Diana Krall em Paris
Diana Krall em Paris
Aconteceu assim. Estava eu na produtora de um amigo, que além de produtor musical é também diretor do curso de Rádio e TV na Faculdade "Xis". E nesse dia, lembro bem, finalzinho de 2006, ele me aparece com mais um DVD. Porque toda mão ele tirava da cartola alguma produção anormal dos alunos dele, uma delas foi parar no YouTube, uma relíquia do seriado Batman e Robin, só que dublado por dois moleques fazendo sotaque da Moóca e só falando sacanagem. Hilariante, por um lado, por outro uma verdadeira aula de escatologia. Aconteceu que, logo em seguida, 5 minutos depois, ele saca das prateleiras um DVD, o som não sai porque tinha algum cabo desconectado, eu jogado num puff(?) já meio pelas tampas, prevendo outra presepada, e a imagem na super TV mostrava uma loira, mas ainda sem som, e diante do contexto pensei: pronto, lá vem...E veio. Na época todo mundo já conhecia menos eu – Diana Krall, Show em Paris. Loira, bonita, e canta. E como canta. E além do que é pianista, dirimindo quaisquer dúvidas sobre sua relação com as teclas. Não, não, ela não fez um intensivão de tecrado para aparecer no BBB, ali tem anos de estudo, além de classe. Muita classe. Sem falar no show, que é uma apologia ao termo. Palavra que, durante alguns minutos, pensei que fosse outra ala dos alunos do meu amigo, uma ala assim mais sofisticada, fazendo uma trucagem do escambal. Porque loira, bonita, cantando e tocando daquele jeito, pô, é muita dissonância cultural num mesmo pacote, e o meu embasamento para fundamentar essa frase se traduz na equação: zero machismo + o canal do reto = hora do espanto. No item machismo eu nem adentro nem a fora, aliás, fora de questão. Canal do Reto é como o meu padrinho define a TV Aberta Brasileira, (com exceção da Cultura). E o cenário, por assim dizer artístico, da TV Aberta Brasileira é repleto de moças mui belas, todas pintam e bordam, e gravam CDs e escrevem livros mas eu diria, como diria o meu avô, muita galinha e pouco ovo.
O núcleo, ou se preferir a banda da Princesa Diana é, pelo menos nesse show, um sexteto de jazz, que em dado momento se agiganta de uma orquestra regida por Olaf "Xis". E aí começa uma arranjo de cordas misturado à banda e à voz da moça que Deus te livre, sr. ou sra, ouvinte, ou Deus te abençoe, como diz o Jacó Filho.
Nota1, de vital importância nesta suposta resenha: não sou, nunca fui e jamais tive ou terei a pretensão de ser ou me tornar critico de música. Mas tive a honra de aprender, com o maior crítico de música de todos os tempos, o maestro Jorge Cordeiro, que fez e faz até hoje a única critica de música que ele julga correta: música tem de ser agradável. E eu sigo a cartilha dele. Pode ser pop, rock, samba, jazz, choro, bossa, crássico...sendo agradável, pode ser o que for, menas pagode e metaleira, porque, já disse um sábio, “o papel aceita tudo, o ouvido não”, mas ainda assim, tem ouvido pra tudo. E pior do que ouvir metaleira é discutir sobre gosto.
Nota 10: o bom gosto da Princesa, sobretudo quando associam-se as cordas do maestro e a guitarra, o baixo de pau, mais o piano e a voz, acentuando cada silaba com a devida precisão, seja em The Look of Love, que “ficou de apetite”, como diria o Eça, na verdade em todas do show, seja especialmente em I‘ve Got You Under My Skin. Se segura malandro, porque a vida é longa, mas não é cheia de Dianas, então aproveita cada instante como se fosse o último. Principalmente se você não tem o DVD e deu sorte do cabo estar pago, como foi o meu caso. Nessa musica, I‘ve Got You..., que ela fez metzo em bossa nossa, porque para mim a idéia foi dela e óbvio que nesse trecho estou endeusando quem de fato já é, nesse trecho do espetáculo tem um violonista cujo nome não sei mas bebeu muito na fonte do seu João e a cada acorde tem um subliminar “também faço”. E faz.
Mais três notas: Diana Krall é casada com Elvis Costello. Tipo do sujeito que, com todo o meu respeito, não consigo entender o som. Mas o cara faz sucesso, e com certeza tem algo que eu não tenho. Craro, Cróvis, é marido da Diana. “Acorda amor..”
Penúltima nota: o magistral Paulinho da Costa integra a banda da loira na seção percussão, com a classe que só ele tem e aqui vale um aparte mais do que justo. Necessariamente o povo não é o retrato do governo. Digo isso por nós, brasileiros, e pelos gringos, porque “mala” é uma praga planetária. E digo isso porque o talento do Paulinho da Costa, bem como o do Naná Vasconcelos e do Airton Moreira, para ficarmos nesses 3, e nesse “instrumento”, só encontrou repercussão na América. Se aqui eles forjaram a alquimia no caldeirão, lá eles tiveram a expressão. E só insisto nesse ponto porque, no finalzinho dos 60 ou no principio dos 70, não sei em qual festival, lá na América, foi criada a categoria “percussão” em justa homenagem ao nosso Airton Moreira. Então, quando eu vi o Paulinho da Costa ali, em Paris, fazendo parte e fazendo a diferença, me emocionei.
Nota última: o guitarrista da Diana. Fisionomicamente dizendo, o estereótipo do não guitarrista, gel na cabeleira e óculos de grau redondo, dá a impressão de um vendedor de bíblias misturado com bibliotecário. Mas o cara é dono de um “tocar a guitarra”, que em última análise, eu pelo menos entendo como inteligência musical oriunda de antigas escolas, das que eu supunha terem jogado fora o molde, lá dos confins de onde saíram Barney Kessel, Herb Ellis...Sutil quando é necessário, poderoso quando necessário é. Reorganizando as idéias, não é o tipo de instrumentista usando bala de canhão para matar passarinho. Pesquisando no YouTube, percebi que faz tempo que os dois andam juntos, vi apresentação só dos dois, belíssimo duelo de piano e guitarra, e, musicalmente dizendo, “feitos um para o outro”. Ambos sabem das coisas e as utilizam com primazia. Sem contar que ela é gata. E não mia. Canta.