CONTRATEMPOS DO COTIDIANO HOSPITALAR

CONTRATEMPOS DO COTIDIANO HOSPITALAR

Ilma. Sra. Gerente de Enfermagem

Em atenção à sua solicitação, encaminho, a seguir, manifestação sobre o ocorrido no plantão noturno do dia 05/12/2023, envolvendo a técnica de enfermagem Fulana de Tal dos Desprazeres:

1)   Assumi o plantão da emergência pediátrica às 19:00 h com a equipe de enfermagem completa e sem qualquer intercorrência que possa ser considerada de gravidade, conforme os dois médicos que estavam de plantão durante o dia. 1.1) É sabido que durante o período noturno, a emergência pediátrica tem apenas um pediatra de plantão, o que acarreta sobrecarga de trabalho devido a demanda contínua de pacientes para novos atendimentos, a reavaliação dos pacientes de retorno e dos internados.

2)  Dentre os pacientes que estavam em observação para serem reavaliados, um deles, acompanhado dos pais devido a presença do irmão mais novo, que também foi consultado à noite, apresentava diagnóstico de bronquite asmática com quadro de desconforto respiratório importante, dispneia moderada e ruídos adventícios audíveis universalmente em ambos os hemitóraces.

2.1) O referido paciente foi atendido no início da tarde e colocado em observação para posteriores reavaliações.

3)  A primeira reavaliação ocorreu por volta das 20:00 h, momento pelo qual os pais, ansiosos pela alta, relataram a necessidade de voltarem logo para residência por terem um terceiro filho que se encontrava na casa de vizinhos e já estava chorando sentindo a falta deles.

4)  Ao examinar o paciente, constatei que os sintomas respiratórios continuavam numa intensidade que impedia a liberação do mesmo, apesar de classificada como moderada.  Relatei aos pais a necessidade da permanência da criança enquanto não houvesse melhora. Alterei a prescrição médica aumentando a dosagem e frequência de alguns medicamentos e solicitei aferição da saturação de O2, considerando que a criança estava sem oxímetro.

4.1) O paciente se encontrava na enfermaria em frente ao consultório médico, a qual não possui oxímetro.

4.2)  A verificação da oximetria revelou saturação de 89%, motivo que fez com que eu reforçasse junto aos pais a necessidade da permanência dele no hospital e pedi que continuasse na mesma enfermaria, pois não havia justificativa clínica para colocação na SR (sala de reanimação), que possui os instrumentos necessários para os atendimentos mais graves, inclusive oxímetro. 

4.3) Informei minha decisão à enfermeira responsável, que concordou comigo,

5)  Posteriormente, a enfermeira relatou que a técnica não concordava em deixar o paciente sem oxímetro, achando que deveria ser transferido para a SR, para monitorização contínua da saturação.

5.1) Com a discordância da enfermeira e a insistência da técnica em mantê-lo no oxímetro, para evitar maiores constrangimentos, a enfermeira decidiu levar o aparelho de oxímetro para a enfermaria que se encontrava o paciente. 

5.2) Não fiz qualquer objeção para não interferir nos procedimentos e decisões da enfermagem, porém fui até a técnica e lhe disse que não precisava se preocupar pois os quadros de alergias respiratórias como asma de difícil tratamento, tendiam a evoluir para melhora e que a condição clínica da criança era estável.

5.3) Ela, ao relatar que tinha muita experiência na pediatria por trabalhar no Hospital Infantil Albert Sabin e no Hospital da Mulher, respondi em tom de brincadeira que também tinha experiência, e muita, devido estar velho e ter mais de quarenta anos trabalhando nas emergências de várias cidades brasileiras, inclusive no HIAS, devido minha condição de médico militar da Marinha do Brasil.

5.4) Complementei ainda, com intuito de descontrair o ambiente, que seria capaz de apostar com ela que, no mais tardar, às duas horas da manhã a criança estaria bem melhor, já em condições de alta. 

6)  Depois das 00:30 h , os pais do paciente se dirigiram ao meu consultório para pedir novamente que fossem liberados, pois o terceiro filho na casa da vizinha estava dando muito trabalho.

7)  Fui avaliar o paciente, que se encontrava em sono profundo, porém com melhora acentuada do quadro dispnéico e da ausculta pulmonar. Apresentava saturação de 93%. 

8)  Me dirigi ao posto de enfermagem onde encontrava-se a técnica e informei a alta do paciente, assinando o prontuário.

9)  A referida técnica, em atitude grosseira, abriu bruscamente a porta do meu consultório, que fica em frente à enfermaria do paciente e em voz alta, na frente da família e do pai da criança que estava no corredor, perguntou se eu tinha certeza da alta e se eu já tinha visto a saturação de 93%.

10)  Diante desse comportamento, também chamei a atenção dela dizendo que eu não seria irresponsável de dar alta ao paciente sem ter examinado com o devido cuidado e que ela, ao avaliar clinicamente um paciente, tinha que sair do trilho e abrir trilhas, pois estava se baseando exclusivamente na saturação. 

11)  Expliquei que a saturação de 93% era devido ao estado de sonolência profunda, quando há relaxamento das estruturas e acessórias da musculatura respiratória e também devido a flexão do pescoço da criança sobre o peito, tanto que ao corrigir essa posição, a saturação subiu para 95%. Reforcei que, apesar dele não estar totalmente curado, apresentava melhora suficiente para continuar o tratamento em domicílio, ou seja, de alta melhorado.

12)  Posteriormente relatei o ocorrido às enfermeiras e solicitei que não gostaria mais de trabalhar com ela atendendo na prescrição da emergência e sim no atendimento dos internados porque a partir deste episódio, houve ruptura da confiança profissional.

13)  Importante informar que essas situações de questionamentos às decisões e ordens médicas e de enfermagem vinham ocorrendo com outros colegas profissionais em diferentes plantões. Comigo, outra experiência constrangedora ocorreu quando um lactente sofreu queda com traumatismo craniano, convulsão e rebaixamento da SNC. Ao ser chamada a ambulância para transferência, com anuência e presença do chefe da equipe (atual diretor clínico), decidi não entubar o paciente após controlar o processo convulsivo, o que teve a concordância dos médicos presentes, inclusive o profissional do SAMU, sob os protestos da fisioterapeuta e da técnica. OBS: Continuei em contato com a família e hoje o paciente encontra-se bem e sem sequelas.

14)  Quero informar também que pedi que essas divergências internas fossem resolvidas na equipe e que não levassem adiante para que não pudessem vir a prejudicar a profissional, pois entendo como positiva a troca de informações e o esforço em prol do paciente, havendo apenas a necessidade de orientar quanto à forma de se relacionar e falar.

15)  Esse é meu relato o qual configura a expressão da verdade.

Atenciosamente

Marco Antônio Abreu Florentino

Médico Pediatra - CRM/CE 5363