BREVE RELATÓRIO SOBRE A LEITURA DO ARTIGO “RELIGIÃO: LIMITES E HORIZONTES DE UM CONCEITO” DE FREDERICO PIEPER.
O autor inicia afirmando que o conceito de religião seria compreensível à qualquer um; e ainda fácil de ser declarado. Apesar da reconhecida Ciências da Religião, nomenclatura de maior utilização no país, ser auxiliada por diversas metodologias de diferentes outras ciências das humanidades – por isso, talvez, a palavra ciências no plural - , religião encontra-se no singular. Todavia, o imbróglio não se encerra tão rapidamente e facilmente, apesar de qualquer um saber do que se trata a palavra religião. O autor menciona que alguns povos não cunharam verbete que possa ser traduzido por religião no seu idioma apesar de ter manifestações nas suas culturas que poderiam ser consideradas religiosas. E ainda, Max Weber, no início do seu estudo sociológico sobre religião não se atreve a fechar uma definição sobre essa palavra. Esquiva-se por não querer se perder nesse “labirinto conceitual”.
Em seguida Pieper discorre sobre duas palavras que teriam dado origem ao verbete religião: religare e relegere; ambas com origem na antiguidade. Os sentidos de ambas são bem distintos. No entanto, o autor questiona que mesmo antes da existência desses termos, o fenômeno que poderia ser chamado de religioso já existia. Então seguindo a proposta de Wilfred Smith, seria o caso de abandonar o verbete devido a sua inconsistência persistente para designar algo, por se tratar de um conceito distorcido? A verdade, é que o conceito, segundo o próprio Smith, é de uso recente.
É importante ressaltar que apesar da Idade Média ser considerada uma época religiosa, ela não nos deixou nenhum tratado de fato religioso, apenas escritos teológicos como os de Agostinho. Somente à partir do século XVII da era moderna, quando a religião se torna menos importante, que o uso da palavra se torna mais constante.
Uma maneira de explicar essa ocorrência seria uma tendência a especialização, a autonomização das esferas sociais. À partir daquele momento, nem tudo diz respeito ao sagrado. A política, a educação, a arte, a economia, são esferas distintas do religioso. [O triste é que ainda hoje ocorre uma hibridização dessas áreas como ocorreu no recente desgoverno de Bolsonaro trazendo o religioso para a vida política.] As esferas sociais, nesse momento, passam a ter seus modos próprios de legitimação e a religião, vocábulo de origem ocidental, passa a ser uma delas. É fato que essas esferas se interrelacionam e se influenciam mutuamente. Por exemplo, o indivíduo religioso vai observar a economia e a arte com um olhar diferente de outra pessoa que não possui nenhuma crença dita religiosa. [A religião, o Direito Canônico, deu origem a diversas leis ocidentais; ou seja, certa religião influenciou o Direito ocidental.] Contudo, cada esfera social, ou esfera do saber, tem sua própria autonomia e modo próprio de legitimação. Impossível defender uma teoria econômica tendo como base uma crença religiosa; ou defender uma tese teológica amparando-se numa lei Física “para lhe conferir maior credibilidade”.
Portanto, à partir do Iluminismo podemos denominar de cultura/sociedade essa simbiose ou hibridismo de todos esses conhecimentos autônomos; uma totalidade de todos esses termos.
Diante do exposto, podemos articular o fenômeno religioso a partir de três possibilidades: religião como esfera social (Seu sentido e função não é propriamente religioso, mas atinente a outro aspecto.), “religião como um meio para se compreender unidades maiores, como a cultura e sociedade”, e finalmente religião como esfera social autônoma, “buscando explicar a religião a partir dela mesma”.
Na primeira possibilidade, segundo Marx, a religião é a exigência por ilusões. Superada essa necessidade por ilusões, desigualdades sociais, distúrbios psíquicos, o ópio do povo, as religiões desapareceriam. Não há um combate às religiões mas uma solução dos problemas que as geram.
