Reflexão sobre Cinco Idéias Equivocadas Sobre os Índios
No passado, muitas etnias indígenas desapareceram por conta de um processo de destribalização forçada. A diáspora indígena reduziu inúmeros indígenas de diferentes culturas a caboclos. Assim, os povos indígenas perderam de vez as suas particularidades dentro de uma representação nacional coletiva, passando a ser uma coisa só.
Hoje, não seria exagero comparar o índio genérico ao latino genérico. Um Makuxi estaria para o Brasil tal como o Brasil estaria para os Estados Unidos. Por considerar uma cultura inferior, outra cultura não se interessa por suas especificidades, e prefere uniformizá-la, adequando-a a suas expectativas preconceituosas, transformando-a em algo genérico.
A língua portuguesa que falamos no Brasil é recheada de influências indígenas, principalmente do tupi-guarani, que deu nome a muitas coisas que conhecemos hoje. No entanto, quando estudamos a língua portuguesa, não estudamos o tupi-guarani, embora estudemos o grego e o latim. Este exemplo é só para ilustrar o nosso pensamento eurocêntrico que, há séculos nos indica que o conhecimento indígena é inferior ao conhecimento branco.
Os índios têm profundo conhecimento científico, artístico e religioso, que são engolidos dentro da nossa cultura pelos conhecimentos eurocentrados. Ora, se a grandiosidade de um povo está em sua produção de conhecimento, em que os gregos são superiores aos índios? Afinal, os astecas por exemplo, são considerados uma das civilizações mais desenvolvidas da história.
Um bom exemplo é o fato de os nomes que os índios dão as coisas trazem sempre informações sobre estas, prova de que eles são profundo conhecedores de tais coisas. Eu moro em Jacarepaguá, do tupi-guarani Yakaré Upá Guá, que quer dizer lagoa baixa dos jacarés, indicando as condições geográficas do local, que é uma baixada alagada que já foi repleta de jacarés.
As pessoas não entendem que o índio não deixa de ser índio se por exemplo não estiver vivendo em aldeias, assim como o negro não deixa de ser negro ao sair da África e o branco não deixa de ser branco ao sair da Europa. As culturas indígenas são culturas em movimento, assim como as outras. Sendo assim, estão sujeitas a todo tipo de transformação e incorporação. É um equívoco grave e que já deveria ter sido superado, o do congelamento cultural. Talvez, a visão romântica indigenista tenha contribuído para esse pensamento.
Querer que um índio que tem contato com outras culturas não sofra nenhum tipo de influência destas e não tenha sua própria cultura transformada com o passar dos tempos por si só, é o mesmo que querer por exemplo, que os japoneses vivam como a séculos atrás, quando não sofriam nenhuma influência do Ocidente. Nunca ouvi ninguém dizer que alguém deixou de ser japonês porque pintou o cabelo de loiro.
Todo dia dezenove de Abril, as escolas vestem suas crianças como uma idealização do índio de 1500. O “dia do índio” é a data em que mais temos a certeza de que o Brasil não conhece o Brasil.
Por que ao invés disso, as escolas não apresentam o índio como um personagem atual? Porque o índio não é visto como um personagem atual. Quando pensamos em índio, o que nos vem à cabeça é justamente o índio da carta de Pero Vaz de Caminha.
O índio representa a negação do desejo positivista de ordem e progresso que rege a república brasileira.
Quase toda a população brasileira descende de um processo de miscigenação ao qual o índio está inserido. O índio faz parte da constituição do povo brasileiro deve ser reconhecido como tal. Não apenas muitos de nós temos sangue indígena, como todos nós carregamos em nossa cultura influências das culturas indígenas, ainda que muitas vezes não tenhamos conhecimento disso.
Não é difícil encontrarmos em algumas aldeias, índios vestidos com a camisa da seleção brasileira de futebol. Ou seja, embora o índio tenha sua nação indígena e se reconheça como tal, uma nação une todas as nações indígenas, a nação brasileira, onde cada índio, seja Munduruku ou Yanomami, se encontra como brasileiro.
FONTE: Freire, José Ribamar Bessa. Cinco Idéias Equivocadas Sobre os Índios. Palestra proferida no CENESCH no dia 22 de março de 2000, gravada e transcrita posteriormente.