A SOCIEDADE DOS ANJOS
Preconizamos a distribuição de renda, o direito a liberdade de expressão, a possibilidade de ir e vir, o direito ao trabalho remunerado. Em contra partida abolimos a usura, a escravidão e a censura e reservamos apenas aos maus cidadãos a prisão. É assim que a nossa sociedade capitalista idealiza o seu funcionamento onde o Estado se vê apenas como mero mediador de relações não interferindo, melhor dizendo, interferindo o menos possível num tal de livre-arbítrio, em que dizem por ai que todos tem liberdade.
E diante desse livre-arbítrio, o ser humano se reserva ao direito de ser o escolhido. Portanto, o resto da natureza é subjugada a sua existência e a sua subsistência, uma vez que os seres humanos se consideram melhores do que qualquer criatura que ande ou rasteje sobre a terra e tudo isso por um simples motivo, temos Deus! As outras criaturas apenas servem com o seu sangue e com sua existência ao supremo humano, feito a imagem e semelhança divina, diga-se de passagem!
Quando o homem se disse melhor que a natureza ele próprio criou um problema para si mesmo: O que fazer com os sentimentos? Esses não são dignos, mas somente em parte, logo, a parte que não é digna deve ser estripada, porém com isso existe uma questão importante, funciona mais ou menos como um problema para o ser humano: Não é de modo cartesiano que podemos distribuir os sentimentos, uma vez que um sentimento “ruim” anda de mãos dadas com um “bom” sentimento, como em uma balança.
Contudo, a sociedade ocidental espera que ao suprimir determinados sentimentos possa ela como um todo merecer a exclusividade de Deus, como escolhidos santificados, sem pecados. Entretanto, o que há é apenas a criação de um Estado em desarmonia, mal equilibrado, onde quanto mais se exclui um sentimento mais ele aparece. Tentando a todo custo suprir essa falha, as leis foram sendo criadas e com elas as diferenças aumentaram , não simplesmente aumentaram, mas o diferente não podia mais existir, o Estado e Deus sempre acolhem as criaturas, principalmente as santificadas e puras, não se pode aceitar o contrário.
Foram circunstâncias que se apresentaram que fizeram com o que esse desequilíbrio se tornasse insuportável e os poderosos se esqueceram que sempre é sangue que corre em todas as veias. Todos sangram em todos os sentidos e com isso se vai suprimindo o direito de ir e vir e a distribuição de renda não é tão distribuída assim, uns passaram a ter mais direitos que outros e a lei já não é a mesma para todos os anjos. Sempre há as que são aplicadas somente para uns santificados, uns são mais agraciados, mais iluminados e, portanto devem receber mais que outros. Quem se expressa contra essas normas sociais tem que se ver com uma maioria forte que possui armas.
Deve ser mantido acima de tudo, o direito ao trabalho remunerado, tal idéia parece até ser sensata, mas esse direito é regido pelas ordens dos que passaram a dominar, no caso o capitalista, que tem nas mãos o sangue e o suor do trabalhador, como Pilatos. Ao servo devotado deve ser reservado apenas a subsistência, pois são menos iluminados e portanto devem servir obediente a ordem natural do mercado da vida.
Com isso o homem superior alimenta o seu ego, o inferior também acredita nisso tudo, existe uma espécie de hierarquia divina que rege o universo capitalista e mesmo sendo todos merecedores de Deus, o ser supremo, os iluminados tem o poder de absolver e condenar, de dizer quem de fato merece o paraíso na Terra e quem não pode usufruir porque não foi o escolhido e é por isso mesmo, e é só assim que é possível se constituir a cidade dos Anjos.