Resenha da Crônica “Às Raias da Loucura” - Ezra Ganan
CRÔNICA #011 – Às Raias da Loucura
Era um fim de tarde terrivelmente quente, meados de agosto de 1969. Sentia-me muito cansado após horas de aulas.
Estava muito exausto, pois além da chatice que é estudar no período vespertino, não era fácil a distância percorrida. Eram 5 km para ir e outro tanto para voltar, sem contar com a ladeira da Getúlio Vargas, o acesso mais seguro para ir à Vilalta. As aulas terminaram mais cedo e lá estava eu em meu quarto, sentado na cama. Niilismo total. Fazer o quê? Em que pensar?
O ócio faz-nos enveredar por pensamentos mais absurdos e nos leva a caminhos tortuosos muitas vezes sem volta. Foi isso o que me ocorreu naquele entardecer. Meditava na famosa frase de René Descarte - “Penso, logo existo”. Dando vazão aos pensamentos passei a explorar essa tese cartesiana, partindo para sua negativação. “E se eu não penso, certamente deixaria de existir?”
Aquilo deu origem ao um redemoinho de ideias, qual um buraco negro a sugar cada pensamento de forma hipnótica, helicoidal e concêntrica. “E, se de fato, não existo mesmo?”. “E se eu fosse apenas um pensamento de alguém que não quer mais pensar?”. E se eu fosse o pensamento de outro pensamento, de alguma personagem que de repente resolver parar de pensar?". “E se essa pessoa morresse agora eu seria definitivamente apagado e ninguém saberia que eu teria existido por não passar de um pensamento de alguém que deixou de existir”.
Ao chegar nesse ponto, tudo à minha volta começou a escurecer; as vozes e ruídos ao redor começaram a se dissipar, aproximando-se cada vez mais de um silêncio profundo e absoluto; minha mente foi-se entorpecendo a ponto de eu não sentir mais o meu corpo. Uma tênue respiração ainda saía de minhas narinas, talvez a simbolizar um grito de socorro do meu ser, lembrando-me que, contrariando o filósofo, mesmo a despeito de eu parar de pensar, continuava respirando e vivendo.
- “Não! Basta!”. Naquele momento, quase a gritar; num ímpeto pela sobrevivência reagi, respirei fundo, recobrei minha lucidez e retornei à realidade. E, com plena convicção, concluí:
- “Penso, porque vivo; vivo porque respiro”.
Graças a Deus pelo sopro de vida que nos faz seres viventes!
Resenha da Crônica “Às Raias da Loucura”
A crônica "Às Raias da Loucura" mergulha profundamente nas reflexões filosóficas de um protagonista durante um fim de tarde quente em 1969. O autor, habilmente, explora a desconstrução da famosa frase “Penso, logo existo” de René Descartes, levando o leitor a um labirinto de pensamentos existenciais e niilismo.
O narrador, exausto após um dia de aulas e o desgaste físico de um longo percurso, encontra-se entregue ao ócio, o qual se transforma em uma jornada de autoquestionamento. A crônica captura a sensação do protagonista ao embarcar em um redemoinho de ideias, questionando não apenas a própria existência, mas também sua relação com o ato de pensar.
A narrativa utiliza metáforas poderosas, como o buraco negro sugando pensamentos e a ideia de ser apenas um pensamento de alguém que não deseja mais pensar. Essas imagens intensificam a experiência do protagonista à medida que ele se afunda nas profundezas de sua própria mente.
A virada crucial ocorre quando a escuridão se intensifica, simbolizando a iminência de uma anulação existencial. Entretanto, a revelação do ato contínuo de respirar resgata o protagonista desse abismo. O grito de socorro da respiração serve como um elo com a realidade, confrontando a teoria de Descartes e resgatando o protagonista do limiar da loucura.
O desfecho é marcado por um retorno à realidade, onde o narrador, quase gritando, afirma: “Penso, porque vivo; vivo porque respiro”. Essa conclusão é um tributo ao valor da vida e da consciência, um agradecimento pelo “sopro de vida” que mantém os seres viventes.
A crônica oferece uma rica exploração das complexidades da existência, guiando o leitor por um passeio emocional e intelectual que culmina em uma celebração da vida. O autor habilmente entrelaça filosofia, metáforas visuais e uma narrativa envolvente para criar uma crônica impactante e reflexiva.