Os FILHOS da PAIXÂO
"Nascemos num campo de futebol.
Haverá berço melhor para dar a luz a uma estrela?
Aprendemos que os donos do país só nos ouviam quando parava o rumor da última máquina.
quando cantava o arame cortado da cerca.
Carregamos no peito, cada um, batalhas incontáveis.
Somos a memória perigosa das lutas.
Projetamos a perigosa imagem do sonho.
Nada causa mais horror à ordem do que homens e mulheres que sonham.
Nós sonhamos. E organizamos o sonho.
Nascemo;s negros, nordestinos, nísseis, indios, mulheres mulatas meninas de todas as cores, filhas, netos de italianos alemães, árabes, judeus, portugueses, espanhóis, tantos...
Nascemos assim desiguais como como todos os sonhos humanos.
Fomo;s batizados na pia, na água dos rios, nos terreiros....
Fomos, ao nascer condenados a amar a diferênça.
A amar os diferentes. Viemas da margem.
Somos a anti-sintonia que estorna na estreita pauta da melodia.
não cabemos dentro da moldura...
Somos dilacerados como todos os filhos da paixão.
Briguentos. Desaforados. Unidos como meninos de rua.
Quando o inimigo não fustiga, inventamo;s nossas próprias guerras, desenvolvemos
um talento protigioso para elas...
Compomos um rosto de peão.
o desassombro dos peões para oferecer ao país,
para disputar o paí."
Trecho da obra de Pedro Tierra. 1994.