Meu Tio Matou um Cara

Um filme que não conclui nada, não revela seus segredos nem transmite mensagens prontas de valores quaisquer: esperança, perseverança, amizade, vingança ou sei lá o quê. Assim é Meu Tio Matou um Cara, terceiro longa de Jorge Furtado, o mesmo autor do premiado Ilha das Flores.

E como a proposta do filme é não ter uma proposta definida, não vou dizer se ele é bom ou ruim. Agradou-me - e pronto - por vários motivos. O mais imediato deles é a linguagem que o diretor sempre imprime em suas obras. Furtado é uma nova escola, posterior a tudo, ultra-contemporânea, neo-paradigmática.

Elementos já vistos em O Homem que Copiava ou Ilha das Flores retornam à cena, revestidos de novidade, sem parecer um mais-do-mesmo, autoplágio. Cenas com animação gráfica, entrecortes ágeis e um fundo narrativo irônico e pontual são alguns dos elogiáveis recursos. O diretor consegue pincelar com precisão uma linguagem de quadrinhos ou mesmo de curta-metragem sem perder o fôlego que o cinema exige.

Sem contar que consegue ser jovem. Não se entendendo, aqui, juventude por simplismo, caricaturismo ou pobreza estética. É jovem porque remoça problemáticas e situações que o cinema já explora há décadas com elementos atuais: gírias, internet, trilhas, jogos de computador.

Mas vamos ao roteiro (e é aqui que as análises, as críticas e as resenhas entram em parafuso). O filme acaba quando parece se aproximar do clímax. A primeira reação é dizer: “Que droga, agora que tava ficando bom.” Minutos depois, porém, pode-se perceber que isso faz todo o sentido.

Os personagens, no fundo, querem nos dizer que a vida é mesmo feita de situações inacabadas, inconclusivas. O homem é um ser eternamente inacabado. E no processo de se construir e construir uma história vai pré-concluindo as coisas. Pré-conclui o que quer ser quando crescer, pré-conclui a religião em que crê, pré-conclui em qual partido vota, pré-conclui quem é a mulher da sua vida...

Meu Tio Matou um Cara é cheio de pré-conclusões e elas vão se desmentindo e se remodelando, tanto para os próprios personagens quanto para os espectadores. O assassino não matou ninguém; a safada talvez não seja tão ordinária; o amante dela, quem sabe, seja só um garoto que limpa a piscina.

Todas essas dúvidas persistem depois que as letras sobem e isso, à primeira vista, incomoda. O espectador está condicionado a levantar da poltrona com respostas prontas. Os filmes de hollywood e as novelas da Globo não deixam dúvida sobre a benevolência do mocinho ou a tirania do vilão. Finais abertos incomodam, porque cabe a cada um produzir, filmar e editar a cena derradeira.

Ou então, como fiz eu, surpreender-se em pensar que não há cena derradeira para história nenhuma. A vida segue montando e desmontando seus mosaicos depois que os episódios terminam. Nada está sob controle, nada está pronto e a gente vive nesse labirinto tentando desvendar quem são os que caminham conosco, em quem confiar, de quem duvidar, como rotular esse ou aquele. Como diz a música do Rappin’ Hood, que está na trilha e parafraseia uma cantiga popular: “Se essa rua fosse minha, eu mandava...”