Resistência e Transferência no Processo Psicanalítico
No século XIX, a medicina começava a preocupar-se com as neuroses humanas e em foco se tinha a histeria, enquanto enfermidade e a hipnose usada para o seu tratamento. Diante de todo o debate levantado sobre esse tema, visto que a hipnose não era bem aceita em todos os meios como ciência séria e sim como obra de charlatães, e que a histeria nada mais era do que um capricho/fingimento do paciente, destacou-se o então neurologista Sigmund Freud, homem da ciência, que partiu do Hospital de Meynert e foi em busca de Charcot aprender sobre a novidade que surgia. Foi como se Freud tivesse, enfim, encontrado aquilo em que realmente acreditava. Ficou fascinado pelos novos conhecimentos. Nesse ínterim, Freud conheceu o Dr. Breuer, que usava, ainda que de forma discreta, a hipnose no tratamento da histeria e compartilhou com Freud os estudos sobre o método catártico. Foi então que Freud enveredou por esse caminho, aprofundando-se cada vez mais, abrindo mão de algumas coisas, acrescentando outras até que deu um grande passo na história da humanidade e trouxe à tona a psicanálise, uma ciência voltada ao estudo do inconsciente psíquico e todo o poder que ele exerce sobre o homem.
Os Studies of Hysteria (1893-95) obra fruto da parceria de Freud e Breuer trazem ricas informações de como Freud chegou a descoberta de certos mecanismos de defesa do paciente, tais como a resistência e a transferência. O não contentamento de Freud com os obstáculos encontrados na prática da análise e a sua sabedoria em transformar tais obstáculos em algo que viesse a trabalhar a seu favor foi crucial para que fizesse desses dois mecanismos de defesa, não algo que viesse a atrapalhar o tratamento, mas sim algo que viesse a ser usado como parte fundamental do tratamento psicanalítico.
Na Clínica Psicanalítica, entendemos por defesa tudo o que é usado pelo analisando na tentativa de fugir do sofrimento, das lembranças que contêm o foco de seus traumas. Freud, em seus trabalhos, usou os termos “defesa” e “resistência” como sinônimos. A defesa age através do ego, ou seja, o ego do analisando na tentativa de fugir de uma lembrança dolorosa chama uma força repulsora que afaste essa idéia/lembrança patogênica. Daí o conceito de que toda defesa é uma tentativa do sujeito de fugir do que lhe traz dor, de esconder as idéias e pensamentos causadores ou relacionados aos seus traumas. As defesas podem acontecer tanto de forma inconsciente como conscientemente. E é papel do analista derrubar essas resistências e chegar ao foco do problema: a lembrança dolorosa causadora do trauma.
São muitos os exemplo de resistências na clínica psicanalítica, entre eles temos o silêncio do analisando – o que ele não quer falar? O que o faz não querer falar? – a postura do analisando no divã, a sua inquietação; falar somente de assuntos triviais e relacionados ao meio externo; evitar certos assuntos – um dos assuntos mais evitados é justamente o que diz respeito às fantasias sexuais com o analista; a ausência de sonhos; falta ás sessões por “n” motivos e mais uma infinidade de situações causadas pelo analisando, algumas das vezes até de forma inconsciente para evitar chegar na descarga de tudo o que tem lhe causado dor.
Mesmo quando a sessão parece fluir de forma solta, de repente, ao se tocar em determinado assunto, a resistência entra em cena e é preciso técnica para derrubá-la. Geralmente os assuntos ligados à sexualidade são os que trazem consigo mais defesas.
A resistência está presente em maior ou menor grau em todo o processo analítico, desde o início até a sua conclusão. A resistência se opõe ao processo analítico, ao analista e ao ego racional do paciente. Ela defende o “status quo” da neurose do analisando.
A resistência é um conceito operacional e não um conceito criado pela Psicanálise. A clínica psicanalítica, em verdade, serve de campo onde as resistências atuam. Então, cabe dizer que a clínica psicanalítica se caracteriza pela análise completa das resistências, descobrir como o paciente resiste, a que ele resiste e porque age assim.
