Historicismo, pós-modernismo historiografia.
Resumo: o texto trata da autodestruição do Historicismo e da posterior ascensão de uma historia pós-moderna, a partir desta autodestruição, e, seus conseqüentes problemas de analise textual por parte dos historiógrafos.
O texto começa com um debate sobre a epistemologia. A epistemologia se ocupa do problema de como a linguagem interage com a realidade, e sob quais condições um conhecimento seguro e objetivo é possível. Se soubéssemos como as palavras interagem formalmente com os objetos, então os critérios essenciais para a obtenção de um conhecimento seguro também seriam conhecidos por nós.
O autor propõe como pressuposto que a epistemologia é essencialmente metafórica. E, se a realidade é igual à linguagem torna-se claro quais questões epistemológicas são essencialmente metafóricas – em que medida a linguagem nos permite falar sobre a realidade?
A epistemologia e a metáfora ancoram-se na pretensão de que podemos renunciar momentaneamente à inclinação de nos apegarmos seja à linguagem seja à realidade e forma a incorporar uma perspectiva a partir da qual a relação entre ambas se tornaria controlável.
As argumentações epistemológicas normalmente culminam em metáforas óticas ou espaciais e, para a historiografia e para o pensamento histórico, metáforas espaciais sempre tiveram seu lugar na teoria da historia. Mink argumenta que a tarefa do historiador seria a da síntese e da integração, obter a compreensão configuracional dos distintos componentes do passado. O historiador esforça-se para atingir a mais ampla integração possível dos acontecimentos no inicio e no fim de sua narrativa histórica.
Na compreensão configuracional o fim é conectado com a promessa do inicio, bem como o inicio com a promessa do fim, e a necessidade de uma referencia retrospectiva bloqueia a contingência da referencia vindoura. Compreender a sucessão temporal implica pensá-lo em ambas as direções simultaneamente. O tempo deixa de ser o rio que nos transporta, mas o rio a partir de uma visão aérea, correndo tanto em uma direção quanto outra em um mesmo inquérito.
A metáfora espacial remete a uma desconstrução do tempo por meio do espaço na medida em que a sucessão temporal é suprimida graças a um ponto de vista exterior ao fluxo do tempo.
A metáfora de Mink coincide inteiramente com a concepção tradicional do historicismo a respeito da natureza do conhecimento histórico e, ambos recorrem a uma metáfora espacial – tanto o Historicismo quanto a epistemologia são permeados pela mesma mentalidade em seu esforço de dotar a ciência de um sólido fundamento epistemológico. A compreensão configuracional é idêntica às idéias históricas que o historiador deve descobrir sob a complexidade do processo histórico, tanto uma como a outra, se caracterizam de um ponto de vista segundo o qual o passado se deixa observar como se fosse uma unidade coerente. Ao estabelecer um ponto de vista exterior ao fluxo do tempo acredita-se ter deslocado o historiador em sua tentativa de atingir uma visão de conjunto sobre uma fração do passado.
A distinção fundamental entre Historicismo e pós-modernismo poderá ser mostrada a partir de agora.
Um importante papel é atribuído ao conceito de alteridade tanto pelo Historicismo quanto pelo pós-modernismo. Ambos definem a natureza da realidade a partir das diferenças. Mas, o Historicismo limita o campo da alteridade ao passado (ou ao fluxo do tempo), as diferenças são percebidas do ponto de vista dos historicistas somente como pontos distintos desse fluxo. O historiador encontra-se separado do fluxo do tempo que corre diante dele, em um lugar apartado do campo de influencia da alteridade. Para os historicistas certamente ainda há uma alteridade e uma distancia que separam o historiador da força do tempo na qual se efetiva a transformação histórica. Essa alteridade ou distancia é destituída das grandezas históricas de que potencialmente dispõe. O sujeito histórico é transcendentalizado, deshistoricizado e colocado fora do tempo histórico e do alcance dos conjuntos históricos.
Gadamer acusa o Historicismo de ser contraditório. Na medida em que nos tornamos conscientes de uma diferença e de uma distancia entre nós mesmos (sujeitos históricos) e o passado é que a escrita da história pode tornar-se um empreendimento cultural significativo. Só conhecemos historicamente porque nós mesmos somos históricos. Em suma, tudo aquilo que, na tradição modernista-historicista era transcendental, precisa ser agora historicizado.
Isso nos confronta diretamente com o problema do relativismo resultante da historicização do sujeito histórico. O relativismo surge quando historicizamos o sujeito e o conhecimento históricos e insistimos na nostalgia em relação a verdades absolutas e transhistoricas- alem da história. O problema do relativismo é antes de tudo uma reformulação do que uma dimensão complementar da problemática analisada.
Gadamer recorre ao conceito de historia efeitual para mover-se em direção a uma hermenêutica (interpretação) histórica na qual as tendências transcendentais do Historicismo tradicional estejam superadas.
A historia efeitual propõe que o objeto histórico não é objeto algum, mas a unidade do próprio objeto e do diferente. Uma relação na qual coexiste tanto a realidade da historia quanto a da compreensão histórica. Uma interpretação apropriada das coisas deveria mostrar no próprio entendimento a realidade da historia. O que é requerido com isso chama-se de historia efeitual. Compreender é um processo histórico-efeitual.