Na segunda possibilidade, tentamos entender qual o papel que a religião exerce no tecido social. Aqui a religião é uma espécie de meio para se chegar a um fim; entender a sociedade/cultura. Trata-se de uma abordagem bastante sociológica.
A terceira e última possibilidade examina a religião a partir dela mesma, exclusivamente como fenômeno autônomo. É notório que as outras esferas vão influenciar e participar das religiões mas nesse momento clama-se pela religião como incidente sui generis; “fundamento transcendental desse aspecto da religião”.
Desse modo, a religião não é uma categoria “nativa”; “a consciência religiosa tende a não entender a sua própria vivência a partir desse conceito”. Isso por conta de que a experiência religiosa é “singular e exclusiva”, “não é comparável com nenhuma outra”. Assim, na modernidade, a religião é uma criação humana, inventada por seres humanos; causando portanto desconfiança.
Resumindo, apesar da palavra religião ser antiga, o conceito é muito recente “constituído a partir de interesses e problemáticas circunscritas a um determinado contexto histórico, mais especificamente na modernidade ocidental”. Conclui-se, portanto, que o conceito de religião surge justamente a partir de uma secularização da sociedade, como já mencionado acima. Enfim, só podemos “falar de religiões porque há um conceito de religião de fundo”.
Todavia, esse conceito em vez de ajudar, ao contrário, tem causado problemas se configurando, “precisamente, como um entrave, reverberando ainda as intenções colonialistas do Ocidente”. Questiona-se então as distinções entre secular e religioso. De que adiantaria esses conceitos numa sociedade não fragmentada em diferentes conhecimentos autônomos? Configurar-se-ia numa invasão cultural caso fossem impostos esses conceitos exógenos. Cogita-se então o abandono do termo religião, contudo “os prejuízos parecem ser maiores do que os ganhos”. “Se não há consenso sobre o que é religião, muito menos acordo existe em torno de que outras noções poderiam substitui-lo, [o termo] satisfatoriamente”. Essa proposta do abandono não parece ser factível.
“De todo modo, os conceitos tornam possível que um conjunto de fenômenos se manifeste para alguém”. Os conceitos podem vir antes ou após a existência dos fenômenos. Eles podem ser indicativos do que está por vir. “Não se chega à noção de religião simplesmente analisando a realidade e, por meio do processo de abstração, elaborando-se um conceito de religião. Antes mesmo de interpelar a realidade empírica, o observador já se vale de um conceito; mais do que isso: é justamente esse conceito que permite com que os fenômenos religiosos possam ser interpelados enquanto religiosos”. O objetivo de desconstruir o conceito de religião indica que a neutralidade do estudo da religião é falaciosa. Não há essa neutralidade; tampouco nos estudos da cultura, como da sociedade. “O que se pode exigir do pesquisador é, mais precisamente, distanciamento, para que aquilo que se estuda possa se constituir como objeto; afinal de contas, algo só pode aparecer a alguém como um objeto caso esteja colocado a certa distância”.
É preciso ter ciência das marcas das finitudes dos conceitos ao usá-los, assim como das marcas das suas desconstruções também, para que o pesquisador tenha um ponto de vista não comprometido e, portanto, mais objetivo.
“De todo o modo, o ponto de partida se encontra em noções previamente estabelecidas. Isso faz parte da finitude constitutiva do ser humano lançado em uma rede de significações, num horizonte hermenêutico. Os conceitos são o ponto de partida, tornando-se violentos e impositivos quando não se permitem ampliar ou se rever. Desse modo, a limitação constitutiva de todos eles não é, necessariamente, ruim. Antes, oferecem um chão a partir de onde se pode interpretar”.
REFERÊNCIA
PIEPER, Frederico. Religião: limites e horizontes de um conceito. Portal Metodista de Periódicos Científicos e Acadêmicos. Universidade Metodista de São Paulo. Estudos de Religião, v. 33, n. 1 • 5-35 • jan.-abr. 2019 • ISSN Impresso: 0103-801X – Eletrônico: 2176-1078. https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/view/9056/6836
Acesso em: 03 de maio de 2023.