ABRIL DESPEDAÇADO
Abril Despedaçado é um filme inspirado no livro com o mesmo título,do escritor albanês Ismail Kadaré. Dirigido por Walter Salles, tem como protagonista o ator Rodrigo Santoro. Meu entendimento gira em torno do tempo, algo latente, mas que está presente, como marca principal de todo filme.
Abril Despedaçado", que é um título lindo, tem uma preocupação com o tempo.
Vários são os símbolos que representam o tempo e sua trajetória.
Em Abril de 1910, data em que começa o filme, apreciamos a narrativa de uma história triste, com atitudes que sinonimizam vingança acompanhada de tragédia.
Abril Despedaçado, como o próprio nome indica, é marcado pelo ódio e pelo sangue, em que os personagens mergulham na cegueira da vingança.
Nossa cabeça gira, buscando o ponteiro das horas, buscando o calendário, mas as cenas nos ajudam a dar um vôo mais alto para percebermos, do alto, que o tempo não pára...
Ficamos do alto, em minha concepção, pois podemos ver o tempo passar, enquanto que os personagens do filme passam pelo tempo e não percebem sua marca, apenas sabem que o fim é chegado.
Nossos olhos marcam a trajetória de cada pessoa... A moenda com os bois roda em sentido horário...Cada cana colocada na moenda representa os segundos, os minutos...
Vai boi...Vai boi... a engrenagem roda e os olhares se cruzam silenciosamente. A voz do Sr. Breves soa como um badalar de um grande relógio que, ao invés do Cuco ou do barulho de um sino, grita: VAI BOI, VAI BOI, VAI BOI...
O Sr. Breves, pai de família responsável pela moenda, incita seu filho Tonho a vingar a morte do seu irmão mais velho. Seu filho mais velho havia sido assassinado, devido a luta pela posse de terras, que já se arrastava por longos anos e, talvez, séculos.
E no varal? O que é aquilo que voa, que balança, que muda de cor?
No varal temos uma camisa ensangüentada. Era o troféu da vingança e o instrumento que fazia o tempo girar e correr atrás de outra pessoa, de mais sangue, de outra camisa, de outro varal, de outros sóis e outras luas.
“Sol..sóis, Lua...Luas, Varal...Varais, Pessoa...Pessoas, Vida...Morte - a medida de duração dos seres”.
A camisa depois de seca fica amarelada. O tempo passou e a camisa amarelou como tudo amarela com o tempo. Chegou a hora de vingar a morte de mais uma pessoa que se foi, vítima da intolerância, do poder e do egoísmo. Afinal, a vida não é feita de finais felizes.
As cenas mais importantes que marcam o tempo: a moenda, o menino no balanço, as rapaduras que aumentam a quantidade acumulada com o passar do tempo, a roda da carroça com os artistas do circo, a moça que gira na corda, a correria de Tonho pela vingança da primeira morte e o relógio maior que soava: Vai Boi, Vai Boi...
Após ter cumprido a sua missão, a de matar o mesmo homem que havia assassinado o seu irmão mais velho, Tonho teve que participar do enterro e se apresentar ao Patriarca, a fim de informar que a morte foi apenas para vingar a de seu irmão e que ali estava para orar pelo morto, como também para pedir trégua.
Nesse momento, Tonho recebe a fita preta que lhe é amarrada no braço pelo Patriarca que lhe diz: Vou lhe dar trégua só até a próxima lua cheia.
O Patriarca aponta para o relógio que estava dependurado na parede e diz:
- A cada minuto a mais que o relógio marca, um minuto a menos você vive.
Ao dizer isso, o Patriarca pergunta ao Tonho quantos anos ele tinha.
O Tonho responde:
- Tenho vinte.
Diz o Patriarca:
- A partir de hoje sua vida está dividida.
Ele quis dizer com isso que, a partir daquele momento, a vida de Tonho estava dividida em duas, ou seja, o tempo que ele tinha vivido até ali e o pouco tempo que lhe restava, pois estava marcado para morrer. Por esse motivo, foi aconselhado a não se apaixonar, pois não lhe teria serventia. Ao contrário, lhe faria sofrer pelo medo de seu inexorável fim.
Mas eis que algo novo acontece: A chegada dos artistas de circo, para que o ciclo se quebre, para que o tempo continue.
O Menino que não tinha nome, ganha um livro e se distancia do seu mundo para viver sua imaginação, marcando seu tempo, sua fase lúdica da infância, mas que é interrompido por seu pai que vive para o trabalho e para fazer cumprir a lei da vingança imposta pelos ancestrais.