Já por transferência entendemos uma situação onde um sujeito transfere para outro, sentimentos que, em verdade, não estão dirigidos a esta pessoa e sim a uma outra pessoa do passado. No caso da clínica psicanalítica o analisando transfere para o analista sentimentos e emoções que na verdade são de uma relação vivida (ou deixada de viver) com um ente ou pessoa próxima que fez parte de sua infância primitiva, segundo Freud. São, em geral, sentimentos de relações que não foram bem resolvidas. O analisando, em vez de recordar uma experiência passada ele a revive e a recria, no entanto, envolvendo uma outra pessoa que não a originária e isso pode ser caracterizado como um tipo de defesa.
A reação transferêncial é sempre uma relação objetal, ou seja, relação que pode conter emoção, impulso, desejo, atitude, fantasia e defesas contra isso tudo. Ela se dá sempre de forma inconsciente e cabe ao analista reconhecê-la. Embora em alguns casos o analisando até possa perceber que está exagerando em algum sentimento, ele não entende o porquê disso. Muito embora a transferência esteja sendo abordada dentro clínica psicanalítica, ela pode acontecer também fora dela.
É mister dizer que a reação transferencial não encontra compatibilidade no contexto atual, no entanto, ela cabe perfeitamente na situação primária. Seria como se um analisando ao perceber que a sua analista está a usar o cabelo preso num rabo-de-cavalo, sentisse uma onda incontrolável de ciúmes e um medo de ser abandonado ao ponto de decidir que naquela sessão não falaria nada e ofereceria apenas o silêncio e a inquietude de seu corpo como material para a profissional que o atende. Em verdade, o analisando trouxe para o presente a lembrança de que, quando criança, desejoso da atenção de sua mãe, na fantasia de querê-la só para si, viu-a arrumada, bem vestida e justamente com o cabelo preso num rabo-de-cavalo a dizer-lhe que naquela noite a babá o colocaria para dormir porque ela, a mãe, sairia com o seu pai. A criança ficou praticamente entalada de tanto ciúme a se ver trocada pelo pai. Essa situação é totalmente explicável no âmbito primário, mas é completamente incabível na situação atual.
A transferência é sempre uma repetição e sempre será inadequada. Então podemos citar mais algumas características da reação transferencial que são: a intensidade de sentimentos ou ausência total do mesmo; a inconstância e a tenacidade.
Para que um fenômeno psíquico seja enquadrado como transferência é necessário que apresente quatro características básicas: 1) que seja uma variação de relacionamento objetal. 2) Que seja sempre uma repetição de um relacionamento passado com o objeto. 3) Que apresente um deslocamento, visto que esse é o processo fundamental nas reações transferênciais. 4) Que seja sempre um fenômeno regressivo.
A transferência é um fenômeno imprescindível no processo analítico. Sem a transferência, não há análise. É ela que indica a direção a ser tomada pelo analista visto que é através dela que os processos inconscientes se atualizam e abrem as portas para o surgimento do conflito psíquico e sua resolução. A transferência segue mais ou menos o ritual “recordar, repetir, elaborar”.
A transferência revela a constituição do sujeito, de sua demanda e de seu desejo, só a partir dela é possível que o sujeito descubra a estrutura de seu desejo.
A resistência tal qual a transferência são mecanismos de defesa e são imprescindíveis para a realização do tratamento psicanalítico. Sem elas, não há psicanálise. Uma aparece na tentativa de encobrir e se defender de lembranças dolorosas, a outra como a repetição de uma relação objetal passada, e as duas trazem consigo pilares fundamentais com material riquíssimo para a clínica analítica.
BIBLIOGRAFIA:
GREENSON, RALPH R., A Técnica e a Prática da Psicanálise, Imago, RJ-1981.
INTERNET - http://www.geocities.com/psicanaliseonline/profissi.htm
INTERNET – http://www.fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/resistencia.html
INTERNET – http://www.escutaanalitica.com.br/resistencia.htm