A Má Educação de Almodóvar

Raramente, quando um diretor realiza um grandioso trabalho, que nós – cinéfilos, nomeamos como obra-prima de fulano – ele é reconhecido como deveria: prêmios e mais prêmios; isso aconteceu com a mais nova obra-prima do diretor espanhol Pedro Almodóvar, que em 2004 lançou em meio a tanto alvoroço no mundo cinematográfico, devido à divulgação de Brokeback Mountain, que marcou desde sua propaganda uma nova abordagem cinematográfica – no caso homossexual -, e a chegada do cinema indie; Pedro lança um filme cult e noire de nome muito marcante: Má Educação, ou em espanhol, La Mala Educación.

Se quisesse comentar o filme sem muitas delongas diria apenas: excelente e ponto final, mas como um amante do cinema e de obras magníficas como quase todo filme de Almodóvar (salvo Kika, que é o pior do diretor) ressalvo meus direitos de ir além e apresentar os pontos fracos e fortes do filme em questão.

Um dos primeiros burburinhos em torno do filme foi às tórridas cenas homossexuais – envolvendo grandes nomes do cinema mundial -, que ilustra grande parte do roteiro assinado pelo próprio diretor. Um segundo burburinho seria de que se tratava de uma autobiografia (escândalo!), boato que Almodóvar fez questão de desmentir. Conclui-se então que os fãs estão a roer as unhas, ansiosos para se deliciarem com todas as polêmicas presentes no filme – típicas de Almodóvar – e, já prevendo que a censura será ferrenha ao classificar o filme: 18 anos, certeza (incrivelmente no Brasil caiu para 16 anos).

Mas, atenhamos-nos ao filme. Para interpretar os poucos personagens que desenham a trama, Almodóvar foi categórico: tratou logo de buscar um mexicano, moreno que já teve experiências no cinema aplaudidas por muitos: Gael García Bernal (aquele do mediano, Diários de Motocicleta), que interpreta Ignacio Rodriguez / Zahara / Juan / Ángel. Como a nostalgia está sempre presentes no universo do cinema de Almodóvar, não poderiam faltar atores que já tiveram o privilégio de trabalhar com o diretor – Javier Cámara (no filme, Paca / Paquito) e Fele Martínez, ambos do premiado Fale Com Ela (Oscar de Melhor Roteiro e Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro); completa o elenco principal nomes como: Daniel Giminéz Cacho (Padre Manolo) e Lluís Homar (Sr. Berenguer). Observa-se que em Má Educação quase não aparece mulheres, assim como em Volver lançado em 2006 por Almodóvar (o qual dispensarei meus elogios em outro comentário) em que aparecem poucos homens.

Má Educação mostra em segundo plano o “presente, passado e futuro” de Ignácio, interpretante brilhantemente por Gael, que em meio a sua imunda vida descobre resquício de vingança e melancolia em sua penosa vida de travesti; mas, é em torno do personagem de Fele Martínez – Enrique Goded um cineasta, que na infância quando estudava num internato católico com Ignácio (Gael) teve com ele seu primeiro amo, e no momento escreve o roteiro de seu novo filme – La Visita -, que durante a trama se mistura com o verdadeiro filme. Durante o desenrolar dos fatos percebemos críticas desprovidas de maquiagem a sociedade clerical católica, que no lançamento do filme fez cara feia para o diretor.

O filme foi indicado ao BAFTA de Melhor Filme da União Européia; Prêmio César - Indicação na categoria de Melhor Filme Europeu; Independent Spirit Awards - Iindicação na categoria de Melhor Filme Estrangeiro; Prêmio Goya - Indicações nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Direção de Arte e Melhor Desenho de Produção; European Film Awards - Indicações nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro, Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora, Melhor Diretor - Júri Popular e Melhor Ator - Júri Popular (Fele Martínez); Prêmio NYFCC - (New York Film Critics Circle Awards, EUA) - Venceu na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Em Cannes uma surpresa: o filme abriu o festival, primeiro do Almodóvar a tal feito, mas não levou nenhum prêmio da Riviera Francesa. Foi sucedido no Oscar pelo excelente Mar Adentro que levou o Academy Awards de Melhor Filme Estrangeiro, repetindo o Oscar de Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre), em 1999, que alavancou a carreira internacional de Almodóvar.