Uma vez que a engrenagem responsável pela vida se move, a vida é posta em movimento, anda...
Mesmo que, pela inércia de uns e, aparentemente pela angustia do Tonho e de sua família se queira pará-la, ela continua seu movimento, assim como os bois que continuam a rodar sozinhos e são avistados pelo Pacú, o Menino, quando já não mais estão presos à roda do moinho de cana e livres do comando do Sr. Breves.
Apenas uma força muito grande, como o amor entre irmãos, pode quebrar o ciclo da roda da vingança.
As engrenagens da máquina de moer cana, o relógio de parede, o vai-e-vem do balanço, o dia e a noite, são elementos que trazem em si, nada mais do que uma forte marca da passagem de tempo.
A vida não sendo nada mais do que um intervalo de tempo, um intervalo entre uma vingança e outra.
E depois das tristes e mórbidas marcas do tempo, surge a claridade com a moça do circo, a Clara, que gostava de voar e primava por sua liberdade. Ela era uma andarilho... Ela e Salustiano, que cospem fogo, andam de carroça, cujas rodas lembram a engrenagem de um relógio, vão indo de Lugar em lugar, deixando suas marcas alegres e fazendo com que o tempo passe.
O Tonho não resiste aos apelos de seu pequeno irmão e busca o divertimento do Circo. Afinal, seus dias estavam contados e ele queria viver o pouco que lhe restava.
Ao se aproximar do Circo, Tonho começa a desejar conhecer e a respirar novos ares. Retorna à Fazenda e um boi que puxa a engrenagem cansa e desaba. Com isso, a roda do moinho pára.
É um sinal de que ele, o Tonho, tal qual o boi que caiu, cansou da ordem estabelecida e se rebelou. Isso provoca uma quebra, uma ruptura no ciclo, optando por estabelecer um novo caminho.
Outro momento que nos mostra a virada do tempo é quando o Tonho está em companhia da Clara, da moça que lhe trouxe a luz, e gira com muita força a corda que a moça se pendura, atendendo ao seu próprio pedido.
O corpo da moça no ar, dependurada à corda, parece ponteiros de um relógio que giram muito rápido, mas apontam uma guinada, um vôo de 360º que representa a mudança.
Assim como o vôo de Clara, está também o vôo de Tonho no balanço, embalado pelo Menino. O rompimento da corda que sustenta este balanço, provoca a primeira quebra na vida da família. Pela primeira vez no filme, sentimos vida nos personagens, pois todos sorriem e mostram-se felizes pela farra dos irmãos, inclusive o sizudo Sr. Breves.
Os irmãos rompem o tempo e criam emoções.
Outro momento, é quando podemos traçar um paralelo entre a vida de Salustiano, que “nasceu morto” , mas sobreviveu, e a vida de Tonho que nasceu vivo, mas que tem a morte certa, marcada por estar no meio de uma guerra de famílias.
Anoitece e a lua aparece crescente... Tonho não percebe a lua, apenas se angustia.
O Menino fica sem o livro, sem suas lembranças, sem o motivo de sua viagem imaginativa... Ganha um nome, PACÚ, mas não tem liberdade. Em sua cabecinha há a possibilidade de sua alma se libertar do corpo e de trilhar por caminhos distantes, quem sabe no fundo do mar onde moram os peixes e as Sereias encantadas.
O Menino vê um pássaro voando desengonçado e afirma, mesmo contrariado pelos outros: - vai chover.
O Menino sem nome, batizado pelo artista de circo como PACÚ, que é um Peixe do rio, sente a chuva e abre a janela para que o vento entre. Vê, então, que Clara está no quintal e chama seu irmão que, imediatamente vai ao encontro dela. Vai ao primeiro encontro de sua vida e quebra sua castidade.
O Menino percebe que está chegando a hora de seu irmão Tonho partir para outra vida. Ele desejou viver essa outra vida, essa liberdade e, assim, tomou o lugar de seu querido irmão, com suas vestes, seu chapéu e sua fita preta, que amarrou ao braço e deu as costas para o seu algoz que, na verdade, lhe concederia a liberdade.
Por amor e por saber amar, o Menino rasgou o tempo e o ciclo de mortes.
Tonho foi presenteado com a vida, pois o seu inocente irmão estancou o sangue da vingança e o ranso de ódio que havia sido espalhado até ali.
Tonho saiu da paisagem seca e árida e buscou novos lugares...
O mar lhe pareceu imenso e uma estrada de ferro, simbolizava que a vida era dura, mas era possível ser vivida, mesmo que de encontro ao desconhecido.
Essa foi minha impressão e interpretação para o ABRIL DESPEDAÇADO.
