Itinerário de uma folha solta no ar
O entardecer para mim, indubitavelmente, é a fase do dia que mais encanta. O por-do-sol anunciando a noite, o crepúsculo beijando o horizonte , aquela brisa afável acareciando meu rosto, me sinto tão leve como uma folha solta no ar.
Sempre, às vezes de modo intermitente, me pego sentado sob a árvore, no meu quintal aberto. A vista é livre como de uma savana, meu bairro é meio rural, tem umas e outras elevações no terreno, mas nada que encoberta a bela vista de um horizonte aberto. Era outubro, o inverno estava se dispedindo, mas ainda dava para sentir aquele friozinho de longe nos tocando ( também, mesmo no verão, o entardecer no meu bairro é frio ) e eu conteplava esse cenário.
O céu estava alaranjado e roxo " talvés Deus estivesse a pincelar uma obra d'arte nos céus " e eu fitando tudo isso. Na sequência, tombou um galho da árvore e ,de tão rente e suave, uma folha solta no ar percorria a paisagem diante de mim. Meu corpo encostado no caule, meu olhos filando ela, minha mente levantou voo e planava com ela paralela.
Todas as folhas daquela árvore estavam caídas no chão excepto aquela solta ar, mas o vento havia soprado para todas, o que é que ela tem de tão especial? Na cena, meus olhos a acompanhavam e eis que fez pousada em um galho novo, num pomar.
- O que está fazendo aqui? Não sabeis que o lugar das folhas caídas é no chão? - Indagou o galho com um ar imperioso.
- Ficar no chão é opcional quando se tem um impulso para se levantar. Já vivi muito tempo estagnada, presa a um galho, hoje estou livre para cumprir meu itinerário solta no ar. - Enfatizou a folha.
- Que satisfação ainda esperas se tão logo murcharás? Tua vida está por um fio, já não tens nada a dar.
- Talvés tenhas razão, mas ainda estou aqui e estamos a falar e é a primeira vez que faço pouso em um pomar. Ora, isso me satisfaz!