O Segredo de BrokeBack Mountain (Brokeback Mountain – 2005 – Ang Lee)
O Segredo de BrokeBack Mountain (Brokeback Mountain – 2005 – Ang Lee)
No recente Quase um Segredo vemos um grupo de adolescentes se reunirem a fim de dar um corretivo em um moleque que é o mais pentelho da escola. Entretanto, esse corretivo sai do controle e termina com uma tragédia. Que mais tarde, por consenso geral deverá ser contata ao mundo (pais e polícia) para que, pelo menos desse motivo, suas consciências fiquem tranqüilas.
Em BrokeBack Mountain os dois protagonistas passam suas vidas inteiras com um peso e uma ansiedade que não podem ser aliviadas, ali não se tem pais nem polícias para contornar a situação. Só há intolerância.
Ang Lee foi esplendidamente bem sucedido ao mostrar um amor que surge tão natural quanto não pode ser concretizado, pela mesma natureza do ambiente em que vivem. Cowboys. Personagens fortes, míticos, sinais de bravura, determinação e muitas vezes agressividade são a marca de toda uma época cinematográfica de tiros e afirmação da masculinidade americana.
Ao retratar seu caso de amor ele tira esse mito de um pedestal e o trás novamente para o patamar humano. São pessoas como quaisquer outras, em uma sociedade ignorante e primitiva. Conceitos como aqueles ainda vigoram, mas soam muito mais imbecis que antes. Mais realmente humanos. Tanto na falta de coragem para assumir seu amor quando na falta de sabedoria para lidar com o problema, quando por exemplo vemos que uma das esposas descobre o “segredo” a falta de tato é tanta para lidar com ele que chega a ser angustiante. É algo que não deveria existir, deslocado no tempo e espaço.
Jack Twist (Jake Gyllenhaal) é mais sincero e mais conhecedor de si mesmo para lidar com o problema e se em algumas vezes ele parece mais determinado a assumir tudo, sua falta de tato para com a realidade chega a soar utópica. Enquanto ele é o cerne mais impulsivo do casal Ennie Del Mar (Heath Ledger) parece se corroer por dentro por não saber e muitas vezes não aceitar que aquilo aconteça. Tratando como uma coisa única e implausível, mas totalmente incapaz de se ver livre dela.
Livre de qualquer exagero que poderia comprometer a verossimilhança da estória o roteiro esclarece, ou deixa bem na vista, que nenhuma barra foi forçada a fim de que aquilo acontecesse. Simplesmente estamos em uma era que somos mais aptos a compreender o ser humano como um todo e que o sentimento de amor não surge só entre aqueles que a convenção social determina a validade.
A direção de Ang Lee é soberba não conseguimos perceber nem um afobamento nem uma quebra de ritmo ao longo do filme todo. Sua direção muito bucólica quando vemos Brokeback dá sobriedade ao encanto daquele lugar, como se fosse algo único e é ali mesmo, contagiado por esse clima, que vemos surgir a unicidade daquele amor, que fora dali é deslocado e não pode ser realizado.
Já quando se desloca para a vida dos dois, com suas mulheres e relacionamentos tudo soa muito tenso, vemos a conseqüência direta que todo aquele potencial reprimido causa nos próprios personagens e nos que os rodeiam. A bela fotografia de Brokeback (a montanha em si) ajuda a criar aquele clima de paz e segurança que tanto buscavam entre os espaços de tempo em que não se viam. Quase que deixando as palavras ditas em suas cenas meros detalhes como um ou outro galho de árvore ou o rio passando.
E que dizer da trilha sonora? Ela nos acompanha o filme inteiro com suas intromissões, aparentemente ocasionais, mas sempre determinante nos momentos certos, deixando uma sensação perfeita de que estamos mesmo em um interior repressor, mas que a paz pode chegar a qualquer momento. Ainda que muitas vezes, com o prolongar da estória, desencontros aconteçam pelos compromissos que em personagem tem.
E é justamente esse ponto que desloca tudo para o final perfeito que se desdobra na tela. Ennie Del Mar é, como disse acima, aquele que não sabe lidar com o que sente e se protege, muitas vezes no silêncio, outras se isolando do mundo passando longas temporadas afastado, para o recolhimento do gado ou do pasto de ovelhas. Essas fugas mostram como que tudo o que não consegue entender afeta seu relacionamento com as outras pessoas. Mas é depois de uma reviravolta perto do fim que faz com que ele se desestruture que vemos sua conversa com uma de suas filhas. Ela lhe diz que está pra se casar, após algumas breves perguntas sobre o rapaz e o verdadeiro sentimento dele por ela ele mais uma vez, rapidamente e sem pensar, se refugia dizendo que não poderá ir a cerimônia, pois estará recolhendo gado.
É, então, que em uma mostra significativa do entendimento que lhe trouxe aquilo tudo, em quase uma conquista pessoal ele diz quase um “foda-se o rebanho, quero mais é ver minha filha se casar”. Aquele alívio conquistado tem reflexo em toda a estória que acabamos de presenciar, e qual final mais feliz que saber-se expectador de superações pessoais tão difíceis e penosas?
Apesar de ser um filme que retrata o relacionamento de dois homens, cowboys, o relacionamento ganha universalidade pois é o retrato de amor. E qual sentimento, de todos os que sentimos, que não pode ser mais evitado que o amor? Podemos escolher ser generosos, amigos, bondosos, mas nunca escolhemos amar. É esse sentimento mágico, fora da nossa alçada, que determina a universalidade da estória.