Abril Despedaçado é um filme inspirado no livro com o mesmo título,do escritor albanês Ismail Kadaré. Dirigido por Walter Salles, tem como protagonista o ator Rodrigo Santoro. Meu entendimento gira em torno do tempo, algo latente, mas que está presente, como marca principal de todo filme.
Abril Despedaçado", que é um título lindo, tem uma preocupação com o tempo.
Vários são os símbolos que representam o tempo e sua trajetória.
Em Abril de 1910, data em que começa o filme, apreciamos a narrativa de uma história triste, com atitudes que sinonimizam vingança acompanhada de tragédia.
Abril Despedaçado, como o próprio nome indica, é marcado pelo ódio e pelo sangue, em que os personagens mergulham na cegueira da vingança.
Nossa cabeça gira, buscando o ponteiro das horas, buscando o calendário, mas as cenas nos ajudam a dar um vôo mais alto para percebermos, do alto, que o tempo não pára...
Ficamos do alto, em minha concepção, pois podemos ver o tempo passar, enquanto que os personagens do filme passam pelo tempo e não percebem sua marca, apenas sabem que o fim é chegado.
Nossos olhos marcam a trajetória de cada pessoa... A moenda com os bois roda em sentido horário...Cada cana colocada na moenda representa os segundos, os minutos...
Vai boi...Vai boi... a engrenagem roda e os olhares se cruzam silenciosamente. A voz do Sr. Breves soa como um badalar de um grande relógio que, ao invés do Cuco ou do barulho de um sino, grita: VAI BOI, VAI BOI, VAI BOI...
O Sr. Breves, pai de família responsável pela moenda, incita seu filho Tonho a vingar a morte do seu irmão mais velho. Seu filho mais velho havia sido assassinado, devido a luta pela posse de terras, que já se arrastava por longos anos e, talvez, séculos.
E no varal? O que é aquilo que voa, que balança, que muda de cor?
No varal temos uma camisa ensangüentada. Era o troféu da vingança e o instrumento que fazia o tempo girar e correr atrás de outra pessoa, de mais sangue, de outra camisa, de outro varal, de outros sóis e outras luas.
“Sol..sóis, Lua...Luas, Varal...Varais, Pessoa...Pessoas, Vida...Morte - a medida de duração dos seres”.
A camisa depois de seca fica amarelada. O tempo passou e a camisa amarelou como tudo amarela com o tempo. Chegou a hora de vingar a morte de mais uma pessoa que se foi, vítima da intolerância, do poder e do egoísmo. Afinal, a vida não é feita de finais felizes.
As cenas mais importantes que marcam o tempo: a moenda, o menino no balanço, as rapaduras que aumentam a quantidade acumulada com o passar do tempo, a roda da carroça com os artistas do circo, a moça que gira na corda, a correria de Tonho pela vingança da primeira morte e o relógio maior que soava: Vai Boi, Vai Boi...
Após ter cumprido a sua missão, a de matar o mesmo homem que havia assassinado o seu irmão mais velho, Tonho teve que participar do enterro e se apresentar ao Patriarca, a fim de informar que a morte foi apenas para vingar a de seu irmão e que ali estava para orar pelo morto, como também para pedir trégua.
Nesse momento, Tonho recebe a fita preta que lhe é amarrada no braço pelo Patriarca que lhe diz: Vou lhe dar trégua só até a próxima lua cheia.
O Patriarca aponta para o relógio que estava dependurado na parede e diz:
- A cada minuto a mais que o relógio marca, um minuto a menos você vive.
Ao dizer isso, o Patriarca pergunta ao Tonho quantos anos ele tinha.
O Tonho responde:
- Tenho vinte.
Diz o Patriarca:
- A partir de hoje sua vida está dividida.
Ele quis dizer com isso que, a partir daquele momento, a vida de Tonho estava dividida em duas, ou seja, o tempo que ele tinha vivido até ali e o pouco tempo que lhe restava, pois estava marcado para morrer. Por esse motivo, foi aconselhado a não se apaixonar, pois não lhe teria serventia. Ao contrário, lhe faria sofrer pelo medo de seu inexorável fim.
Mas eis que algo novo acontece: A chegada dos artistas de circo, para que o ciclo se quebre, para que o tempo continue.
O Menino que não tinha nome, ganha um livro e se distancia do seu mundo para viver sua imaginação, marcando seu tempo, sua fase lúdica da infância, mas que é interrompido por seu pai que vive para o trabalho e para fazer cumprir a lei da vingança imposta pelos ancestrais.
Uma vez que a engrenagem responsável pela vida se move, a vida é posta em movimento, anda...