Sem peso na consciência de estar sendo exagerado: Má Educação é irretocável, lindo, perfeito. Uma história coesa e coerente em todos os aspectos. Partirei agora, os fatos mais importantes do filme:

Internato:

Nada mais que uma crítica aos velhos padrões católicos de aprendizagem: no filme, Padre Manolo abusa sexualmente de Ignácio enquanto ainda tinha dez anos. Cenas fortes de caráter sexual – incluindo uma cena que deixa entender uma breve relação sexual entre os dois meninos que encabeçam a trama: Ignácio (Nacho Pérez) e Enrique (Raul Garcia Forneiro). E Almodóvar vai ainda mais, após o reencontro do suposto Ignácio com Padre Manolo, eles ainda continuam a se relacionar, desta vez com outro personagem de Gael e nos revela uma verdade sórdida escondida nos antros da Igreja que se diz Católica. Embora tenha sido tomadas controversas por se tratar de atores menores de idade, o filme retrata de uma maneira formal os verdadeiros acontecimentos num internato católico, o que é a chave do nome do filme: a infância no Internato é a Má Educação.

Cena da Piscina:

Muito comentada. Fele Martínez e Gael contracenam brilhantemente em uma cena carregada de erotismo e sensualidade (por favor, não interprete essas duas palavras como sinônimos). Almodóvar coloca a câmera em um plano mais baixo revelando partes intimas dos atores, tais como pêlos pubianos e uma silhueta da genitália de Gael. Após isso vem a cena mais chocante do filme: sexo quase explícito entre os dois. O que prova que o filme não é para todos os públicos. Mas, Pedro retrata esse universo de uma forma muito sutil e não deixa se tornar vulgar.

Completa esse comentário duas frases retiradas de entrevistas de Almodóvar sobre o lançamento do filme. E resta-me falar sobre a belíssima trilha sonora e sobre o DVD.

Trilha Sonora:

É montada lindamente por Alberto Iglesias, famoso por trabalhar com grandes diretores (inclusive com Almodóvar – Tudo Sobre Minha Mãe). Destaque para a música Moon River, cantada por Ignácio durante suas “aulas particulares” de música com Padre Manolo.

DVD:

Distribuído pela Fox, famosa pelo seu acabamento perfeito quando o assunto é DVD, Má Educação é muito bem passada a nós, consumidores, que prezamos pela capa e pelo conteúdo tais como som, legendas e dublagem. O menu é fiel ao norte-americano e a fotografia é perfeita.

Como dito anteriormente, os trechos de entrevista retirados da internet:

“Tinha que fazer Má Educação tinha que me livrar dessa história, antes que ela se convertesse em obsessão. Tinha trabalhado no roteiro por mais de dez anos e poderia ter continuado por outra década. Pela quantidade de combinações possíveis, a trama do filme só termina de se escrever quando o filme já está rodado, montado, mixado.”

“É um filme muito íntimo, mas não é autobiográfico. Não falo de minha vida no colégio (...). Obviamente minhas memórias foram importantes na hora de escrever o roteiro, já que vivi nos locais e momentos onde a história se passa. ‘Má Educação’ não é um ajuste de contas com os padres que me educaram mal, nem com a Igreja em geral. Caso tivesse necessidade de me vingar, não teria esperado quarenta anos para fazê-lo. A Igreja não me interessa, nem como adversária. O filme não é uma comédia, ainda que haja humor nem um musical infantil, ainda que crianças cantem. É um film noir, ou, pelo menos, gostaria de considerá-lo assim. O gênero noir admite bem a mistura com outros gêneros, sempre que a narração respire esse ar fatal, sem o qual o negro seria cinza. No noir pode não haver polícia nem armas, nem sequer violência física, mas tem de haver mentiras e fatalidade, qualidades que normalmente uma mulher encarna: a femme fatale. Ela é consciente de seu poder de sedução e é fria, razão pela qual não se altera facilmente. É alguém que perdeu os escrúpulos e não se interessa em recuperá-los. Para ela, o sexo não é fonte de prazer e sim de dor para os demais. Em A Má Educação, a femme fatale é um enfant terrible, o personagem interpretado por Gael Garcia Bernal.”

Site Oficial: WWW.lamaeducacion.com