O caráter indefinido do conceito de historia efeitual dá pretexto para que se questione sua legitimidade e sua utilidade. Esse conceito se desfaz assim em um desdobramento infindável de auto-reflexões históricas em um presente historiográfico em continua expansão.
Esse conceito não deve ser entendido como uma critica de um debate histórico. A historia efeitual não tem origem identificável, seja em um passado ou uma corrente especifica. Esse conceito deve ser entendido como um movimento que se cruza ao fluxo do tempo e que não conhece sua origem ou seu destino na historicização da compreensão configuracional.
Este movimento garante ao mesmo tempo a realização e a morte do historicismo. Realização por que a historia efeitual não mais exclui da historicização o sujeito histórico que ficava tranqüilo acima da torrente. Morte porque perdeu estabilidade a concepção que permitia ao transcendentalismo historicista proceder a uma historicização do passado. Estabilidade essa que era indispensável ao seu funcionamento enquanto concepção.
Neste movimento pontos de vistas sobrepõe pontos de vista e, como o movimento não tem fim, a versão final e mais radical do historicismo equivale à sua transcendência.
A historicização dos pontos de vista dificulta não apenas a sua identificação mas no coloca também na situação de termos de assumir o ponto de vista de que não temos ponto de vista algum. Significa o mesmo que a eliminação da metáfora e de todo o aparato epistemológico que surge a partir da metáfora. O resultado é o paradoxo de um ponto de vista da ausência de ponto de vistas.
A partir da auto-superação da metáfora, podemos entender as características do que é conhecido como escrita da história pós-moderna. Pode-se dizer que o abandono de centros metafóricos para a organização do material histórico encontrou na leitura desconstrutivistas de textos um grandioso limite que não pode ser ultrapassado.
As características mais evidentes da escrita da história pós-moderna se explicam quando aceitamos o cenário de autodestruição do Historicismo e das metáforas historicistas. Podem ser relacionadas três características principais
A primeira é: se existe uma norma epistemológica aceita pelos historicistas, sem duvida é a de que o historiador precisa colocar o objeto de pesquisa no seu contexto histórico se o quiser compreender. A contextualização histórica é agora substituída pela tentativa de analisar as partes constitutivas do passado em sua independência democrática e individualista, umas em relações as outras. O resultado é um esmigalhamento do passado que é o traço decisivo da escrita da historia pós-moderna.
A segunda: devemos apenas á metáfora e ao aparato epistemológico a possibilidade de imputar unidade e coerência ao passado e, com a dissolução da organização metafórica, o passado deixa de ser um todo unitário e torna-se uma soma anárquica.
A terceira: as diferenciações entre essencial e acidental, ser e parecer, dão lugar a um passado que é mera superfície sob o qual não há nenhum sentido oculto a se descobrir. Deve-se considerar que o Historicismo sempre causou uma ilusão de profundidade quando compreendia tudo como resultado de uma revolução histórica. No Historicismo a essência, identidade, reside na historia e, a escrita pós-moderna alimenta pouca simpatia às transformações produzidas por essa ilusão. Isto explica por que a escrita da historia pós-moderna tem afinidade com a antropologia.
Nesse contexto, abordar as conseqüências para a historiografia, com a substituição da abordagem histórica historicista pela abordagem pós-moderna, é uma tarefa urgente, pois, pode-se pensar que a historiografia não estaria em condições de sobreviver ao regime pós-moderno.
Mas, a desepistemologização da história pós-moderna não retira da historiografia sua razão de ser. A questão central a responder é se esse movimento pode escapar ao risco de uma fusão entre escrita da história e historiografia. É como se a historiografia pós-moderna fosse capaz de se definir com sucesso em relação à escrita da história. A nova historiografia deve descartar cuidadosamente todo desejo de uma representação adequada do passado. A atenção do especialista historiográfico deve-se concentrar no texto histórico e naquilo que acontece entro o texto e o leitor. O texto precisa ser visto como objeto, e não como recriação textual do passado. É importante a disposição de se confrontar com o texto histórico como uma obra de arte literária. Utilizar-se de instrumentos de critica literárias não são característica acidental desta historiografia, são, na verdade tão naturais quanto a aplicação da matemática à física teórica.
Pode-se acreditar que tal afirmação significa reduzir a historiografia ao absurdo. Mas, deve-se atentar para o fato de que, para os pós-modernistas, a representação histórica essencialmente na produção de um objeto lingüístico que exerça a função cultural de substituto de um passado não-presente; e a natureza substancial e ausência de transparência desse objeto lingüístico acham-se em uma harmonia extremamente bem-vinda com a demando do especialista me historiografia pós-moderno de se ver o texto histórico como objeto. E, certas duvidas que se poderiam ter quanto à utilidade da historiografia pós-moderna podem ser formuladas como duvidas em relação à teoria pós-moderna da representação histórica. O ônus da prova desta pode ser transferido para os ombros dos adeptos da teoria da substituição da representação histórica.