “Poderosa Afrodite”, de Woody Allen. O pai dela, se Shakespeare fizesse resenhas, diria: fez mais filmes do que sonha vossa vã filosofia. Acho ela uma super atriz e deve ter seus motivos para não estar tão presente no cinema. Aqui ela interpreta a ex-mulher do motorista. Se se pensar bem, a distribuição dos personagens equivale a uma distribuição de parcelas energéticas, dando o equilíbrio necessário para que a trama permaneça fluindo. A existência da Mira, nesse filme, confirma essa idéia.

Traídos...” tem a seguinte cifra: nenhum maniqueísmo . Assim, não é o caso do espectador ganir de ódio contra esse ou aquela. É só assistir. Pode assistir deitado ou sentado. De pé deve ser cansativo. Joaquim Phoenix não rouba a cena, acentua. Trata-se de um pai que perde o filho, e tem de lidar com isso. Não há volta. O que existe é a vida continuando, com mais surpresas. E quando elas não vem de fora, vem de dentro.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 29/08/2008
Reeditado em 02/10/2013
Código do texto: T1151681
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