Solidão um quadro de muitos autores
“Solidão um quadro de muitos autores”
A solidão é algo interno. Manifesto de dentro para fora. Como se nada de fora pudesse interferir naquilo que ocorre dentro. Contudo Eduard Munch no seu quadro “O Grito”, externa o sentimento. A ponte ao fundo, o deslocamento pictórico do céu, o amarelo e vermelho em horizontais contrastando com os verdes e azuis verticais à sua direita mostram claramente o isolamento humano. As pessoas estão necessitadas de companhia, de uma ligação entre o mundo real e os sonhos individuais.
Numa expressão mais amena, Matisse em seu quadro “Overlaiyng”, decompõe a nudez humana. No caso uma mulher. Que tenta repousar e não consegue, cheia de cicatrizes e problemas os quais talvez ela mesmo criou com sua imaginação fértil. Maioria das pessoas gostam do sofrimento, de se apegar ao errado, ao nulo, à insensatez. É mais fácil duvidar do que confiar. Confiar predispõe à entrega. Dar-se é muito difícil. O corpo abaixo dorme, mas os braços e pernas estão cruzados. Diverso do corpo acima que róseo cor-de-carne, se refestela lânguido e desperto. Faça sua escolha.
Picasso é múltiplo e dele vem a frase: “- Não se pode fazer nada sem a solidão”. O que mesmo diante de um quadro triste, podemos crescer. Em seu “Los pobres a orillas del mar” vemos um casal de meia-idade, curvados, descalços, com o filho ao lado, fase azul, rostos, mãos e pés esquálidos, já que a solidão consome. E as costas, onde carregamos as culpas e frustrações, da mulher; aparecem retas e toda a coluna dorsal dela impressa na manta que a recobre. Assim somos, transparentes nas nossas vicissitudes, porém não pedimos ajuda. Por quê?
Saltemos para um pintor que também adoro, além dos anteriores. Miró. Trago sua obra “A Noite”. Quando no momento único de repouso. Mesmo depois de amar ou de brigar. Estamos sós. Imersos em pensamentos. Únicos. Preciosos. Este momento é importante e necessário. A reflexão diária. Miró é lúdico. São pássaros, estrelas, constelações. Pontos pequenos e traços finos e curvos. Não seria a vida essa eterna adaptação as intempéries? Uma noite? Lua nova a lua cheia, cheia de fases. E reviravoltas? Quando foi a última vez que deixamos de imaginar como o outro pensa para poder apenas analisar como o outro age? Os gestos nobres, a delicadeza, as gentilezas, o carinho. Até a infantilização que o verdadeiro amor nos leva. Nada disso conta?
A solidão é cruel. Ela trás consigo o grito de desespero, o deixar-se largar no meio do nada, à deriva. A vontade de abandonar tudo, criar vida nova, distante dos convívios diários. A fuga é sempre uma boa opção. A mais fácil. A tristeza, entretanto, deve ser vivida para superar-mo-la. A pobreza de espírito condiz com a insegurança íntima. Deixem-se levar pelo sonho. Ele é o reflexo do autor dos nossos quadro diários. Como Miró.
Aí, então um dos meus quadros prediletos, “O Beijo” de Gustav Klimt. Um precioso mosaico que funde o vestido dela com as vestes dele. Comecemos com os pés, ela parece estar de joelhos, envolta por uma manta “uma cabaninha” que remonta a infância perdida. Seu corpo é contornado por brilhos mais fortes. O dele a envolve ternamente e ela está sendo carregada e apóia-se em seu pescoço. Flores, estruturas redondas a cercam, já ele é envolto por figuras geométricas quadradas, retas. Homem e mulher são diferentes, sempre.
Prosseguindo no rosto dos amantes, vemos que o beijo é no rosto. Terno, confortador. A solidão remedia-se com ternura e auto-conhecimento. Necessário faz-se um retorno às origens. E no detalhe das mãos dele sobre suas faces, e as mãos dela repousando na dele e no seu ombro transmitem a verdadeira solução. Nele folhas, nela flores. Abaixo, frutos. Confiar em si e no outro. E a solidão será somente um tempero, para um belo e definitivo encontro. Com você e com o mundo.
JB Alencastro