Mesmo que, pela inércia de uns e, aparentemente pela angustia do Tonho e de sua família se queira pará-la, ela continua seu movimento, assim como os bois que continuam a rodar sozinhos e são avistados pelo Pacú, o Menino, quando já não mais estão presos à roda do moinho de cana e livres do comando do Sr. Breves.
Apenas uma força muito grande, como o amor entre irmãos, pode quebrar o ciclo da roda da vingança.
As engrenagens da máquina de moer cana, o relógio de parede, o vai-e-vem do balanço, o dia e a noite, são elementos que trazem em si, nada mais do que uma forte marca da passagem de tempo.
A vida não sendo nada mais do que um intervalo de tempo, um intervalo entre uma vingança e outra.
E depois das tristes e mórbidas marcas do tempo, surge a claridade com a moça do circo, a Clara, que gostava de voar e primava por sua liberdade. Ela era uma andarilho... Ela e Salustiano, que cospem fogo, andam de carroça, cujas rodas lembram a engrenagem de um relógio, vão indo de Lugar em lugar, deixando suas marcas alegres e fazendo com que o tempo passe.
O Tonho não resiste aos apelos de seu pequeno irmão e busca o divertimento do Circo. Afinal, seus dias estavam contados e ele queria viver o pouco que lhe restava.
Ao se aproximar do Circo, Tonho começa a desejar conhecer e a respirar novos ares. Retorna à Fazenda e um boi que puxa a engrenagem cansa e desaba. Com isso, a roda do moinho pára.
É um sinal de que ele, o Tonho, tal qual o boi que caiu, cansou da ordem estabelecida e se rebelou. Isso provoca uma quebra, uma ruptura no ciclo, optando por estabelecer um novo caminho.
Outro momento que nos mostra a virada do tempo é quando o Tonho está em companhia da Clara, da moça que lhe trouxe a luz, e gira com muita força a corda que a moça se pendura, atendendo ao seu próprio pedido.
O corpo da moça no ar, dependurada à corda, parece ponteiros de um relógio que giram muito rápido, mas apontam uma guinada, um vôo de 360º que representa a mudança.
Assim como o vôo de Clara, está também o vôo de Tonho no balanço, embalado pelo Menino. O rompimento da corda que sustenta este balanço, provoca a primeira quebra na vida da família. Pela primeira vez no filme, sentimos vida nos personagens, pois todos sorriem e mostram-se felizes pela farra dos irmãos, inclusive o sizudo Sr. Breves.
Os irmãos rompem o tempo e criam emoções.
Outro momento, é quando podemos traçar um paralelo entre a vida de Salustiano, que “nasceu morto” , mas sobreviveu, e a vida de Tonho que nasceu vivo, mas que tem a morte certa, marcada por estar no meio de uma guerra de famílias.
Anoitece e a lua aparece crescente... Tonho não percebe a lua, apenas se angustia.
O Menino fica sem o livro, sem suas lembranças, sem o motivo de sua viagem imaginativa... Ganha um nome, PACÚ, mas não tem liberdade. Em sua cabecinha há a possibilidade de sua alma se libertar do corpo e de trilhar por caminhos distantes, quem sabe no fundo do mar onde moram os peixes e as Sereias encantadas.
O Menino vê um pássaro voando desengonçado e afirma, mesmo contrariado pelos outros: - vai chover.
O Menino sem nome, batizado pelo artista de circo como PACÚ, que é um Peixe do rio, sente a chuva e abre a janela para que o vento entre. Vê, então, que Clara está no quintal e chama seu irmão que, imediatamente vai ao encontro dela. Vai ao primeiro encontro de sua vida e quebra sua castidade.
O Menino percebe que está chegando a hora de seu irmão Tonho partir para outra vida. Ele desejou viver essa outra vida, essa liberdade e, assim, tomou o lugar de seu querido irmão, com suas vestes, seu chapéu e sua fita preta, que amarrou ao braço e deu as costas para o seu algoz que, na verdade, lhe concederia a liberdade.
Por amor e por saber amar, o Menino rasgou o tempo e o ciclo de mortes.
Tonho foi presenteado com a vida, pois o seu inocente irmão estancou o sangue da vingança e o ranso de ódio que havia sido espalhado até ali.
Tonho saiu da paisagem seca e árida e buscou novos lugares...
O mar lhe pareceu imenso e uma estrada de ferro, simbolizava que a vida era dura, mas era possível ser vivida, mesmo que de encontro ao desconhecido.
Essa foi minha impressão e interpretação para o ABRIL DESPEDAÇADO.